Abaixo você irá ler um trecho de “A Vida das Formas”, de Henri Focillon. Caso deseje saber mais sobre a obra, ou deseja adquiri-la, clique aqui, ou na capa do livro abaixo.
I. O mundo das formas
Os problemas apresentados pela interpretação da obra de arte se manifestam sob a forma de contradições quase obsessivas. A obra de arte é uma tentativa de atingir o único, ela se afirma como um todo, como um absoluto, e, ao mesmo tempo, pertence a um sistema de relações complexas. Ela resulta de uma atividade independente, traduz um devaneio superior e livre, mas também vemos convergir nela as energias das civilizações. Finalmente (para respeitar provisoriamente os termos de uma oposição aparentemente total), ela é matéria e espírito, é forma e conteúdo. Os homens que se dedicam a defini-la a qualificam de acordo com as necessidades de sua natureza e a particularidade de suas pesquisas. Quem a cria, quando se detém para considerá-la, coloca-se em um plano diferente daquele que a comenta e, se usa os mesmos termos, é com um sentido diferente. Aquele que dela desfruta com profundidade e que, talvez, é o mais delicado e sábio, a estima por si mesma: acredita alcançá-la, possuí-la essencialmente – e a envolve com a rede de seus próprios sonhos. Ela mergulha na mobilidade do tempo e pertence à eternidade. Ela é particular, local, individual, e é um testemunho universal. Mas ela domina suas diversas acepções e, servindo para ilustrar a história, o homem e o próprio mundo, é criadora do homem, criadora do mundo, e estabelece na história uma ordem que não se reduz a nada mais.
Assim, acumula-se em torno da obra de arte a frondosa vegetação decorada por seus intérpretes, às vezes a ponto de nos ocultá-la por completo. E, no entanto, seu caráter é o de acolher todas essas possibilidades. Talvez elas estejam nela, misturadas. É um aspecto de sua vida imortal e, se é permitido falar assim, é a eternidade de seu presente, a prova de sua abundância humana, de seu interesse inesgotável. Mas ao fazer com que a obra de arte sirva a fins particulares, destituímo-la de sua antiga dignidade, retiramos dela o privilégio do milagre. Essa maravilha, ao mesmo tempo fora do tempo e sujeita ao tempo, seria um simples fenômeno da atividade das culturas, em um capítulo de história geral, ou um universo que se acrescenta ao universo, que tem suas leis, suas matérias, seu desenvolvimento, uma física, uma química, uma biologia, e que gera uma humanidade à parte? Para continuar o estudo, seria necessário isolá-la provisoriamente. Assim teríamos a chance de aprender a vê-la, pois ela é primeiro combinada para a visão, o espaço é seu domínio, não o espaço da atividade comum, o do estrategista, o do turista, mas o espaço tratado por uma técnica que se define como matéria e movimento. A obra de arte é medida do espaço, é forma, e é isso que deve ser considerado primeiro.
Balzac escreve em um de seus tratados políticos: “Tudo é forma, e a própria vida é uma forma.” Não apenas toda atividade pode ser discernida e definida na medida em que ela assume forma, em que inscreve sua curva no espaço e no tempo, mas também a vida age essencialmente como criadora de formas. A vida é forma, e a forma é o modo da vida. As relações que unem as formas entre si na natureza não podem ser pura contingência, e o que chamamos de vida natural é avaliado como uma relação necessária entre as formas sem as quais ela não seria. Da mesma forma para a arte. As relações formais em uma obra e entre as obras constituem uma ordem, uma metáfora do universo.
Mas ao apresentar a forma, como a curva de uma atividade, nos expomos a dois perigos. Primeiro, o de despojá-la, reduzindo-a a um contorno, a um diagrama. Devemos considerar a forma em toda a sua plenitude e sob todos os seus aspectos, a forma como construção do espaço e da matéria, seja ela manifestada pelo equilíbrio das massas, pelas variações do claro ao escuro, pelo tom, pela pincelada, pela mancha, seja ela arquitetada, esculpida, pintada ou gravada. E, por outro lado, neste domínio, devemos ter cuidado para nunca separar a curva da atividade e considerar esta última separadamente. Enquanto o terremoto existe independentemente do sismógrafo e as variações barométricas fora dos traços do cursor, a obra de arte só existe como forma. Em outras palavras, a obra não é a marca ou a curva da arte enquanto atividade, ela é a própria arte; ela não a designa, ela a engendra. A intenção da obra de arte não é a obra de arte. A coleção mais rica de comentários e memórias dos artistas mais imersos em seu tema, os mais hábeis em pintar com palavras, não pode substituir a mais singela obra de arte. Para existir, é necessário que ela se separe, que renuncie ao pensamento, que entre na extensão, é necessário que a forma meça e qualifique o espaço. É nessa exterioridade que reside seu princípio interno. Ela está sob nossos olhos e em nossas mãos como uma espécie de irrupção em um mundo que não tem nada em comum com ela, exceto o pretexto da imagem nas artes ditas de imitação.
A natureza também cria formas, ela imprime nos objetos dos quais é feita e nas forças que os animam figuras e simetrias, de tal forma que às vezes se tem o prazer de ver nela a obra de um Deus artista, de um Hermes escondido, inventor das combinações. As ondas mais tênues e rápidas têm uma forma. A vida orgânica desenha espirais, orbes, meandros, estrelas. Se quero estudá-la, é pela forma e pelo número que a compreendo. Mas, a partir do momento em que essas figuras intervêm no espaço da arte e em suas matérias próprias, elas adquirem um valor novo, geram sistemas completamente inéditos.
Mas esses inéditos, suportamos mal que possam manter sua qualidade estrangeira. Sempre seremos tentados a buscar na forma um sentido diferente dela mesma e a confundir a noção de forma com a de imagem, que implica a representação de um objeto, e, sobretudo, com a de signo. O signo significa, enquanto a forma se significa. E quando o signo adquire um valor formal eminente, este último atua com força sobre o valor do signo como tal, podendo esvaziá-lo ou desviá-lo, direcionando-o para uma nova vida. É que a forma está envolta em um halo. Ela é a definição estrita do espaço, mas é também sugestão de outras formas. Ela se continua, se propaga no imaginário, ou melhor, a consideramos como uma espécie de fissura, pela qual podemos introduzir em um reino incerto, que não é nem o da extensão nem o do pensamento, uma infinidade de imagens que aspiram a nascer. Assim talvez se expliquem todas as variações ornamentais do alfabeto e, mais particularmente, o sentido da caligrafia nas artes do Extremo Oriente. O signo, tratado segundo certas regras, traçado com pincel com traços finos e espessos, brusquidões e lentidões, enfeites e abreviações que constituem tantas maneiras, acolhe uma simbólica que se sobrepõe à semântica e que, além disso, é capaz de se endurecer e fixar, a ponto de se tornar uma nova semântica. O jogo desses intercâmbios, dessas sobreposições da forma e do signo nos daria, mais perto de nós, outro exemplo, com o tratamento ornamental do alfabeto árabe e com o uso que a arte cristã do Ocidente fez dos caracteres cúficos.
Então, será que a forma está vazia, apresentando-se como um número errante no espaço em busca de um valor que lhe escapa? De maneira nenhuma. Ela tem um sentido, mas que é totalmente dela, um valor pessoal e particular que não deve ser confundido com os atributos que lhe são impostos. Ela tem uma significação e recebe acepções. Uma massa arquitetônica, uma relação de tons, uma pincelada, um traço gravado, existem e valem primeiro em si mesmos; têm uma qualidade fisionômica que pode apresentar semelhanças marcantes com a da natureza, mas que não se confunde com ela. Assimilar forma e signo é admitir implicitamente a distinção convencional entre forma e conteúdo, o que pode nos desviar se esquecermos que o conteúdo fundamental da forma é um conteúdo formal. Longe de ser o vestuário acidental do conteúdo, são as diversas acepções deste último que são incertas e mutáveis. À medida que os antigos significados se desfazem e se apagam, novos sentidos se agregam à forma. A rede ornamental onde se prendem os deuses e heróis sucessivos da Mesopotâmia muda de nome sem mudar de figura. Além disso, assim que a forma aparece, ela pode ser lida de várias maneiras. Mesmo nos séculos mais organicamente rigorosos, quando a arte obedece a regras tão rigorosas quanto as da matemática, da música e da simbólica, como Mâle demonstrou, é permitido questionar se o teólogo que dita o programa, o artista que o executa e o fiel que recebe a lição recebem e interpretam a forma da mesma maneira. Existe uma região da vida do espírito onde as formas mais bem definidas reverberam com diversidade. O que Barrès fez da Sibila de Auxerre, entrelaçando um sonho admirável e gratuito com a matéria onde a vemos figurada, na sombra do tempo e da igreja, o artista também fez, mas de outra forma, e na ordem de seu pensamento operário, e de outra forma ainda o sacerdote que concebeu o plano, e muitos sonhadores depois deles, atentos às sugestões propagadas pela forma nas gerações renovadas.
Podemos conceber a iconografia de várias maneiras, seja como a variação das formas sobre o mesmo sentido, seja como a variação dos sentidos sobre a mesma forma. Ambas as abordagens destacam igualmente a independência respectiva dos dois termos. Às vezes, a forma exerce uma espécie de magnetismo sobre sentidos diversos, ou melhor, ela se apresenta como um molde oco, onde o homem derrama alternadamente matérias muito diferentes que se submetem à curva que as aperta, adquirindo assim um significado inesperado. Outras vezes, a fixidez obsessiva do mesmo sentido se apodera de experiências formais que não provocou necessariamente. Acontece que a forma se esvazia completamente, sobrevive muito tempo após a morte de seu conteúdo e até se renova com uma riqueza estranha. A magia simpática, ao copiar os nós de serpentes, inventou o entrelaçado. A origem profilática desse signo não é nada duvidosa. Resta uma marca nos atributos simbólicos de Esculápio. Mas o signo torna-se forma e, no mundo das formas, gera toda uma série de figuras, agora sem relação com sua origem. Ele se presta com grande luxo de variações à exuberância monumental de certas cristandades do Oriente; lá compõe os números ornamentais mais estreitamente entrelaçados; se adapta tanto a sínteses que ocultam cuidadosamente a relação de suas partes quanto ao gênio analítico do Islã, que o usa para construir e isolar figuras regulares. Na Irlanda, aparece como a fantasia fugidia, constantemente recomeçada, de um universo caótico que envolve e oculta em seus meandros os restos ou os germes das criaturas. Ele se enrosca na antiga iconografia, que devora. Cria uma imagem do mundo que não tem nada em comum com o mundo, uma arte de pensar que não tem nada em comum com o pensamento.
Assim, mesmo se nos limitarmos a olhar para simples esquemas lineares, a ideia de uma poderosa atividade das formas se impõe a nós. Elas tendem a se realizar com uma força extrema. O mesmo ocorre na linguagem. O signo verbal também pode se tornar o molde de acepções variadas e, ao ser promovido a forma, conhecer aventuras singulares. Ao escrever estas linhas, não esquecemos as críticas justas que Michel Bréal fez à teoria de Arsène Darmesteter na Vie des mots. Esta vegetação, aparentemente e metaforicamente independente, expressa certos aspectos da vida da inteligência, as aptidões ativas e passivas do espírito humano, uma maravilhosa engenhosidade na deformação e no esquecimento. Mas ainda é correto dizer que ela tem seus declínios, suas proliferações, seus monstros. Um evento imprevisto os provoca, um choque que abala e põe em jogo, com uma força externa e superior aos dados da história, os mais estranhos processos de destruição, desvio e invenção. Se, dessas camadas profundas e complexas da vida da linguagem, passarmos às regiões superiores onde ela adquire um valor estético, veremos ainda se confirmar o princípio formulado acima e cujos efeitos muitas vezes teremos que observar ao longo de nossos estudos: o signo significa, mas, ao se tornar forma, ele aspira a se significar, cria seu novo sentido, busca um conteúdo, dá-lhe uma vida nova através de associações e deslocações de moldes verbais. A luta entre o gênio purista e o gênio da impropriedade, esse fermento inovador, é um episódio violentamente antinômico desse desenvolvimento. Pode ser interpretado de duas maneiras: como um esforço para a maior energia semântica, ou como um duplo aspecto desse trabalho interno que realiza formas fora da matéria fluida dos sentidos.
As formas plásticas apresentam características não menos notáveis. Temos razões para pensar que elas constituem uma ordem e que essa ordem é animada pelo movimento da vida. Elas estão sujeitas ao princípio das metamorfoses, que as renova perpetuamente, e ao princípio dos estilos, que, por uma progressão desigual, tende sucessivamente a experimentar, fixar e desfazer seus relacionamentos.
Construída por camadas, esculpida em mármore, fundida em bronze, fixada sob o verniz, gravada em cobre ou em madeira, a obra de arte é apenas aparentemente imóvel. Ela expressa um desejo de fixidez, é uma parada, mas como um momento no passado. Na realidade, ela nasce de uma mudança e prepara outra. Na mesma figura, há muitas, como nesses desenhos onde os mestres, buscando a precisão ou a beleza de um movimento, sobrepõem vários braços, ligados ao mesmo ombro. Os esboços de Rembrandt fervilham na pintura de Rembrandt. O esboço faz o obra-prima se mover. Vinte experiências, recentes ou futuras, entrelaçam sua rede atrás da evidência bem definida da imagem. Mas essa mobilidade da forma, essa aptidão para gerar a diversidade das figuras, é ainda mais notável se a considerarmos em limites mais restritos. As regras mais rigorosas, que parecem feitas para desidratar a matéria formal e reduzi-la a uma monotonia extrema, são precisamente aquelas que melhor destacam sua vitalidade inesgotável pela riqueza das variações e pela surpreendente fantasia das metamorfoses. O que há de mais distante da vida, de suas flexões, de sua flexibilidade, do que as combinações geométricas da decoração muçulmana? Elas são geradas por um raciocínio matemático, baseadas em cálculos, redutíveis a esquemas de grande secura. Mas nesses quadros severos, uma espécie de febre pressiona e multiplica as figuras; um estranho gênio da complicação entrelaça, dobra, decompõe e recompõe seu labirinto. Sua imobilidade é mesmo cintilante em metamorfoses, pois, legível de mais de uma forma, segundo os preenchimentos, segundo os vazios, segundo os eixos verticais ou diagonais, cada uma delas oculta e revela o segredo e a realidade de vários possíveis. Um fenômeno semelhante ocorre na escultura românica, onde a forma abstrata serve de haste e suporte para uma imagem quimérica da vida animal e humana, onde o monstro, sempre preso a uma definição arquitetônica e ornamental, renasce incessantemente sob aparências inéditas, como se para nos enganar e para enganar a si mesmo sobre sua captura. Ele é um raminho curvado, uma águia de duas cabeças, uma sereia marinha, uma luta entre dois guerreiros. Ele se duplica, se entrelaça ao redor de si mesmo, se devora. Sem jamais exceder seus limites, sem jamais mentir a seu princípio, esse Proteu agita e lança sua vida frenética, que não é mais que o redemoinho e a ondulação de uma forma simples.
Pode-se objetar que a forma abstrata e a forma fantástica, embora sejam sujeitas a necessidades fundamentais e como que cativas delas, são ao menos livres em relação aos modelos da natureza, ao passo que isso não se aplica à obra de arte que respeita a imagem da natureza. No entanto, os modelos da natureza também podem ser considerados como o eixo e o suporte das metamorfoses. O corpo do homem e o corpo da mulher podem permanecer mais ou menos constantes, mas as figuras que podem ser formadas com corpos de homens e mulheres são de uma variedade inesgotável, e essa variedade trabalha, agita e inspira as obras mais bem coordenadas e serenas. Não procuraremos exemplos nas páginas do “Mangwa” que Hokousai preenche com seus esboços de acrobatas, mas nas composições de Rafael. Quando a Dafne da fábula é transformada em louro, ela precisa passar de um reino para outro. Uma metamorfose mais sutil e não menos singular, respeitando o corpo de uma bela jovem, nos leva da Virgem da Casa de Orléans para a Virgem da Cadeira, essa maravilhosa concha, com uma espiral tão pura e bem enrolada. Mas é nas composições onde se entrelaçam amplas guirlandas humanas que percebemos melhor o gênio das variações harmônicas que não cessa de combinar e recombinar figuras onde a vida das formas não tem outro objetivo senão a si mesma e seu renovamento. Os calculadores da Escola de Atenas, os soldados do Massacre dos Inocentes, os pescadores da Pesca Miraculosa, Impéria sentada aos pés de Apolo, ajoelhada diante de Cristo, são os entrelaçamentos sucessivos de um pensamento formal que tem o corpo do homem como elemento e suporte e que o faz servir ao jogo das simetrias, dos contrapostos e das alternâncias. A metamorfose das figuras não altera os dados da vida, mas compõe uma nova vida, não menos complexa do que aquelas dos monstros da mitologia asiática e dos monstros romanos. Mas enquanto esses últimos estão ligados à servidão da armadura abstrata, a ornamentação humana, idêntica, intacta em sua harmonia, extrai inesgotavelmente dessa harmonia novas necessidades. A forma pode se tornar fórmula e cânone, isto é, uma parada brusca, um tipo exemplar, mas é, antes de tudo, uma vida móvel em um mundo mutável. As metamorfoses, sem fim, recomeçam. É o princípio dos estilos que tende a coordená-las e a estabilizá-las.
Este termo tem dois sentidos bem diferentes, e até opostos. O estilo é um absoluto. Um estilo é uma variável. A palavra estilo precedida do artigo definido designa uma qualidade superior da obra de arte, aquela que lhe permite escapar ao tempo, uma espécie de valor eterno. O estilo, concebido de maneira absoluta, é exemplo e fixidez, é válido para sempre, apresenta-se como um cume entre duas encostas, define a linha das alturas. Por meio dessa noção, o homem expressa sua necessidade de se reconhecer em sua mais ampla inteligibilidade, naquilo que ele tem de estável e universal, além das ondulações da história, além do local e do particular. Um estilo, ao contrário, é um desenvolvimento, um conjunto coerente de formas unidas por uma conveniência mútua, mas cuja harmonia é buscada, feita e desfeita com diversidade. Existem momentos, flexões, curvaturas nos estilos mais bem definidos. Isso foi estabelecido há muito pela análise dos monumentos da arquitetura. Os fundadores da arqueologia medieval na França, e particularmente Caumont, nos ensinaram que a arte gótica, por exemplo, não poderia ser considerada como uma coleção de monumentos: pela análise rigorosa das formas, ela foi definida como estilo, isto é, como sucessão e até como encadeamento. Uma análise semelhante nos mostra que todas as artes podem ser concebidas sob a forma de um estilo – e até mesmo a vida do homem, na medida em que a vida individual e a vida histórica são formas.
O que constitui um estilo? Os elementos formais, que têm um valor de índice, que são o seu repertório, vocabulário e, às vezes, seu poderoso instrumento. Mais ainda, mas com menos evidência, uma série de relações, uma sintaxe. Um estilo se afirma por suas medidas. Não é diferente do que concebiam os gregos, quando o definiam pelas proporções relativas das partes. Mais do que a substituição das volutas pela moldura, no capitel, é um número que distingue a ordem jônica da ordem dórica, e vê-se bem que a coluna do templo de Nemeia é um monstro, uma vez que, dórica pelos elementos, tem medidas jônicas. A história da ordem dórica, ou seja, seu desenvolvimento como estilo, é feita unicamente de variações e pesquisas sobre as medidas. Mas existem outras artes, onde os elementos constitutivos têm um valor fundamental, como a arte gótica, por exemplo. Pode-se dizer que ela é totalmente composta pela ogiva, que é feita dela, que decorre dela em todas as suas partes. Mas deve-se observar que há monumentos onde a ogiva aparece sem gerar um estilo, isto é, uma série de conveniências calculadas. As primeiras ogivas lombardas não deram nada na Itália. O estilo da ogiva se formou em outro lugar, é em outro lugar que ele encadeou e desenvolveu todas as suas consequências.
Essa atividade de um estilo em vias de se definir, se definindo e se evasiva de sua definição, é geralmente apresentada como uma “evolução”, sendo este termo tomado em seu sentido mais geral e vago. Enquanto essa noção era cuidadosamente controlada e nuançada pelas ciências biológicas, a arqueologia a recolhia como um quadro conveniente, como um método de classificação. Já mostrei em outro lugar o que ela tinha de perigoso por seu caráter falsamente harmônico, por seu percurso unilinear, pelo uso, em casos duvidosos, onde o futuro se confronta com o passado, do expediente das “transições”, pela incapacidade de dar espaço à energia revolucionária dos inventores. Toda interpretação dos movimentos dos estilos deve levar em conta dois fatos essenciais: vários estilos podem coexistir simultaneamente, mesmo em regiões muito próximas, mesmo em uma única região; os estilos não se desenvolvem da mesma maneira nos diversos domínios técnicos em que são aplicados. Feitas essas reservas, pode-se considerar a vida de um estilo tanto como uma dialética quanto como um processo experimental.
Nada é mais tentador — e nada, em certos casos, é mais bem fundamentado — do que mostrar as formas submetidas a uma lógica interna que as organiza. Assim como, sob o arco, a areia espalhada sobre uma placa vibrante se move para desenhar várias figuras que se ajustam com simetria, da mesma forma um princípio oculto, mais forte e mais rigoroso do que qualquer fantasia inventiva, chama umas formas às outras, que se geram por cissiparidade, por deslocamento tônico, por correspondência. É assim também no reino estranho do ornamento e em toda arte que empresta e submete ao ornamento o esquema das imagens. A essência do ornamento é reduzir-se às formas mais puras da inteligibilidade e o raciocínio geométrico se aplica sem falhas à análise da relação das partes. É assim que Baltrusaïtis conduziu seus notáveis estudos sobre a dialética ornamental da escultura românica. Em um domínio como esse, não é abusivo assimilar estilo e estilística, ou seja, “restaurar” um processo lógico que vive, com uma força e uma rigidez abundantemente demonstradas, dentro dos estilos, entendendo-se que, na ordem dos tempos e dos lugares, o percurso é mais desigual e menos puro. Mas é verdade que o estilo ornamental se constitui e vive como tal somente em virtude do desenvolvimento de uma lógica interna, de uma dialética que só vale em relação a si mesma. Suas variações não dependem de uma incrustação de aportes externos, de uma escolha contingente, mas do jogo de suas regras ocultas. Ela aceita, ela requer os aportes, mas de acordo com suas necessidades. O que eles lhe fornecem é o que lhe convém. Ela é capaz de inventá-los. Daí um nuance, uma redução da doutrina das influências que, interpretadas de uma forma massiva e tratadas como ação de choque, ainda pesam sobre certos estudos.
Essa maneira de tratar a vida dos estilos, felizmente adaptada a esse objeto particular, a arte ornamental, é suficiente em todos os casos? Foi aplicada à arquitetura, especialmente à arquitetura gótica, considerada como o desenvolvimento de um teorema, não apenas no absoluto da especulação, mas também em sua atividade histórica. De fato, não há lugar onde se possa ver melhor como, a partir de uma forma dada, derivam até os detalhes mais distantes as consequências felizes que afetam a estrutura, a combinação das massas, a relação entre vazios e cheios, o tratamento da luz, e finalmente, o próprio decorado. Nenhuma curva parece e realmente é melhor desenhada, mas seria mal compreendida se não se interviesse em cada um de seus pontos sensíveis com a atividade de uma experiência. Entendo por isso uma pesquisa apoiada em aquisições anteriores, fundamentada em uma hipótese, conduzida por um raciocínio e realizada na ordem técnica. Nesse sentido, pode-se dizer que a arquitetura gótica é ao mesmo tempo “tentada” e raciocinada, pesquisa empírica e lógica interna. O que prova seu caráter experimental é que, apesar da rigidez com que procedeu, algumas de suas experiências ficaram praticamente sem consequência; em outras palavras, houve desperdício. Não conhecemos todos os erros que se escondem na sombra do sucesso. Certamente encontraríamos exemplos na história do arcobotante, desde o tempo em que era muro dissimulado, entalhado com uma passagem, até o momento em que se tornou um arco, aguardando para se tornar um estai endurecido. Além disso, a noção de lógica na arquitetura se aplica a funções diversas, que coincidem em alguns casos e em outros não. A lógica da visão, sua necessidade de equilíbrio e simetria, não necessariamente coincide com a lógica da estrutura, que também não é a lógica do puro raciocínio. A divergência das três lógicas é notável em certos estados da vida dos estilos, entre outros, na arte flamboyant. Mas é legítimo pensar que as experiências da arte gótica, poderosamente interligadas, rejeitando fora de seu caminho real as tentativas arriscadas e sem futuro, constituem por sua sequência e encadeamento uma espécie de lógica formidável que acaba por se expressar na pedra com uma firmeza clássica.
Se passarmos da ornamentação e da arquitetura para as outras artes, particularmente a pintura, veremos que a vida das formas se manifesta nesses casos por meio de experiências mais numerosas, estando sujeita a variações mais frequentes e singulares. Isso ocorre porque as medidas são mais exatas e sensíveis, e o próprio material exige uma pesquisa mais intensa na medida em que é mais manipulável. Além disso, a noção de estilo, que se estende a tudo com unidade e até à arte de viver, é qualificada pelos materiais e técnicas: o movimento não é uniforme e sincrônico em todos os domínios. Além disso, cada estilo na história está sob a dependência de uma técnica que se sobressai sobre as outras e que dá a esse estilo sua tonalidade. Esse princípio, que pode ser chamado de lei do primado técnico, foi formulado por Bréhier a respeito das artes bárbaras, que são dominadas pela abstração ornamental em detrimento da plástica antropomórfica e da arquitetura. É na arquitetura, ao contrário, que se assenta a tonalidade do estilo românico e do estilo gótico. E sabemos como, ao final da Idade Média, a pintura tende a se sobrepor aos outros artes, a invadi-los e até desviá-los. Mas dentro de um estilo homogêneo e fiel ao seu primado técnico, as diversas artes não estão subordinadas a uma constante subordinação. Elas buscam seu acordo com aquele que as comanda, conseguindo isso através de experiências como a adaptação da forma humana ao número ornamental, por exemplo, onde as variações da pintura monumental sob a influência dos vitrais são particularmente interessantes; em seguida, cada uma delas tende a viver por conta própria e a se libertar, até o dia em que se torna, por sua vez, uma dominante.
Essa lei, se fértil em suas aplicações, pode ser apenas um aspecto de uma lei mais geral. Cada estilo atravessa várias fases, vários estados. Não se trata de assimilar as fases dos estilos às fases da vida humana, mas a vida das formas não ocorre por acaso, não é um fundo decorativo bem adaptado à história e surgido de suas necessidades, elas obedecem a regras próprias, que estão nelas ou, se preferirmos, nas regiões do espírito que ocupam e que são seu centro. É permitido buscar como esses grandes conjuntos, unidos por um raciocínio rigoroso e por experiências bem articuladas, se comportam através dessas mudanças que chamamos de sua vida. Os estados que atravessam sucessivamente são mais ou menos longos, mais ou menos intensos, dependendo dos estilos – a fase experimental, a fase clássica, a fase do refinamento, a fase barroca. Essas distinções podem não ser absolutamente novas, mas o que é mais recente, como Déonna mostrou com rara vigor analítico, para certos períodos, é que, em todos os ambientes e em todas as épocas da história, os períodos ou estados apresentam os mesmos caracteres formais, de modo que não é surpreendente encontrar estreitas correspondências entre o arcaísmo grego e o arcaísmo gótico, entre a arte grega do século V e as figuras da primeira metade do nosso século XIII, entre a arte flamboyant, essa arte barroca do gótico, e a arte rococó. A história das formas não se delineia por uma linha única e ascendente. Um estilo chega ao fim, outro nasce à vida. O homem é obrigado a recomeçar as mesmas pesquisas, e é o mesmo homem, entendo a constância e a identidade do espírito humano, que as recomeça.
O estado experimental é aquele em que o estilo busca se definir. Geralmente, chamamos isso de arcaísmo, atribuindo a esse termo uma conotação pejorativa ou favorável, dependendo se o vemos como um balbucio grosseiro ou uma promissora novidade, ou mais propriamente conforme o momento em que nós mesmos estamos colocados. Seguindo a história da escultura de estilo românico no século XI, vemos por quais experiências, aparentemente desordenadas e “grosseiras”, a forma busca se beneficiar das variações ornamentais e a incorporar o próprio homem, adaptando-o assim a certas funções arquitetônicas. O homem ainda não se impõe como objeto de estudo, e muito menos como medida universal. O tratamento plástico respeita a potência das massas, sua densidade de bloco ou de muro. O modelado permanece na superfície, como uma ondulação leve. As dobras, finas e pouco profundas, têm o valor de uma escrita. Assim procedem todos os arcaísmos: a arte grega também começa com essa unidade massiva, com essa plenitude e densidade; ela também sonha com os monstros, que ainda não humanizou; ainda não está obcecada pela musicalidade das proporções humanas, cujos diversos cânones marcarão sua época clássica; ela busca suas variações apenas na ordem arquitetônica, que concebe primeiro com espessura. No arcaísmo românico, como no arcaísmo grego, as experiências se sucedem com uma rapidez desconcertante. O século VI, assim como o XI, é suficiente para a elaboração de um estilo; a primeira metade do século V e o primeiro terço do século XII assistem ao seu florescimento. O arcaísmo gótico é talvez ainda mais rápido; ele multiplica suas experiências sobre a estrutura, cria tipos aos quais parece que pode parar, renovando-os até que de certa forma tenha decidido seu futuro com Chartres. Quanto à escultura da mesma época, ela nos oferece um exemplo notável da constância dessas leis; é inexplicável se a considerarmos como o último estágio da arte românica ou como a “transição” do românico para o gótico. A um arte do movimento, ela substitui a frontalidade e a imobilidade à ordem épica dos tímpanos, a monotonia do Cristo em glória no tetramorfo; a forma como imita os tipos de Languedoc a mostra em regressão em relação a eles, mais antigos; ela esqueceu completamente as regras estilísticas que estruturam o classicismo românico e, quando parece se inspirar nelas, é em sentido contrário. Essa escultura da segunda metade do século XII, contemporânea do barroco românico, empreende suas experiências por um outro caminho, com outros fins. Ela recomeça.
Não buscaremos enriquecer com uma definição a mais a longa série de definições que já foram dadas ao classicismo. Ao considerá-lo como um estado, como um momento, já o qualificamos. Não é em vão indicar que é o ponto de maior conveniência das partes entre si. É estabilidade, segurança, após a inquietude experimental. Confere, por assim dizer, sua solidez aos aspectos mutantes da pesquisa (e por isso, em certo sentido, é também uma renúncia). Assim, a vida perpétua dos estilos alcança e se une ao estilo como valor universal, ou seja, uma ordem que vale para sempre e que, além das curvas do tempo, estabelece o que chamamos de linha das alturas. Mas não é o resultado de um conformismo, já que surge, ao contrário, de uma última experiência, da qual conserva a audácia, a qualidade forte e exuberante. Quão desejável seria renovar essa velha palavra, desgastada pelo uso em justificativas ilegítimas ou até insensatas! Breve instante de plena posse das formas, ele se apresenta não como uma aplicação lenta e monótona das “regras”, mas como uma felicidade rápida, como a acme dos gregos: o pêndulo da balança oscila apenas levemente. O que espero não é vê-lo em breve pender novamente, muito menos o momento da fixidez absoluta, mas, no milagre dessa imobilidade hesitante, o leve tremor, imperceptível, que indica que ele vive.
Assim, o estado clássico se separa radicalmente do estado acadêmico, que não é senão o reflexo sem vida dele. Assim, as analogias ou identidades que às vezes revelam os diversos classicismos no tratamento das formas não são o resultado necessário de uma influência ou imitação. No portal norte de Chartres, as belas estátuas da Visitação, tão plenas, tão calmas, tão monumentais, são muito mais “clássicas” do que as figuras de Reims cujos drapeados evocam a imitação de modelos romanos. O classicismo não é o privilégio da arte antiga, que passou por diversos estados e que deixa de ser clássico quando se torna arte barroca. Se os escultores da primeira metade do século XIII tivessem se inspirado constantemente no pretenso classicismo romano, do qual a França ainda conservava tantos vestígios, teriam deixado de ser clássicos. Vemos uma prova notável disso em um monumento que mereceria uma longa análise, a Bela Cruz de Sens. A Virgem, de pé ao lado de seu filho crucificado, toda simples e como retraída na castidade de sua dor, ainda carrega em si os traços daquela primeira fase experimental do gênio gótico que remete ao alvorecer do século V. A figura de São João, do outro lado da cruz, é claramente imitada, no tratamento dos tecidos, de alguma medíocre escultura em relevo galo-romana e, especialmente na parte inferior de seu corpo, destoa desse conjunto tão puro. O estado clássico de um estilo não se “alcança” de fora. O dogma da imitação dos antigos pode servir aos fins de todo romantismo.
Não temos que mostrar aqui como as formas passam do estado clássico para essas experiências de refinamento que, tratando da arquitetura, intensificam a elegância das soluções construtivas, chegando até os paradoxos mais ousados, e culminam naquele estado de pureza seca, naquela independência calculada das partes que são tão notáveis no que se chama arte radiante, enquanto a imagem do homem, perdendo pouco a pouco seu caráter monumental, se separa da arquitetura, se afina, se enriquece com novas curvaturas nos eixos e sutis transições no modelado. A poesia da carne nua como matéria da arte leva os escultores a se tornarem pintores de certa forma e desperta neles o gosto pelo detalhe: a carne torna-se carne e deixa de ser muro. O efebismo na representação do homem não é o sinal da juventude de uma arte: é talvez, ao contrário, o primeiro e gracioso anúncio de um declínio. As figuras esbeltas da Ressurreição, no grande portal de Rampillon, tão flexíveis, tão ágeis, a estátua de Adão proveniente de Saint-Denis, apesar das revisões, certos fragmentos de Notre-Dame deixam brilhar sobre a arte francesa do final do século XIII e de todo o século XIV uma luz praxiteliana. Agora se percebe que esses paralelos não são de puro gosto e que se justificam por uma vida profunda, constantemente em ação, constantemente eficaz, nas diversas épocas e nos diversos ambientes da civilização humana. Talvez seja permitido explicar assim, e não apenas pela analogia dos processos, as características comuns das figuras femininas pintadas no século IV nos flancos dos lécitos funerários atenienses e aquelas cujas imagens sensíveis e flexíveis foram desenhadas pelos mestres japoneses no final do século XVIII para os gravadores em madeira.
O estado barroco também permite reconhecer a constância dos mesmos caracteres em ambientes e épocas muito diversos. Não é mais um apanágio da Europa dos últimos três séculos do que o classicismo o é da cultura mediterrânea. É um momento da vida das formas, e sem dúvida o mais liberado. Elas esqueceram ou desfiguraram o princípio da conveniência íntima, cujo acordo com os contextos, e especialmente com os da arquitetura, é um aspecto essencial; elas vivem intensamente por si mesmas, se expandem sem freio, proliferam como um monstro vegetal. Elas se destacam à medida que crescem, tendem a invadir o espaço de todos os lados, a perfurá-lo, a abraçar todas as suas possibilidades, e parece que se deleitam com essa posse. São ajudadas pela obsessão do objeto e por uma espécie de fúria de “semelhanças”. Mas as experiências às quais uma força secreta as leva constantemente superam seu objeto. Esses caracteres são notáveis e até impressionantes na arte ornamental. Nunca a forma abstrata teve, não digo uma mais forte, mas uma mais evidente, valor mimético. É também porque nunca a confusão entre forma e signo foi tão imperiosa. A forma não apenas se significa, mas significa um conteúdo voluntário, sendo torturada para se adaptar a um “sentido”. É então que se vê exercer o primado da pintura, ou melhor, todos os artes unem seus recursos, cruzam as fronteiras que os separavam e emprestam seus efeitos uns aos outros. Ao mesmo tempo, por uma curiosa inversão e sob o império de uma nostalgia que tem sua fonte nas próprias formas, o interesse pelo passado desperta e a arte barroca busca, nas regiões mais antigas, uma emulação, exemplos, apoios. Mas o que o barroco demanda da história é o passado do barroco. Assim como Eurípides ou Sêneca o Trágico, e não Ésquilo, inspiram os poetas franceses do século XVII, o que o barroco romântico valorizou na arte da Idade Média foi a arte flamejante, essa forma barroca do gótico. Não se pretende assimilar arte barroca e romantismo em todos os pontos, mas se, na França, esses dois “estados” das formas parecem distintos, isso se deve não apenas ao fato de serem sucessivos, mas também ao fenômeno histórico de ruptura entre eles, um breve e violento intervalo preenchido por um classicismo artificial. E é além do fosso da arte davidiana que os pintores franceses se conectam a Ticiano, Tintoretto, Caravaggio, Rubens e, mais tarde, sob o Segundo Império, aos mestres do século XVIII.
As formas, em seus diversos estados, não estão certamente suspensas em uma zona abstrata, acima da Terra, acima do homem. Elas se misturam à vida de onde vêm, traduzindo no espaço certos movimentos do espírito. Mas um estilo definido não é apenas um estado da vida das formas, ou melhor, essa própria vida, ele é um meio formal homogêneo, coerente, dentro do qual o homem age e respira, um meio que é capaz de se mover em bloco. Temos blocos góticos importados para a Espanha do Norte, para a Inglaterra, para a Alemanha, onde vivem com mais ou menos energia, em um ritmo mais ou menos rápido, que ora admite formas mais antigas, tornadas locais, mas não próprias à essência do meio, ora favorece a precipitação ou a precocidade dos movimentos. Estáveis ou nômades, os meios formais geram seus diversos tipos de estrutura social, um estilo de vida, um vocabulário, estados de consciência. De uma forma mais geral, a vida das formas define sites psicológicos, sem os quais o gênio dos meios seria opaco e intangível para todos que fazem parte dele. A Grécia existe como base geográfica de uma certa ideia do homem, mas a paisagem da arte dórica, ou melhor, a arte dórica como site, criou uma Grécia sem a qual a Grécia da natureza não é mais do que um deserto luminoso; a paisagem gótica, ou melhor, a arte gótica como site, criou uma França inédita, uma humanidade francesa, perfis de horizonte, silhuetas de cidades, enfim, uma poética que surgem dela, e não da geologia ou das instituições capetíngias. Mas o próprio de um meio não é gerar seus mitos, conformar o passado à medida de suas necessidades? O meio formal cria seus mitos históricos, que não são moldados apenas pelo estado das conhecimentos e pelas necessidades espirituais, mas pelas exigências da forma. Vemos, por exemplo, ondular através do tempo uma sucessão de fábulas imaginativas da antiguidade mediterrânea. Consoante se incorpora à arte românica, à arte gótica, à arte humanista, à arte barroca, à arte davidiana, à arte romântica, ela muda de figura, se adapta a outros contextos, se curva segundo outras curvas e, no espírito dos homens que assistem às suas metamorfoses, propaga as imagens mais diversas e até mesmo as mais opostas. Ela intervém na vida das formas, não como um dado irreduzível, não como um aporte estrangeiro, mas como uma matéria plástica e dócil.
Mas não parece que, ao enfatizar com tanto rigor os diversos princípios que regem a vida das formas e que ressoam na natureza, no homem e na história, a ponto de constituir um universo e uma humanidade, estamos inclinados a estabelecer um determinismo opressivo? Não estaríamos isolando a obra de arte da vida humana para inseri-la em um automatismo cego, não está ela agora prisioneira da série e como que definida de antemão? Nada disso. O estado de um estilo ou, se preferirmos, um momento da vida das formas é ao mesmo tempo garantia e promotora da diversidade. É no estado de segurança de uma alta definição intelectual que o espírito é verdadeiramente livre. O poder da ordem formal permite apenas a facilidade da criação, seu caráter espontâneo. A maior multiplicidade das experiências e das variações é função da rigidez dos contextos, enquanto o estado de liberdade indeterminada conduz fatalmente à imitação. Mesmo que esses princípios sejam contestados, duas observações nos fazem sentir a atividade e como o jogo do único em conjuntos tão bem articulados.
As formas não são seu próprio esquema, sua representação despida. Sua vida se exerce em um espaço que não é o quadro abstrato da geometria; ela ganha corpo na matéria, através das ferramentas, nas mãos dos homens. É lá que elas existem, e não em outro lugar, ou seja, em um mundo poderosamente concreto, poderosamente diverso. A mesma forma mantém sua medida, mas muda de qualidade conforme a matéria, a ferramenta e a mão. Ela não é o mesmo texto impresso em papéis diferentes, pois o papel é apenas o suporte do texto: em um desenho, ele é um elemento de vida, está no centro. Uma forma sem seu suporte não é forma, e o suporte é forma em si mesmo. Portanto, é necessário incluir a imensa variedade de técnicas na genealogia da obra de arte e mostrar que o princípio de toda técnica não é inércia, mas ação. Por outro lado, é preciso considerar o próprio homem, que não é menos diverso. A fonte dessa diversidade não reside no acordo ou desacordo da raça, do meio e do momento, mas em uma outra região da vida, que talvez também comporte afinidades e acordos mais sutis do que aqueles que presidem os agrupamentos gerais na história. Existe uma espécie de etnografia espiritual que se entrecruza através das “raças” mais bem definidas, famílias de espíritos unidas por laços secretos e que se reencontram com constância através dos tempos, através dos lugares. Talvez cada estilo e cada estado de um estilo, talvez cada técnica, requeiram de preferência tal natureza de homem, tal família espiritual. De qualquer forma, é na relação dessas três dimensões que podemos entender a obra de arte tanto como única quanto como elemento de uma linguística universal.