O Contexto Cultural da Personalidade

A seguir, você irá ler um trecho de “O Contexto Cultural da Personalidade”, de Ralph Linton. Caso deseje mais informações ou queira adquirir a obra completa, clique na capa do livro.

I. O indivíduo, a cultura e a sociedade

Estudos do indivíduo, cultura e sociedade, bem como suas múltiplas inter-relações, são uma resposta à antiga máxima: “Homem, conhece-te a ti mesmo”. A maioria dos fenômenos tratados por tais estudos tem sido reconhecida tacitamente desde tempos imemoriais, mas sua pesquisa tem sido deixada em grande parte para o filósofo e teólogo. Somente nas últimas duas ou três gerações eles passaram a ser considerados um campo apropriado para pesquisa científica. Mesmo agora, tais pesquisas são repletas de grandes dificuldades. Embora atitudes científicas estejam sendo invocadas com sucesso crescente, muitas das técnicas científicas reconhecidas simplesmente não são aplicáveis aos fenômenos dessas ordens. Assim, a própria natureza do material impede, em grande parte, o uso de métodos experimentais. As qualidades intrínsecas de culturas e sociedades são tais que é impossível produzi-las sob encomenda ou estudá-las sob condições de controle rígido. O indivíduo é mais acessível a técnicas experimentais, mas mesmo ele deixa muito a desejar. Mesmo quando criança, ele se apresenta ao pesquisador com sua própria configuração distintiva de experiências e potencialidades inatas, biologicamente determinadas. Estas constituem um X não resolvido em todas as equações, um que não pode ser solucionado por nenhuma das técnicas atualmente disponíveis para nós. Em teoria, seria possível lidar com os fatores inatos, desenvolvendo, por meio de cruzamentos controlados, linhagens humanas de hereditariedade quase uniforme. Com base nisso, poderia ser possível observar os tipos de personalidade produzidos por diversas condições ambientais criadas pelo pesquisador. No entanto, tais cobaias humanas pertencem a um futuro tão remoto quanto deprimente em termos de tudo que nos foi ensinado a valorizar. Mesmo o primeiro passo, o de desenvolver linhagens puras, terá que aguardar um evento tão improvável quanto o desaparecimento dos tabus de incesto.

Essas limitações no uso do método experimental não são de forma alguma as únicas dificuldades que confrontam o pesquisador. Personalidades, culturas e sociedades são todas configurações em que o padrão e a organização do todo são mais importantes do que qualquer uma das partes componentes. Até tempos muito recentes, a tendência científica tem sido a análise cada vez mais minuciosa de tais configurações e o estudo das partes em vez do todo. Mesmo hoje, quando a importância das configurações como tais é geralmente reconhecida, ainda há uma notável falta de técnicas para lidar com elas. Por fim, a falta de unidades exatas e demonstráveis para a medição da maioria dos fenômenos sociais e culturais ainda é uma severa limitação. Até que tais unidades sejam estabelecidas, será impossível aplicar muitas das técnicas matemáticas que se mostraram tão valiosas em outros campos de pesquisa.

O maior avanço tecnológico dentro da área geral aqui discutida foi feito no contexto de estudos psicológicos. Aqui, uma longa série de testes foi desenvolvida, muitos dos quais parecem fornecer resultados válidos. A maioria desses testes serve para revelar apenas certos aspectos do conteúdo da personalidade, não as configurações da personalidade como um todo. Com base nos resultados, uma série de indivíduos pode ser classificada em relação a uma única qualidade, como inteligência, mas tais séries terão pouca relação com a ordem na qual os mesmos indivíduos podem ser classificados em relação a alguma outra qualidade, como agressividade. Os avanços mais recentes e, de certos pontos de vista, mais promissores nesse campo são o desenvolvimento de testes direcionados para a configuração da personalidade como um todo. Estes ainda estão em seus estágios iniciais, mas testes como Rorschach e o Temático de Murray já provaram seu valor e prometem muito para o futuro.

Mesmo quando os testes formais forem levados ao mais alto grau de perfeição, eles não fornecerão uma resposta para alguns dos problemas mais significativos relacionados ao estudo do desenvolvimento da personalidade. Qualquer teste pode iluminar a personalidade apenas como ela existe quando o teste é aplicado. Personalidades são continuidades dinâmicas, e embora seja importante descobrir seu conteúdo, organização e desempenho em um determinado ponto no tempo, é ainda mais importante descobrir os processos pelos quais elas se desenvolvem, crescem e mudam. Em relação a esses processos, os testes formais não podem fazer mais do que nos fornecer uma série de pontos de dados ao longo da trajetória de vida do indivíduo. Muito poucos registros desse tipo estão disponíveis atualmente. Até que se tornem mais comuns, a melhor abordagem para os problemas do desenvolvimento da personalidade deve permanecer no estudo e comparação de histórias de vida, conforme obtidas pelos próprios indivíduos. Importante trabalho nesse sentido tem sido feito pelos psicanalistas, mas mesmo aqui muito ainda precisa ser feito no desenvolvimento de técnicas objetivas. Apesar da aparente validade de muitas das conclusões psicanalíticas, a maioria delas foi alcançada com base em julgamentos subjetivos e não é suscetível ao tipo de prova exigido pelos trabalhadores das ciências exatas.

Muitas das dificuldades enumeradas anteriormente provavelmente desaparecerão com o tempo. Enquanto novas técnicas adequadas às qualidades particulares da personalidade, cultura e sociedade não forem desenvolvidas, os pesquisadores devem chegar às suas conclusões por meio da simples observação e comparação de seus materiais. Essa abordagem é comparável à do naturalista de estilo antigo, em vez da do estudioso moderno do comportamento animal. No entanto, não se deve esquecer que, sem as orientações fornecidas pelo trabalho dos naturalistas, muitos dos desenvolvimentos posteriores teriam sido impossíveis. Os estudiosos do comportamento humano, seja no nível individual ou social, desenvolveram técnicas descritivas adequadas e uma considerável compreensão dos fenômenos com os quais têm que lidar. Eles também desenvolveram uma conscientização crescente da complexidade desse material e da estreita interdependência funcional do indivíduo, da sociedade e da cultura. Seguindo as tendências atomísticas anteriores da pesquisa científica, cada um desses aspectos foi tratado como um campo separado de pesquisa e se tornou objeto de uma disciplina distinta. O indivíduo foi atribuído à Psicologia, a sociedade à Sociologia e a cultura à Antropologia Cultural, embora as duas últimas ciências tenham mostrado uma tendência constante à sobreposição em suas pesquisas. Agora está se tornando evidente que a integração entre o indivíduo, a sociedade e a cultura é tão próxima e sua interação tão contínua que o pesquisador que tenta trabalhar com qualquer um deles sem referência aos outros logo se depara com um beco sem saída. Ainda há espaço para especialistas e ainda existem interesses pessoais que se beneficiam ao manter as várias disciplinas separadas. No entanto, parece seguro dizer que os próximos anos testemunharão o surgimento de uma ciência do comportamento humano que sintetizará as descobertas da Psicologia, Sociologia e Antropologia. À essa trindade provavelmente será adicionada a Biologia em devido tempo, mas a relação entre fenômenos biológicos e psicológicos, sociais e culturais ainda é tão pouco compreendida que parece mais seguro omiti-la por enquanto.

Apesar das inter-relações funcionais do indivíduo, sociedade e cultura, essas três entidades podem, e de fato devem, ser diferenciadas para fins descritivos. Embora qualquer indivíduo em particular raramente seja de grande importância para a sobrevivência e funcionamento da sociedade à qual pertence ou da cultura na qual participa, o indivíduo, suas necessidades e potencialidades, estão na base de todos os fenômenos sociais e culturais. As sociedades são grupos organizados de indivíduos, e as culturas são, em última análise, nada mais do que as respostas organizadas e repetitivas dos membros de uma sociedade. Por essa razão, o indivíduo é o ponto de partida lógico para qualquer investigação da configuração maior.

Pode-se presumir que são as necessidades do indivíduo que fornecem as motivações para seu comportamento e que são, por meio disso, responsáveis pelo funcionamento da sociedade e da cultura. As necessidades dos seres humanos parecem ser mais numerosas e mais variadas do que as de qualquer outra espécie. Além daquelas que podem ser diretamente relacionadas a tensões fisiológicas, como as necessidades de alimentação, sono, escape da dor e satisfação sexual, o homem possui uma série de outras necessidades cuja conexão com tais tensões não pode ser claramente demonstrada. A estas, por falta de um termo melhor, podemos chamar de necessidades psíquicas. Embora as necessidades fisiologicamente determinadas do indivíduo sejam geralmente chamadas de primárias e as psíquicas de secundárias, tal distinção é justificável principalmente em termos de uma abordagem genética. As necessidades fisiologicamente determinadas, sem dúvida, aparecem primeiro no curso geral da evolução e são as primeiras a se manifestarem no ciclo de vida do indivíduo. No entanto, como motivações do comportamento adulto, necessidades físicas e psíquicas parecem estar em pé de igualdade. Talvez em qualquer conflito prolongado entre as duas, as probabilidades favoreçam as necessidades físicas, mas a vitória das exigências do corpo nunca é garantida. Há grevistas de fome que persistem até o fim e, como ocorre na Europa hoje em dia, homens morrem sob tortura em vez de trair um amigo ou mesmo abandonar uma opinião. Nas exigências menos violentas da vida diária, encontramos as necessidades psíquicas mais uma vez sendo priorizadas sobre as físicas. Todos nós conhecemos o velho provérbio “O preço da beleza é a dor”.

Apesar da importância das necessidades psíquicas como motivações do comportamento, ainda sabemos muito pouco sobre elas. Sua gênese é obscura, e elas nem mesmo foram adequadamente descritas ou classificadas. Os estados psicológicos são coisas tênues, extremamente difíceis de lidar por métodos objetivos exatos. A natureza e até mesmo a presença das necessidades psíquicas só podem ser deduzidas pelo comportamento que delas surge. Esse comportamento é tão variado que se torna em grande parte uma questão de escolha se ele deve ser relacionado a um pequeno número de motivações gerais ou a um grande número de motivações específicas. Se o último método for seguido, as necessidades psíquicas podem ser expandidas quase ao infinito e grande parte do valor inerente aos sistemas taxonômicos será perdido. Uma dificuldade adicional no desenvolvimento de uma classificação adequada das necessidades psíquicas surge do fato de que qualquer necessidade humana, seja física ou psíquica, raramente se relaciona de forma clara e inequívoca com qualquer padrão de comportamento observável. Quando as pessoas agem, especialmente se o fazem de acordo com um padrão cultural estabelecido, a ação geralmente contribui para satisfazer várias necessidades diferentes simultaneamente. Assim, quando nos vestimos, o fazemos em parte para proteger o corpo e em parte para satisfazer a vaidade ou, pelo menos, evitar a censura. Sob tais circunstâncias, parece mais seguro não tentar estabelecer qualquer classificação das necessidades psíquicas, contentando-nos com uma breve discussão de algumas das que parecem ser mais gerais e mais significativas para a compreensão do comportamento humano.

Talvez a necessidade psíquica mais proeminente e continuamente operativa do homem seja a de resposta emocional de outros indivíduos. O termo resposta emocional é usado de forma ponderada, pois o simples fato de obter respostas comportamentais pode deixar essa necessidade insatisfeita. Assim, em uma cidade moderna, é totalmente possível que o indivíduo interaja com um grande número de outras pessoas em termos formais e culturalmente estabelecidos e obtenha serviços necessários deles sem obter qualquer resposta emocional. Nessas circunstâncias, sua necessidade psíquica por resposta permanece insatisfeita, e ele sofre de sentimentos de solidão e isolamento quase tão agudos como se ninguém mais estivesse presente. Na verdade, a experiência tende a ser mais frustrante do que a solidão genuína. Todos nós sabemos o que significa estar sozinho em uma multidão. É essa necessidade de resposta e especialmente de resposta favorável que fornece ao indivíduo seu principal estímulo para o comportamento socialmente aceitável. As pessoas aderem aos costumes de suas sociedades tanto porque desejam aprovação quanto porque temem punição.

Essa necessidade de resposta emocional dos outros é tão universal e tão forte que muitos cientistas sociais a consideram instintiva no sentido de ser inata. Se ela é realmente assim ou se é um produto do condicionamento é um problema que pode nunca ser resolvido. O indivíduo é tão completamente dependente dos outros durante a infância que ele não pode sobreviver sem obter resposta deles. Essa resposta, portanto, passaria a ser associada à satisfação mesmo de suas necessidades mais elementares, e o desejo por ela poderia sobreviver mesmo quando ele desenvolvesse técnicas para satisfazê-las sem ajuda. Por outro lado, há boas evidências de que até mesmo os bebês requerem uma certa quantidade de resposta emocional para seu bem-estar. A falta dela parece ser a única explicação para a alta taxa de mortalidade infantil mesmo nas instituições mais bem administradas e higiênicas, que excede em muito aquela sob condições até insalubres da vida doméstica. Como expressou sucintamente um importante psicanalista em suas palestras: “Bebês que não são amados não sobrevivem”[1]. Como todos os indivíduos passam pelas experiências da infância, a questão de saber se essa necessidade é inata ou adquirida é realmente uma questão acadêmica. Em qualquer caso, sua presença é universal.

Uma segunda necessidade psíquica igualmente universal é a de segurança a longo prazo. Graças à capacidade humana de perceber o tempo como um continuum que se estende além do passado e do presente para o futuro, as satisfações presentes não são suficientes enquanto as futuras permanecerem incertas. Estamos constantemente em busca de garantias, embora o mesmo senso de tempo que nos permite preocupar com o que pode acontecer também nos permita adiar a satisfação das necessidades presentes e tolerar desconfortos atuais na expectativa de recompensas futuras. Essa necessidade de segurança e garantia é refletida em inúmeras formas de comportamento culturalmente padronizado. Ela leva o artesão primitivo a misturar magia com sua tecnologia e as pessoas em todos os níveis de cultura a imaginarem paraísos nos quais o comportamento adequado do presente será devidamente recompensado. À luz de nosso atual conhecimento muito limitado dos processos psicológicos, parece ocioso especular sobre as origens dessa necessidade. É suficiente reconhecer sua importância como motivação para o comportamento voltado ao futuro.

A terceira e última necessidade psíquica que merece menção neste momento é a de novidade de experiência. Provavelmente, ela é menos compulsiva do que as necessidades que acabaram de ser discutidas; pelo menos, raramente parece entrar em jogo até que a maioria das outras necessidades tenha sido satisfeita. Ela encontra expressão no familiar fenômeno do tédio e leva a todo tipo de comportamento experimental. Assim como no caso da necessidade de resposta, há uma possível explicação para isso em termos de condicionamento precoce. Durante a infância, o indivíduo está constantemente tendo novas experiências e, como muitas delas são prazerosas, as qualidades de novidade e prazer podem muito bem se tornar ligadas em antecipação. Por outro lado, as raízes dessa necessidade podem ser mais profundas. Mesmo crianças muito pequenas mostram tendências experimentais, e Pavlov reconheceu o que ele chama de reflexo exploratório nos animais.

O papel tanto das necessidades físicas quanto das psíquicas no comportamento humano é estritamente o de primeiras causas. Sem o estímulo que elas fornecem, o indivíduo permaneceria inativo. Ele age para aliviar tensões, e isso se aplica igualmente a ações visíveis e a ações encobertas, como aprender e pensar. No entanto, as formas que o comportamento assume nunca podem ser explicadas apenas pelas necessidades motivadoras. Essas necessidades são forças cuja expressão é moldada por uma multiplicidade de outros fatores. O comportamento que será suficiente para satisfazer qualquer necessidade ou combinação de necessidades deve ser organizado com referência constante ao ambiente no qual o indivíduo tem que operar. Esse ambiente inclui fatores tanto do meio ambiente quanto da experiência. Assim, o comportamento que servirá para atender à necessidade de comida é bastante diferente em uma cidade moderna e na selva. Além disso, as técnicas que o indivíduo empregará em cada caso variarão com sua experiência passada. Na selva, alguém acostumado a caçar abordará a obtenção de comida de maneira completamente diferente de alguém que não está acostumado.

Se as formas de comportamento humano não podem ser explicadas em termos das necessidades do indivíduo, também é igualmente impossível explicá-las em termos de suas potencialidades inatas para a ação. Essas potencialidades estabelecem limites últimos para as formas que o comportamento pode assumir, mas deixam uma gama extremamente ampla de possibilidades. A escolha de qualquer uma dessas possibilidades é determinada por outros fatores. O comportamento do indivíduo é imediatamente determinado por sua experiência, e essa, por sua vez, é derivada de seus contatos com seu ambiente. Segue-se que a compreensão desse ambiente é indispensável para a compreensão tanto das personalidades individuais quanto da personalidade em geral.

Embora nunca dois indivíduos, nem mesmo gêmeos idênticos criados na mesma família, tenham ambientes idênticos, todos os ambientes humanos têm certas características em comum. Estamos propensos a pensar no ambiente em termos de fenômenos naturais, como temperatura, terreno ou oferta de alimentos disponíveis, fatores que inevitavelmente variam com o tempo e o lugar. Embora essas coisas se reflitam na experiência do indivíduo e, por meio dela, em sua personalidade, elas parecem ter importância relativamente menor na formação da personalidade. Entre o ambiente natural e o indivíduo, há sempre um ambiente humano interposto, que é muito mais significativo. Esse ambiente humano consiste em um grupo organizado de outros indivíduos, ou seja, uma sociedade, e em um modo de vida particular característico desse grupo, ou seja, uma cultura. É a interação do indivíduo com esses elementos que é responsável pela formação da maioria de seus padrões de comportamento, até mesmo suas respostas emocionais profundamente arraigadas.

Desagradável como possa ser a constatação para os egocêntricos, muito poucos indivíduos podem ser considerados mais do que incidentes nas histórias de vida das sociedades às quais pertencem. Nossa espécie alcançou há muito o ponto em que grupos organizados, e não seus membros individuais, tornaram-se as unidades funcionais em sua luta pela sobrevivência. A vida social é tão característica do Homo sapiens quanto sua dentição mista ou seu polegar opositor. No entanto, diante dos antecedentes e da natureza do homem, o mais surpreendente das sociedades humanas é que elas tenham sido desenvolvidas em absoluto. Nossa espécie está longe de ser a primeira a fazer a experiência da vida em grupo organizado, mas o abismo que separa nossas sociedades das de até mesmo nossos parentes subumanos mais próximos é enorme. Para encontrar quaisquer paralelos reais à situação humana, devemos nos voltar para os membros de outro filo, os insetos. Estes desenvolveram sociedades apenas um pouco menos complicadas do que as nossas, mas as desenvolveram por métodos impossíveis para nós. Os insetos elaboraram seus instintos em detrimento de sua capacidade de aprendizagem e, acima de tudo, em detrimento de sua inventividade. Sua tendência evolutiva foi a de produzir autômatos vivos e elaborados, ajustados a ambientes fixos. São seres em que o máximo de eficiência é combinado com o mínimo de individualidade. Os insetos aprendem com dificuldade e esquecem facilmente, mas na maioria dos casos podem completar seus breves ciclos de vida sem precisar aprender absolutamente nada, muito menos resolver novos problemas. A adaptação de tais autômatos ao funcionamento como membros de uma sociedade intricadamente organizada é apenas um passo além de sua adaptação ao funcionamento em um ambiente natural limitado e estável, e não envolve nenhum novo princípio. Cada formiga ou abelha é ajustada ao seu lugar na comunidade por meio de uma combinação de especialização estrutural e instintos. Ele é organizado tanto física quanto psicologicamente para ser um trabalhador ou soldado e não pode funcionar em qualquer outra capacidade. Ele tem um mínimo de necessidades individuais e nenhuma que possa colocá-lo em conflito com outros membros da mesma comunidade. A menos que seja selecionado para um papel reprodutivo, ele (ou ela) até mesmo foi desprovido daqueles impulsos sexuais que são uma fonte fértil de conflitos em grande parte dos vertebrados. Em suma, os insetos sociais são menos indivíduos do que unidades padronizadas e intercambiáveis. Desde o momento em que nascem, estão tão bem ajustados a suas funções sociais predestinadas que são incapazes de se desviar. A luta de classes jamais poderia se desenvolver em um formigueiro. Tais unidades fornecem blocos de construção perfeitos para uma estrutura social homogênea, estreitamente integrada e completamente estática. A formiga nasce com tudo o que o ditador mais exigente poderia desejar que seus súditos tivessem.

Em contraste com os insetos sociais, o ser humano é o produto de um processo evolutivo cuja tendência geral tem sido o aumento da individualização. Os mamíferos se especializaram na capacidade de aprender e, nas fases mais avançadas de seu desenvolvimento, de pensar. Quando nossos ancestrais alcançaram o nível humano, haviam perdido a maioria de suas respostas automáticas, e as poucas que sobreviveram eram bastante simples. O homem não possui instintos, pelo menos no sentido em que usamos esse termo ao falar do comportamento dos insetos. Ele tem que aprender ou inventar praticamente tudo o que faz. Assim, cada indivíduo não apenas pode, mas deve desenvolver seus próprios padrões de comportamento. Além disso, apesar da fixação parcial desses padrões pelo processo de formação de hábitos, eles nunca se tornam imutáveis da mesma maneira que os instintos. Aliada à habilidade humana de aprender e formar hábitos, há uma capacidade igualmente importante de esquecer, reconhecer novas situações pelo que são e inventar novos comportamentos para enfrentá-las. As possibilidades de variação individual no comportamento são, portanto, praticamente infinitas. Quando várias pessoas reagem da mesma maneira a uma situação específica, a causa deve ser buscada na experiência que tais indivíduos têm em comum. Obviamente, esse fundo de experiência comum será muito maior para os membros de uma única sociedade do que para membros de diferentes sociedades. No entanto, existem certos tipos de experiência que são comuns a toda a humanidade. Por exemplo, todo adulto foi uma criança dependente para sua própria sobrevivência dos cuidados prestados por outras pessoas. São essas experiências comuns e as necessidades e habilidades comuns da humanidade que são responsáveis pelas uniformidades de comportamento que podemos perceber em toda a humanidade.

Intrinsecamente, os membros de nossa espécie parecem ter maiores potencialidades para diferenciação e individualização do que os membros de qualquer outra. A tendência geral de nossa evolução tem sido a de se afastar da produção de unidades padronizadas que são as unidades ideais para estruturas sociais complexas. Como nos tornamos socializados, deve permanecer um enigma. Nossos parentes subumanos, que compartilham nossas qualidades psicológicas com diferenças de grau e não de espécie, são geralmente gregários, mas até mesmo as sociedades antropoides carecem da maioria das especializações e diferenciações de funções sociais que são tão características das nossas próprias. A lacuna entre essas sociedades e as sociedades humanas mais simples é tão grande que o desenvolvimento de nossos próprios padrões de vida social deve ser considerado um tour de force evolutivo. Somos macacos antropoides tentando viver como cupins, mas sem grande parte do equipamento dos cupins. Pode-se questionar se não poderíamos fazê-lo melhor com instintos.

Independentemente de como as sociedades humanas tenham surgido, todas têm certas características em comum. A primeira e talvez mais importante é que a sociedade, em vez do indivíduo, se tornou a unidade significativa em nossa luta pela sobrevivência. Exceto por algum acidente infeliz, como o de Robinson Crusoe, todos os seres humanos vivem como membros de grupos organizados e têm seus destinos inexoravelmente ligados ao do grupo ao qual pertencem. Eles não podem sobreviver aos perigos da infância ou satisfazer suas necessidades adultas sem a ajuda e cooperação de outros indivíduos. A vida humana passou há muito da fase do trabalho individual para a linha de montagem, na qual cada pessoa faz sua pequena contribuição específica para o produto final.

Uma segunda característica das sociedades é que elas normalmente persistem muito além da vida de qualquer indivíduo. Cada um de nós é trazido, pelo acidente do nascimento, para uma organização que já é uma realidade estabelecida. Embora novas sociedades possam surgir sob certas condições, a maioria das pessoas nasce, vive e morre como membros das sociedades antigas. O problema delas como indivíduos não é auxiliar na organização de uma nova sociedade, mas se ajustar a um padrão de vida em grupo que já se cristalizou há muito tempo. Pode parecer quase desnecessário apontar isso, mas em muitos escritos encontramos uma confusão entre a origem das formas sociais e a origem do comportamento social no indivíduo. Como uma instituição como a família se originou é um problema completamente diferente da forma como o indivíduo se torna um membro funcional e plenamente integrado de uma família.

Terceiro, as sociedades são unidades funcionais e operacionais. Apesar do fato de serem compostas por indivíduos, elas funcionam como um todo. Os interesses de cada um de seus membros são subordinados aos do grupo como um todo. As sociedades nem mesmo hesitam em eliminar alguns de seus membros quando isso é vantajoso para a sociedade como um todo. Os homens vão para a guerra e morrem nela para proteger ou enriquecer a sociedade, e o criminoso é destruído ou segregado porque ele é um fator perturbador. Menos óbvios, mas mais contínuos, são os sacrifícios diários de inclinações e desejos que a vida social exige daqueles que dela participam. Tais sacrifícios são recompensados de muitas maneiras, talvez mais do que tudo pelas respostas favoráveis dos outros. No entanto, pertencer a uma sociedade é sacrificar um pouco da liberdade individual, não importando quão pequenas sejam as restrições que a sociedade conscientemente impõe. As chamadas sociedades livres não são verdadeiramente livres. São apenas aquelas sociedades que encorajam seus membros a expressar sua individualidade ao longo de algumas linhas menores e socialmente aceitáveis. Ao mesmo tempo, condicionam seus membros a obedecer a inúmeras regras e regulamentos, fazendo isso de forma tão sutil e completa que esses membros estão em grande parte inconscientes de que as regras existem. Se uma sociedade fez seu trabalho de moldar o indivíduo corretamente, ele não está mais consciente da maioria das restrições que ela impôs do que está das limitações que sua roupa habitual impõe a seus movimentos.

Quarto, em toda sociedade, as atividades necessárias para a sobrevivência do todo são divididas e distribuídas aos vários membros. Não há sociedade tão simples que não distinga pelo menos entre o trabalho de homens e mulheres, enquanto a maioria delas também designa certas pessoas como intermediários entre o homem e o sobrenatural, e como líderes para organizar e direcionar as atividades do grupo ao longo de certas linhas. Essa divisão representa o mínimo absoluto, e na maioria das sociedades a encontramos levada muito além desse ponto, com uma atribuição de diversas artes a especialistas e a nomeação de funcionários sociais. Essa divisão formal de atividades serve para dar à sociedade estrutura, organização e coesão. Ela transforma o grupo de indivíduos que constitui a sociedade de uma mera massa amorfa em um organismo. Com cada passo na diferenciação de funções, os indivíduos que desempenham essas funções tornam-se cada vez mais dependentes do todo. O comerciante não pode existir sem clientes, nem o sacerdote sem uma congregação.

É a presença de tal sistema de organização que torna possível para a sociedade persistir ao longo do tempo. Os meros processos biológicos de reprodução são suficientes para perpetuar o grupo, mas não a sociedade. As sociedades são como aquelas estruturas históricas, digamos a fragata americana Constitution, que são substituídas aos poucos, preservando o padrão original em sua totalidade. A comparação não é completamente satisfatória, uma vez que as estruturas das sociedades também mudam com o tempo, em resposta às necessidades impostas pelas condições mutáveis. No entanto, essas mudanças são, na maior parte, graduais, e o padrão persiste apesar delas. As sociedades se perpetuam como entidades distintas ao treinar os indivíduos que nascem no grupo para ocuparem lugares específicos dentro da estrutura da sociedade. Para sobreviver, eles devem ter não apenas membros, mas especialistas, pessoas capazes de fazer certas coisas de forma superlativa, enquanto deixam outras coisas para outras pessoas. Do ponto de vista do indivíduo, o processo de socialização é, portanto, aprender o que ele deve fazer pelos outros e o que ele tem o direito de esperar deles.

Tanto os experimentos de laboratório quanto o bom senso nos dizem que a essência da aprendizagem bem-sucedida reside em recompensas ou punições consistentes. O comportamento que sempre traz um resultado desejado é aprendido muito mais rapidamente e prontamente do que aquele que o traz apenas ocasionalmente. O treinamento bem-sucedido do indivíduo para um lugar específico na sociedade depende da padronização do comportamento dos membros da sociedade. O menino que pode aprender a agir como um homem e ser um homem bem-sucedido quando chegar a hora o faz porque todos em sua sociedade concordam sobre como os homens devem se comportar e o recompensam ou punem com base em quão fielmente ele adere ou se afasta desse padrão. Esses padrões de comportamento são chamados de padrões culturais pelos antropólogos. Sem eles, seria impossível para qualquer sociedade funcionar ou sobreviver.

O conceito de cultura é tão importante que precisará ser abordado em um capítulo separado. Por enquanto, é suficiente definir cultura como o modo de vida de qualquer sociedade. Esse modo de vida inclui inúmeros detalhes de comportamento, mas todos eles têm certos fatores em comum. Eles representam a resposta normal e esperada de qualquer membro da sociedade a uma situação específica. Assim, apesar do número infinito de variações menores encontradas nas respostas de indivíduos diferentes, ou até mesmo do mesmo indivíduo em momentos diferentes, a maioria das pessoas em uma sociedade responderá de maneira muito semelhante a uma situação específica. Por exemplo, em nossa própria sociedade, quase todos comem três vezes ao dia e fazem uma dessas refeições aproximadamente ao meio-dia. Além disso, indivíduos que não seguem essa rotina são considerados estranhos. Esse consenso de comportamento e opinião constitui um padrão cultural; a cultura como um todo é um conjunto mais ou menos organizado de tais padrões.

A cultura como um todo fornece aos membros de qualquer sociedade um guia indispensável em todos os assuntos da vida. Seria impossível tanto para eles quanto para a sociedade funcionar efetivamente sem ela. O fato de que a maioria dos membros da sociedade reagirá a uma determinada situação de maneira semelhante torna possível prever seu comportamento com alto grau de probabilidade, embora nunca com certeza absoluta. Essa previsibilidade é um pré-requisito para qualquer tipo de convivência social organizada. Se o indivíduo fizer coisas pelos outros, ele deve ter a garantia de que receberá algo em troca. A presença de padrões culturais, com seu contexto de aprovação social e consequentes possibilidades de pressão social sobre aqueles que não os seguem, oferece essa garantia. Além disso, por meio de uma longa experiência e principalmente pelo uso do método de tentativa e erro, os padrões culturais que são característicos de qualquer sociedade geralmente se ajustaram bem uns aos outros. O indivíduo pode obter bons resultados se os seguir, ou resultados pobres ou até mesmo negativos se não o fizer. O antigo provérbio “Quando em Roma, faça como os romanos” baseia-se em uma observação acertada. Em Roma ou em qualquer outra sociedade, as coisas são organizadas em termos dos padrões culturais locais e fazem poucas concessões para desvios deles. As dificuldades de um inglês em busca de seu chá em uma pequena cidade americana do Centro-Oeste seriam um exemplo disso.

Se a presença de padrões culturais é necessária para o funcionamento de qualquer sociedade, ela é igualmente necessária para sua perpetuação. A estrutura, ou seja, o sistema de organização de uma sociedade, é ela própria uma questão de cultura. Embora, para fins de descrição, possamos recorrer a analogias espaciais e traçar tal sistema em termos de posições, essas posições não podem ser definidas adequadamente exceto em termos do comportamento esperado de seus ocupantes. Certas características de idade, sexo ou relação biológica podem ser pré-requisitos para a ocupação de posições específicas pelo indivíduo, mas até mesmo a designação de tais pré-requisitos é uma questão cultural. Portanto, as posições de pai e filho em nosso próprio sistema social não podem ser claras por meio de qualquer declaração sobre o relacionamento biológico existente entre os dois. É necessário dar conta do comportamento culturalmente padronizado dos ocupantes dessas posições em relação um ao outro. Quando se trata de posições como as de empregador e empregado, achamos impossível defini-las exceto em termos do que se espera que os ocupantes dessas duas posições façam um pelo outro (ou possivelmente a eles). Uma posição em um sistema social, em contraste com o indivíduo ou indivíduos que podem ocupá-la em um momento específico no tempo, é na verdade uma configuração de padrões culturais. Da mesma forma, o sistema social como um todo é uma configuração ainda mais extensa de padrões culturais. Essa configuração fornece ao indivíduo técnicas para viver em grupo e interagir socialmente, da mesma forma que outras configurações de padrões, também dentro da cultura total, fornecem técnicas para explorar o ambiente natural ou se proteger de perigos sobrenaturais. As sociedades se perpetuam ensinando aos indivíduos de cada geração os padrões culturais que estão associados às posições na sociedade que se espera que eles ocupem. Os novos recrutas da sociedade aprendem como se comportar como maridos, líderes ou artesãos e, ao fazê-lo, perpetuam essas posições e, com elas, o sistema social como um todo. Sem cultura, não poderia haver sistemas sociais do tipo humano nem a possibilidade de ajustar novos membros do grupo a eles.

Eu percebo que na discussão anterior sobre sociedade e cultura, o foco foi principalmente no papel passivo do indivíduo e na forma como ele é moldado por fatores culturais e sociais. Agora é hora de apresentar o outro lado da questão. Não importa o quão cuidadosamente o indivíduo tenha sido treinado ou o quão bem-sucedido tenha sido sua condicionamento, ele continua sendo um organismo distinto, com suas próprias necessidades e capacidades para o pensamento, sentimento e ação independentes. Além disso, ele mantém um grau considerável de individualidade. Sua integração na sociedade e na cultura não vai além de suas respostas aprendidas, e embora, nos adultos, isso inclua a maior parte do que chamamos de personalidade, ainda há muito do indivíduo restante. Mesmo nas sociedades e culturas mais bem integradas, nunca duas pessoas são exatamente iguais.

Na verdade, o papel do indivíduo em relação à sociedade é duplo. Em circunstâncias normais, quanto mais perfeito for seu condicionamento e consequente integração na estrutura social, mais eficaz será sua contribuição para o suave funcionamento do todo e mais certas serão suas recompensas. No entanto, as sociedades têm que existir e funcionar em um mundo em constante mudança. A inigualável capacidade de nossa espécie de se adaptar a condições em constante mudança e desenvolver respostas cada vez mais eficazes para situações familiares repousa no resíduo de individualidade que sobrevive em cada um de nós após a sociedade e a cultura terem feito o máximo possível. Como uma unidade simples no organismo social, o indivíduo perpetua o status quo. Como indivíduo, ele ajuda a mudar o status quo quando necessário. Uma vez que nenhum ambiente está completamente estático, nenhuma sociedade pode sobreviver sem o ocasional inventor e sua capacidade de encontrar soluções para novos problemas. Embora ele frequentemente invente em resposta a pressões compartilhadas com outros membros de sua sociedade, são suas próprias necessidades que o impulsionam para a invenção. O primeiro homem que se cobriu com pele ou alimentou um fogo não fez isso porque estava consciente de que sua sociedade precisava dessas inovações, mas porque sentia frio. Para elevar o nível de complexidade cultural, não importa o quão prejudicial uma instituição existente possa ser para uma sociedade diante de mudanças nas condições, o estímulo para mudar ou abandoná-la nunca vem do indivíduo para quem ela não acarreta dificuldades. Novas invenções sociais são feitas por aqueles que sofrem com as condições atuais, não por aqueles que se beneficiam delas.

Compreender o duplo papel dos indivíduos como indivíduos e como unidades na sociedade fornecerá uma chave para muitos dos problemas que preocupam os estudiosos do comportamento humano. Para funcionar com sucesso como uma unidade na sociedade, o indivíduo deve assumir certas formas estereotipadas de comportamento, ou seja, padrões culturais. Muitos desses padrões culturais estão orientados para a manutenção da sociedade, em vez da satisfação das necessidades individuais. As sociedades são organismos de certa forma, e se tornou prática comum falar de suas necessidades como distintas daquelas dos indivíduos que as compõem. Essa linguagem carrega implicações infelizes, pois as qualidades das sociedades são bastante diferentes das dos organismos vivos. É mais seguro expressar as necessidades implícitas na situação social dizendo que uma sociedade não pode sobreviver ao longo do tempo nem funcionar com sucesso em qualquer momento, a menos que a cultura associada cumpra certas condições. Ela deve incluir técnicas para doutrinar os novos indivíduos nos valores do sistema da sociedade e para treiná-los a ocupar posições específicas em sua estrutura. Ela também deve incluir técnicas para recompensar comportamentos socialmente desejáveis e desencorajar o que é socialmente indesejável. Por fim, os padrões de comportamento que compõem a cultura devem ser ajustados entre si de forma a evitar conflitos e evitar que os resultados de um padrão de comportamento neguem os de outro. Todas as sociedades desenvolveram culturas que atendem a essas condições, embora os processos envolvidos em seu desenvolvimento ainda sejam obscuros.

Os padrões culturais dos quais qualquer sociedade depende para sua sobrevivência devem ser estabelecidos como padrões de resposta habitual por parte de seus membros. Isso é possível devido à extraordinária capacidade do homem de absorver ensinamentos. Uso o termo “ensinamento” de forma apropriada, pois está envolvida algo mais do que simplesmente aprender por experiências acidentais e não organizadas. Todos os seres humanos recebem instrução deliberada e proposital de seus mais velhos. Padrões complexos de comportamento são transferidos de geração em geração dessa maneira. O incentivo do indivíduo para assumir esses padrões reside na satisfação que proporcionam às suas necessidades pessoais, especialmente sua necessidade de resposta favorável dos outros. No entanto, do ponto de vista de sua sociedade, tais satisfações são importantes principalmente como iscas. Ele aprende os padrões como um todo, e esses padrões compreendem as necessidades da convivência social tanto quanto suas próprias necessidades. Ele cai na isca da satisfação pessoal imediata e é capturado no anzol da socialização. Ele aprenderia a comer em resposta à sua própria fome, mas seus mais velhos ensinam a ele a “comer como um cavalheiro”. Assim, em anos posteriores, sua fome evoca uma resposta que não apenas a satisfaz, mas o faz de uma maneira aceitável para sua sociedade e compatível com seus outros padrões culturais. Por meio do ensino e da imitação, o indivíduo desenvolve hábitos que o levam a desempenhar seu papel social não apenas de forma eficaz, mas em grande parte inconscientemente. Essa habilidade de integrar em uma única configuração elementos de comportamento, alguns dos quais atendem às necessidades individuais e outros para satisfazer necessidades sociais, e aprender e transmitir tais configurações como um todo é o que torna as sociedades humanas possíveis. Ao assumir tais configurações e estabelecê-las como hábitos, o indivíduo é ajustado para ocupar uma posição específica na sociedade e desempenhar o papel associado a essa posição. O fato de que a maioria dos comportamentos humanos é ensinada na forma de configurações organizadas, em vez de simplesmente desenvolvida pelo indivíduo com base na experiência, é de extrema importância para os estudos de personalidade. Isso significa que a maneira como uma pessoa responde a uma situação específica muitas vezes fornece uma pista melhor para o que ela foi ensinada do que para o que sua personalidade é. Em geral, todos os indivíduos que ocupam uma determinada posição na estrutura de uma sociedade responderão a muitas situações de forma muito semelhante. O fato de que qualquer indivíduo desse grupo manifeste essa resposta não prova nada sobre sua personalidade, exceto que ele possui habilidades normais de aprendizado. Suas predisposições pessoais serão reveladas não por suas respostas culturalmente padronizadas, mas por suas divergências do padrão cultural. Não é o tema principal de seu comportamento, mas as nuances que são significativas para entendê-lo como indivíduo. Nesse fato reside a grande importância dos estudos culturais para a psicologia da personalidade. Até que o psicólogo saiba quais são as normas de comportamento impostas por uma sociedade específica e possa descartá-las como indicadores de personalidade, ele será incapaz de penetrar além da fachada de conformidade social e uniformidade cultural para alcançar o indivíduo autêntico.


[1] Dr. S. Ferenczi, citado pelo Dr. Abram Kardiner.

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