A seguir você irá ler um capítulo da obra “A Época de Constantino, o Grande”, de Jacob Burckhardt. Caso deseje saber mais sobre a obra, inclusive como adquiri-la, clique aqui, ou na imagem da capa abaixo.
5. O paganismo e sua mistura de deuses
A última época de Diocleciano e Maximiano ganhou má fama devido às torturas e ao derramamento de sangue da grande perseguição contra os cristãos. Foi inútil tentar determinar a amplitude e o número de vítimas dessa perseguição, sequer de forma aproximada, pois falta a base de todo possível cálculo, ou seja, um dado seguro sobre o número de cristãos existentes na época no Império Romano. Segundo Staudlin, representariam a metade da população; segundo Matter, um quinto; segundo Gibbon, uma vigésima parte, nada mais; segundo La Bastie, um doze avos, o que talvez se aproxime mais da verdade. Mas, com mais exatidão, seria necessário supor, para o Ocidente, um quinze avos, e, para o Oriente, a décima parte[1].
Mas deixemos de lado, por um momento, a questão do número e consideremos a situação interna dos dois grandes organismos em luta, cristianismo e paganismo.
O cristianismo respondia na Terra a uma grande necessidade histórica, como fim do mundo antigo, como ruptura com ele e, ao mesmo tempo, salvação parcial e transmissão aos novos povos que, em sua condição de pagãos, ao se confrontarem com um Império puramente pagão, talvez o tivessem barbarizado completamente e destruído. Mas chegara o momento em que o homem precisava se colocar em uma relação completamente nova com as coisas naturais e sobrenaturais, e em que o amor a Deus e ao próximo e o desapego pelo terreno deveriam ocupar o lugar da velha concepção do divino e do mundo.
Três séculos haviam dado uma forma sólida à vida e à doutrina dos cristãos; a ameaça constante e as frequentes perseguições haviam evitado a decadência prematura da comunidade e a capacitaram para superar as mais perigosas cisões. Ela havia afastado de si vitoriosamente tanto os fanáticos ascetas, montanistas e outros, como os fantasiosos e especuladores que queriam transmutar o cristianismo dentro dos moldes dos filosofemas platônicos e orientais (os gnósticos); mal havia começado a luta contra a tentativa mais recente e poderosa dessa classe, o maniqueísmo; os arautos do arianismo – disputa sobre a segunda pessoa da divindade – pareciam já silenciados; finalmente, as numerosas discrepâncias que existiam nessa época da ecclesia pressa em torno de diversos pontos da disciplina eclesiástica não eram ainda tão perigosas como se tornariam mais tarde, nos séculos da igreja triunfante, que nessas questões encontrou ocasião para dissensões definitivas.
Ainda havia muitas coisas que encontravam livre espaço dentro do cristianismo e que mais tarde não poderiam mais ser conciliadas com ele. Nos séculos IV e V, já se admiravam de como foi possível tolerar na igreja a especulação e a interpretação simbólica do cristianismo de um Orígenes; mas também em outras figuras que, nos tempos da igreja militante, eram consideradas como Pais, mais tarde se reconheceriam personalidades meio heréticas. Os catecúmenos chegavam à igreja de lados muito diferentes, com uma educação muito diversa e por motivos também muito distintos para que fosse possível uma igualdade completa da doutrina e da vida. Os tipos ideais, cheios de uma profundidade espiritual e de uma entrega completa, representavam, com certeza, a pequena minoria, como em todas as coisas humanas; a grande massa se sentia atraída pelo perdão dos pecados, que figurava em primeiro plano, pela imortalidade prometida, pelo mistério que cercava os sacramentos e que, para muitos, não era mais que um paralelo dos mistérios pagãos. Os escravos se sentiam atraídos pela liberdade e pelo amor fraternal dos cristãos, muitos indesejáveis pelas consideráveis esmolas que afluíam para Roma a partir das diversas comunidades, em uma proporção verdadeiramente universal[2].
O grande número de heroicos martírios que, de tempos em tempos, restabeleciam a tensão nas comunidades degeneradas e voltavam a plantar o desprezo pela morte, demonstra menos a perfeição interna da igreja do que a vitória futura prometida a uma causa que é defendida com tanto sacrifício. A crença firme em uma entrada imediata no reino dos céus animava, sem dúvida, muitos homens, interiormente confusos e até caídos, a entregar suas vidas, cujo preço, por sua vez, era naquela época de sofrimento e de despotismo menor do que nos séculos do mundo germano-românico. Às vezes, reinava uma verdadeira epidemia de sacrifício; os cristãos buscavam a morte e precisavam ser advertidos pelos seus mestres para que poupassem suas vidas. Logo, os mártires se tornaram os ideais luminosos da vida; surge um verdadeiro culto em torno de suas sepulturas e sua intercessão junto a Deus representava uma das maiores esperanças dos cristãos. Sua superioridade em relação aos outros santos é algo óbvio; entre todas as religiões, nenhuma enalteceu tanto seus mártires como o cristianismo e, dessa forma, gravou tanto na memória o recorde de sua expansão. Onde quer que os mártires tivessem padecido, havia um lugar sacrossanto, e as perseguições de imperadores anteriores, até as de Décio, já haviam semeado em toda parte locais desse tipo. Com essa longa persistência do culto aos mártires, a perseguição de Diocleciano oferecia, desde o primeiro momento, os mais graves inconvenientes políticos.
A constituição da igreja já mostra, nesta época, os começos de uma hierarquia. Certamente, as comunidades podiam escolher seus sacerdotes ou, ao menos, confirmá-los, mas foram se separando, cada vez mais, em qualidade de clero, dos leigos; surgiram diferenças de posição entre os bispos, conforme a categoria de suas cidades e, sobretudo, a procedência apostólica de algumas igrejas. Os sínodos, que se reuniram por diversas causas, costumavam agrupar os bispos como uma classe superior. Mas também entre eles manifestou-se, no século III, uma séria degeneração; encontramos vários entregues à pompa mundana, como funcionários romanos, como comerciantes e até como usurários; com razão se pensa que o escandaloso exemplo de Paulo de Samósata não foi um caso isolado[3]. Claro que, junto à secularização, temos também a oposição mais rude: o retiro do mundo, do estado e da sociedade para a solidão, para a vida eremítica, cujo origem ainda nos ocupará, juntamente com outros dos pontos mencionados.
Uma bibliografia muito ampla, que abrange várias das obras históricas modernas mais destacadas, expõe tudo o que foi dito em detalhes, de acordo com o ponto de vista adotado pelo autor e reclamado pelo leitor. Não nos tomarão a mal se nosso ponto de vista não for o da edificação, que, por exemplo, não está de modo algum deslocado no caso de um Neander.
Tentemos imaginar, por um momento, a verdadeira força das igrejas cristãs no início da última perseguição e veremos que isso não se devia nem ao número de seus membros, nem a uma moralidade média elevada entre eles, nem a uma disposição interior especialmente íntegra, mas à firme crença na beatífica imortalidade, da qual talvez estivesse impregnado todo bom cristão[4]. Já veremos como todo o esforço do paganismo tardio buscava o mesmo fim, mas sempre por caminhos mais obscuros e labirínticos e sem aquela convicção vitoriosa; a longo prazo, não poderia resistir à competição do cristianismo, pois este havia simplificado enormemente todo o problema. Em segundo lugar, à necessidade política do mundo antigo, que estava tão desorientado em todas as questões de estado desde a dominação violenta de Roma, se oferecia um novo estado, uma nova democracia, até uma nova sociedade civil, caso tivesse conseguido se manter pura. Muita ambição antiga, que não encontrava ocupação no estado, que se sentia ameaçada e obrigada ao silêncio, penetrou nas comunidades dos fiéis, e até nas sedes episcopais, para se impor de algum modo; por outro lado, as comunidades ofereciam aos melhores e mais humildes um asilo sagrado que os protegiam da invasão do tráfego romano, que mostrava sinais de podridão.
Diante dessas poderosas vantagens, encontramos a gentilidade[5] em processo de plena dissolução, numa situação que, mesmo sem a presença do cristianismo, não teria perdurado muito. Suponhamos, por exemplo, que Maomé tivesse conseguido fabricar seu islamismo fanático sem qualquer influência do lado cristão, e certamente o paganismo do Mediterrâneo teria sucumbido à sua primeira investida, como o paganismo do Oriente Próximo sucumbiu. Ele estava mortalmente enfraquecido por um processo de dissolução interna e pela presença de novos ingredientes estranhos.
A religião oficial do Império, da qual devemos partir, era o politeísmo greco-romano, tal como se havia constituído pela afinidade primitiva e a subsequente fusão desses dois cultos. A partir de divindades naturais e de deuses protetores de todas as relações imagináveis da vida, formou-se um círculo admirável de figuras sobre-humanas, no qual o homem antigo reconhecia por toda parte sua própria imagem. A relação da moral com essa religião era livre, confiada ao sentimento de cada um; os deuses deveriam premiar o bem e punir o mal, mas eram imaginados muito mais como doadores e protetores da existência e da fortuna do que como potências morais superiores. O que os diversos mistérios dos gregos acrescentavam à fé popular não era uma religião mais pura, e muito menos uma sábia iluminação dos iniciados, mas apenas um rito secreto de adoração que tornava o iniciado aceitável aos deuses. Mas, ao menos, produziam um efeito benéfico com a condição que costumavam impor de costumes puros, assim como com o estímulo do sentimento nacional que neles se produzia com uma força somente comparável à dos agones solenes.
Diante dessa religião, a filosofia, assim que se elevou acima das questões cosmológicas, sustentou com maior ou menor clareza a unidade do ser divino. Com isso, abriu-se o caminho para a religiosidade suprema, para os ideais morais mais belos, mas também para o panteísmo e até para o ateísmo, que podiam pretender a mesma liberdade frente à fé popular. Quem não negava os deuses os declarava, de forma panteísta, como forças fundamentais do universo ou os relegava, como os epicuristas, a uma ociosa vizinhança do mundo. Também a genuína ilustração se misturava no assunto; Evêmero e seus adeptos há muito haviam transformado os deuses em antigos estadistas, chefes militares, etc., e haviam explicado racionalmente os milagres pelo engano e pela incompreensão; um falso caminho que também mais tarde os Padres da igreja e os apologistas seguiram ao condenar o paganismo. Todo esse estado de fermentação foi acolhido pelos romanos junto com a cultura grega, e ocupar-se dessas questões foi, entre os cultos, algo tanto de convencimento quanto de moda. Nas classes altas da sociedade também se desenvolveu a incredulidade, junto a todo tipo de superstições, embora os verdadeiros ateus fossem poucos. Mas essa situação mudou visivelmente no século III sob a ação dos grandes perigos do Império e começou a prevalecer uma certa fé que beneficiou mais os cultos estrangeiros do que a velha religião nacional. Por outro lado, em Roma o velho culto estava tão estreitamente fundido com a vida estatal e a superstição correspondente, fundada tão vigorosamente[6], que tanto o incrédulo quanto o crente de outra religião tinham que ser oficialmente piedosos à romana quando se tratava do fogo sagrado das vestais, das garantias misteriosas do domínio e dos auspícios oficiais, pois a eternidade de Roma dependia dessas entidades sagradas. Os próprios imperadores, não só eram pontífices máximos, com certas obrigações rituais, mas também seu título de Augusto indica uma consagração, uma legitimidade e uma inviolabilidade sagradas, e não se trata de pura adulação quando a última superstição lhes atribui a categoria de demônios[7], depois que o cristianismo pôs fim aos seus três séculos de apoteoses habituais, aos seus templos, altares e sacerdócios.
Mas também não se pode duvidar de que, nos últimos tempos do paganismo, em muitos indivíduos, essa autêntica religião greco-romana não havia sido substituída por divindades estrangeiras, não havia sido substituída pela magia e pelos encantamentos, nem dissolvida pela abstração filosófica. Isso é algo impossível de demonstrar diretamente, pois a adoração aos deuses antigos não excluía a adoração aos novos, e porque, na confusão de deuses de que falaremos mais tarde, podia-se adorar sob o nome de um deus antigo um deus novo e vice-versa. Mas mal podemos rejeitar tal presunção quando, em uma ou outra ocasião, vemos que irrompe com força poderosa a velha relação ingênua do homem antigo saudável com os deuses e com o destino. “A ti venero”, exclama Avieno[8], dirigindo-se à Fortuna etrusca, Norcia, “eu, nascido dos bulsínios, que habitam em Roma, duas vezes honrado com o proconsulado, consagrado à poesia, sem culpa e sem dívidas, feliz com minha mulher Plácida, com meus numerosos e vigorosos filhos. O resto pode se cumprir conforme a lei do Destino.” Em outros, a velha religião com sua concepção do mundo se afirmava de maneira muito expressa junto aos novos ingredientes. Isso pode ter ocorrido com a fé de Diocleciano, pois ao menos sabemos que ele permaneceu fiel ao arúspice etrusco, à qual não se opunha o campo na corte, como depois, nos tempos de Juliano, os neoplatônicos conjuradores de demônios[9]. Seu deus protetor continuou sendo Júpiter e o oráculo ao qual ele consulta em uma questão importantíssima é o Apolo Milésio. Sua moral e sua religiosidade, tal como se revela, por exemplo, nas leis, se assemelham mais à moral e à religiosidade de Decio[10]; quanto ao culto ao “bom imperador” [11], no caso de Marco Aurélio, venerado como demônio, assemelha-se a Alexandre Severo. Mas também devemos supor que muitos elementos e consequências da velha religião já haviam desaparecido há muito tempo e estavam esquecidos. Assim aconteceu, talvez, com toda aquela massa de pequenas divindades protetoras de coisas triviais, pois, por mais que escandalizem os autores cristãos[12] como algo persistente, na maior parte pertence ao domínio das antiguidades[13]. De fato, já não se pensava, a propósito do fogo doméstico, no deus Laterano, nos unguentos em Unxia, nos cintos em Cinxia, nos parreiraos em Puta, nos cereais em Nodutis, na criação de abelhas em Mellonia, no limiar da casa em Limentino, etc.; porque uma ideia distinta, mais geral, do mundo dos gênios e dos demônios havia se apoderado há muito tempo dos espíritos. Muitas dessas coisas não passaram de ser crenças romanas puramente locais. A Grécia conservou por completo, na época imperial, sua predileção pelos cultos locais e pelos mistérios locais. Pausânias, que descreve a Hélade no século XI, nos oferece numerosos testemunhos do culto particular de deuses e heróis de cada cidade e de cada comarca, junto com os sacerdotes mais diversos dedicados ao seu serviço; o fato de não ter falado dos mistérios explica-se porque o silêncio representava para ele um dever sagrado, cuja transgressão, no entanto, teria sido apreciada pela posteridade.
Assim como o estado romano precisava de certos sacra para sua perpetuação, de sorte que, por exemplo, as vestais velaram o fogo sagrado até bem entrado o período cristão, também a vida privada estava impregnada, desde o berço até a sepultura, de práticas religiosas. Na casa, os sacrifícios e os banquetes seguiam juntos; nas ruas da cidade, encontrava-se com aquelas procissões e manifestações, em parte belas e dignas, em parte bacantes e relaxadas, que preenchiam o calendário grego e romano, e no campo também não faltavam os sacrifícios nas capelas, grutas, encruzilhadas e velhos árvores poderosas. O neófito Arnóbio nos conta como, sendo pagão, sentia devoção ao passar diante de árvores enfeitadas ou rochas com vestígios do óleo derramado[14].
É difícil destacar o conteúdo ético-religioso desse culto de aparências tão exteriores, muitas vezes tão frívolas, e muitos tenderão a negá-lo. No entanto, não se promove a mesma questão, depois de um milênio e meio, nas celebrações dos católicos meridionais? Uma música completamente sensual, interrompida pelo disparo de salva de fogos, cerca e acompanha a custódia; um mercado animado, comidas copiosas, algazarra geral e, ao entardecer, os inevitáveis fogos de artifício constituem a segunda parte da festa. Não podemos fazer nada contra quem se enfurece com essas manifestações externas, mas não devemos esquecer que elas não constituem toda a religião e que os sentimentos supremos são frequentemente acolhidos de maneira diferente em cada povo. Se retirarmos do mundo antigo o sentimento cristão de pecado e humildade, sentimentos dos quais esse mundo não era capaz[15], talvez possamos apreciar melhor o culto pagão.
O detalhe da mitologia, que nunca foi coisa de fé, havia sido completamente abandonado antes mesmo de Luciano adotar sua atitude irônica. Os apologistas cristãos, que vão selecionando tudo o que é vergonhoso nos mitos mais diversos e, devido à sua incompreensão e à mistura de elementos tão díspares, projetam sobre a velha fé a aura do ridículo, não são, neste ponto, muito honrados; tinham que saber muito bem que as lamentações desse tipo, que recolhiam dos antigos poetas e mitógrafos, só em muito pequena parte convieram ao seu século; com o mesmo direito, por exemplo, seria possível responsabilizar o protestantismo pelas indecências de algumas lendas. A consciência religiosa das massas já não tinha muito a ver com o mito e se contentava com a existência das diversas divindades como senhoras e protetoras da natureza e da vida humana. Ainda trataremos do grau em que a filosofia da época dissolveu os mitos. Mas os pagãos forneciam as melhores armas para a polêmica cristã com sua representação dramática de alguns mitos, que frequentemente eram os mais impactantes.
Pois havia um domínio que pertencia à mitologia e onde ela reinou até os últimos tempos: o da arte e da poesia. Homero, Fídias e os trágicos ajudaram a criar os deuses e os heróis, e na pedra, nas cores, nas máscaras, na letra e na música, perdurava o que já havia desaparecido da fé. Percebia-se uma vida cada vez mais fantasmal. Ainda nos ocuparemos do destino das artes plásticas e das causas de sua decadência; mas já podemos indicar que, longe de reforçar a velha mitologia, elas se colocaram a serviço da filosofia mitificadora e até dos cultos estrangeiros. O drama, em sua maior parte, se não completamente, havia sido deslocado pelo mimo e pela pantomima, com música e dança[16], com o que toda relação religiosa, que em outros tempos poderia transformar o antigo drama ático em um ato de culto, foi se dissipando. A descrição do magnífico balé coríntio de Paris no monte Ida, no livro décimo de Apuleio, revela como, na época dos Antoninos, o teatro, mesmo na Grécia, não passava de um prazer para os olhos. Neste caso, podemos imaginar que se faz alusão a uma obra artística belamente estilizada, enquanto nas regiões latinas do Império e, sobretudo, nas romanizadas parcialmente pelas colônias militares, as representações provavelmente desembocaram na maior grosseria, se é que os teatros se ocuparam, em geral, de alguma representação dramática e não se contentaram com lutas de gladiadores, de feras e coisas semelhantes. Apareceu em primeiro plano o aspecto escabroso da mitologia[17]; foram exibidos, com grande algazarra, todos os adultérios de Júpiter, também quando, para esses fins, ele se metamorfoseia em animal, e todos os escândalos de Vênus; até nos mimos correntes se intercalavam figuras divinas, seguramente do mesmo gênero. Um público aristofânico poderia suportar esse espetáculo sem prejudicar sua crença nos deuses, mas, em uma época doente, isso representava o golpe final para a velha religião.
Passando dessa esfera, onde reinam o mestre de música e o cenógrafo, para a poesia artística, na medida em que podemos segui-la no pouco que nos resta dos fins do século III, veremos que às vezes ela mostra grande talento no tratamento de assuntos mitológicos, que encontrarão seu representante mais brilhante, cem anos depois, em Claudiano; mas já não encontramos vestígios de uma convicção íntima. Assim, por exemplo, o poema de um certo Reposiano[18], que parece ter florescido por volta do ano 300, descreve o encontro de Marte e Vênus com a mesma intenção que devemos supor que imperava nas pantomimas: bonitas imagens sensuais, para as quais não importa uma vulgaridade a mais ou a menos. Vênus, que espera o deus da guerra, se entretém dançando, e o poeta descreve suas atitudes com um sentido muito refinado da coqueteria de sua época; quando Marte aparece, invoca para que desnudem Cupido, as Graças e as moças de Biblos. Mas que Marte! Tão completamente cansado quanto divertida está a deusa. Ele se deixa cair com o peso do chumbo sobre a cama de rosas e, na descrição do seu sonho, o leitor não pode reprimir a gargalhada. Quando, por exemplo, Rubens se ocupa à sua maneira do mito antigo, podemos nos agradar da impressão de uma energia poderosa, embora equivocada; mas agora nos encontramos no último degrau da rebaixamento da velha lenda divina, sem outra compensação que os bonitos versos. Um satírico cristão não poderia ter começado de maneira mais apropriada, e estaríamos dispostos a uma explicação desse tipo se, entretanto, não aparecesse a linda figura de Cupido, que inspeciona com curiosidade as armas de Marte, esfrega-as com flores e se esconde atrás do escudo quando entra Vulcano com sua pata manca. Mas também havia poetas que já não podiam mais suportar a mitologia como caminho excessivamente batido. “Quem não cantou já, exclama Nemesiano, o lamento da desesperada Niobe e de Sêmele e…!” (seguem trinta hexâmetros de títulos de mitos). Tudo isso ocupou uma porção de grandes poetas e toda a lenda do velho mundo já está desgastada[19]. O poeta se dirige, portanto, para as florestas e os verdes prados, mas não para criar uma poesia bucólica, e sim para voltar ao seu próprio tema, a criação dos cães de caça. Depois, quando termina com isso, pensa também nos feitos de seus Mecenas, os Césares Carino e Numeriano. Um sentimento semelhante havia buscado há tempo a poesia didática romana aquela sua posição vantajosa frente à poesia épica; mas ainda não havia sido expressa essa preferência com palavras tão secas[20]. Podemos nos referir a um amável poema de conteúdo mitológico, o Baco de Calpúrnio Sículo (égloga III), porque depende, de forma surpreendente, de obras de arte plástica; nos lembra as descrições de pinturas de Filóstrato, ao qual supera, com muito, em estilo. Não falta o velho Sileno, que embala em seus braços o pequeno Baco, o faz rir, o diverte tocando castanholas e se deixa esticar alegremente pelas orelhas, pelo queixo e segurando os pelos do peito; depois, a criança aprende com o sátiro a primeira lição vinácea, até que se embriaga, se empapa de mosto e começa a raptar Ninfas. Esta bacanal na qual o deus também dá de beber de sua taça à pantera, é uma das últimas obras antigas de viva beleza[21].
Depois de tudo isso, devemos reconhecer que a mitologia representava mais uma carga do que um reforço para a religião clássica em decadência. Já nos ocuparemos depois da interpretação filosófica com a qual se tentava conservar e justificar os mitos.
Mas essa religião clássica estava adulterada e quebrantada de outra maneira, a saber, pela sua mistura com os cultos das províncias submetidas e do estrangeiro. Estamos na época da “teocracia” completa (mistura de deuses).
Ela não ocorreu pela mistura de raças no Império[22] ou por pura arbitrariedade e moda, mas em virtude do primitivo afã das religiões politeístas em se aproximarem umas das outras, em buscar os parecidos e transformá-los em identidades. Em todas as épocas surgiu, a partir de paralelos desse tipo, a ideia arrebatadora de uma religião primitiva comum, que cada um imagina à sua maneira, o politeísta de forma diferente do monoteísta[23]. Assim, em parte inconscientemente, em parte com consciência filosófica, os crentes em divindades semelhantes se buscavam e se encontravam diante dos mesmos altares. Reconhecia-se com prazer a Afrodite grega na Astarte da Ásia Menor, na Athyr dos egípcios, na Deusa Celeste de Cartago, e o mesmo ocorreu com toda uma série de divindades. Isso é também o que devemos ter mais em conta na última época romana; a mistura de deuses é, ao mesmo tempo, uma fusão; as divindades estrangeiras não só se estendem junto às indígenas, mas as vão substituindo conforme sua afinidade interna.
Como uma causa secundária da teocracia, costuma-se admitir o reconhecimento, por assim dizer político, que os gregos e os romanos, e o politeísta em geral, prestam aos deuses de outras nações. Para ele são deuses, embora não sejam os seus. Nenhum sistema dogmático rigoroso protege as fronteiras da fé nacional; e, embora as superstições pátrias se mantenham com rigor frente às estrangeiras, sente-se mais inclinação do que ódio. Algumas transmissões solenes de divindades de país para país até chegam a ser recomendadas pelos oráculos e outras premonições sobrenaturais; assim ocorreu com a Serápis de Sinope, quando foi transferida para Alexandria nos tempos de Ptolomeu I[24], e assim também com a Grande Mãe Pesinúntica, quando foi transferida para Roma durante a segunda guerra púnica. Entre os romanos, havia se tornado um princípio quase consciente, semipolítico, semirreligioso, o de não agravar os deuses das diversas nações submetidas, mas, ao contrário, mostrar-lhes mais veneração e até acolhê-los entre os próprios deuses. A conduta das províncias, nesse particular, foi muito diversa; as da Ásia Menor, por exemplo, se adaptavam muito bem a essa prática romana; o egípcio, por outro lado, manteve-se reservado e traduziu para seu próprio rito e para suas próprias formas de arte o que acolheu dos Ptolomeus e dos romanos, enquanto, por sua parte, o romano lhe mostrou a deferência de adorar os deuses egípcios em uma figura também egípcia, ao menos aproximadamente. Por fim, o judeu não quis ter nada a ver com a religião romana, enquanto os romanos de bom tom observavam seu sábado e os imperadores costumavam orar no templo de Moriah. Estabeleceu-se, como veremos em seguida, uma mistura de deuses, algumas vezes mais ativa e outras mais passiva.
Uma terceira causa do predomínio que vai adquirindo o culto estrangeiro reside no medo e na angústia que se apoderam dos pagãos que se tornaram incrédulos de seus deuses. Já não se diz, com o belo sentido dos séculos anteriores, “deuses por toda parte”, mas o reflexivo busca a cada dia novos símbolos, o insensato a cada dia novos fetiches, tanto melhor acolhidos quanto mais seu origem parecia distante e misteriosa. A confusão multiplicava-se ainda por uma razão particular. O politeísmo dos velhos povos civilizados persiste, ao mesmo tempo, com todas as suas etapas de desenvolvimento[25]: como fetichismo ora diante dos aerólitos e dos amuletos, como sabeísmo ora aos astros e aos elementos, como antropomorfismo aos deuses da natureza, em parte, aos protetores da vida, por outra, enquanto a gente culta já se despira há muito dessas envolturas e oscila entre o panteísmo e o monoteísmo. E todas essas etapas das diversas paganidades se convergem no paganismo greco-romano como este reverte nelas. Temos notícia de resultados surpreendentes, não raras vezes do gênero mais triste. Nero havia sido educado na religião romana; logo a desprezou e se apegou à deusa síria; também a abandonou e tratou sua imagem com escárnio, e já não acreditava mais do que em um amuleto que lhe foi dado por um homem do povo e ao qual sacrificava três vezes ao dia[26].
Este exemplo, que pode representar a muitos, nos abre uma visão do culto dos deuses em geral. Não se aproximavam deles como dos velhos deuses olímpicos; arrancados de seu contorno nacional, sem conexão com a vida romana, com o regime estatal e com o clima, não podiam aparecer aos romanos senão como potências inquietantes, demoníacas, às quais não se podia aproximar senão por via de mistério e de práticas mágicas, e talvez também com grande dispêndio. Não sem razão Luciano, em seu Júpiter como trágico (cap. 8), ao hierarquizar os deuses, concede os primeiros lugares aos estrangeiros, focando-se no material de suas imagens; a superstição mais medrosa se apoiava de preferência nos metais mais preciosos. “Os deuses gregos, como vês, são graciosos, belos de aparência e fabricados artisticamente, mas não passam de pedra e, no máximo, de marfim e um pouco dourados; por outro lado, Bendis, Anúbis, Átis, Mitra e Men são de ouro maciço, pesados e muito caros.” Mas esse tipo de culto também desmoralizava a relação com os velhos deuses nacionais.
Examinemos, em primeiro lugar, a mistura ativa de deuses (vista do ponto de vista romano), na qual os romanos mais doavam do que recebiam.
Resulta óbvio que esta situação se deu principalmente entre aqueles povos que Roma havia acolhido em um estado semibárbaro e entre os quais, junto à sua religião, podia o romano impor sua cultura superior, por exemplo, entre os gauleses, os hispânicos e os britânicos. Infelizmente, só conhecemos relativamente o estado religioso das Gálias, mas quase nada mais que através de inscrições votivas[27] e de estátuas.
Os romanos últimos, em sua superstição verdadeiramente universal, praticaram nas Gálias, da mesma forma que em outros lugares, o culto local enquanto este se mantivesse vivo; não só interrogavam os druidas sobre o futuro, como indicamos antes, mas também participaram nas consagrações. Assim, o imperador Pescênio Níger celebrou nas Gálias um mistério ao qual somente podiam ser convidados os castos[28]. Mas nenhum deus gaulês foi levado à Itália[29], à África ou à Grécia. (Pois se, por exemplo, encontramos o deus solar celta, Beleno, em Aquileia, outras divindades celtas em Salzburgo e Estíria, a Apolo Grano em Lauingen de Suábia, etc., não se trata de transmissões da época da teocracia, mas sim de que a primitiva população celta dessas comarcas presta um último testemunho de sua existência antes que os germânicos, eslavos e ávaros ultrapassassem os Alpes.) Nas mesmas Gálias, esforçaram-se para cobrir a religião popular com uma vestimenta romana. Não só os deuses adotam nomes romanos, mas também a forma artística do antropomorfismo clássico. Taran deve ser chamado Júpiter e ser modelado como tal, Teutates como Mercúrio, Heso ou Camulo como Marte. Outras divindades conservam, ao menos, seus velhos nomes, exclusivamente ou junto com os romanos: Beleno ou Apolo Beleno; com frequência também Apolo Grano, Marte Camulo, Minerva Belisana, etc. Além disso, aos deuses romanizados juntam-se apelativos especiais, às vezes de origem local, outras vezes explicáveis somente por presunção ou de nenhuma maneira: Diana Abnoba (designação da Floresta Negra); Diana Ardorinna (talvez as Ardenas); Marte Vincio (Vence, no sul da França); Héracles Magusano e Saxano (especialmente nos Países Baixos); Marte Lacabo (em Nîmes); Apolo Toutiorix (de Wiesbaden); ou emparelha-se ao deus romanizado uma divindade não romanizada, talvez afim, assim, a Apolo o Veringodumno (em Amiens), a Sirona (em Bordéus e no sul da Alemanha), que deve ser considerada como uma Diana ou Minerva (como ocorre com Belisana).
Mas a romanização vai mais longe; toda uma série de divindades conserva seus nomes celtas, mas precedidos de Deus, Sanctus e até de Augustus, que neste caso não guarda nenhuma relação com o título imperial. De repente, inclina-se a considerar todos esses deuses como deuses locais, e muitos o são, sem dúvida, como o Vosego de Bergzabern, o Nemauso de Nimes, a Aventia de Aventicum, o Vesoncio de Besançon, o Luxovio de Luxeuil, a Celeia de Cilly; mas outros não levam nenhuma indicação semelhante, por exemplo, o Abellio de Convennes, a Acionna de Orleans, o Agho de Bagneres, o Bemilucio de Paris, a Hariasa de Colônia, o Intarabo de Tréveris; e alguns nos são apresentados em localidades muito distantes, como Taranuco em Heilbronn e na Dalmácia, a deusa marinha Nehalennia na França e nos Países Baixos. Com que gosto se romanizam as divindades quando isso é possível, nos mostram essas designações latino-genéricas das numerosas divindades coletivas: Madres, Matronas, Campestres (espíritos do campo), Silvanos (espíritos da floresta), Bivias, Trivias, Cuadrivias (deuses dos cruzamentos), Proxumes e Vicanes (gênios da vizinhança), etc. As Sulevias e Comedovas, que pertencem ao mesmo gênero, devem ter resistido à tradução. O gênio da localidade, o gênio da comarca, não representam, rigorosamente, mais que modos romanos de adoração e só presumivelmente célticos. Mas o deus mais poderoso, até muito adentrado o século IV, segue sendo Teutates-Mercúrio, que ainda prestou a maior resistência a São Martinho de Tours, enquanto Júpiter se apresenta ao santo como brutus atque heves, como tonto e estúpido[30].
A repercussão dessas religiões ocidentais sobre Roma foi, como dissemos, muito escassa ou talvez nula.
Algo muito diferente ocorreu com os antigos povos civilizados do Oriente, persas, egípcios, Ásia Menor e semitas. Aos últimos, serviu muito a expansão geográfica de seus estabelecimentos; porque o romano começou a conhecer seus cultos na Síria; há muitos séculos, os fenícios e os cartagineses haviam estendido por todo o Mediterrâneo e até além das colunas de Héracles a religião semita; com a incorporação gradual da Espanha, África e as Ilhas, Roma acolheu toda uma massa de domínios púnicos e de culto púnico. Tinha-se odiado Cartago, mas não seus deuses. Pelo contrário, o dualismo persa, precisamente em sua ulterior restauração ortodoxa devida aos Sassânidas, resistiu a toda mistura e composição com o círculo de divindades greco-romanas, assim como o monoteísmo judeu; mas contou com uma metamorfose do parsismo mais antigo, degenerado, e desta Roma tomou o culto de Mitra.
O Oriente próximo, desde o Eufrates até o Mediterrâneo, o arquipélago e o Ponto, com os quais se costuma começar, não são de modo algum da mesma estirpe, mas suas religiões estão desde os tempos mais primitivos tão entrelaçadas que devemos considerá-las nesta época tardia como uma só; a averiguação das origens não corresponde a este lugar e, além disso, nos levaria demasiado longe. Já muito antes das vitórias romanas sobre Antíoco o Grande, havia ocorrido outra mistura de deuses, a do culto da Ásia Menor com o culto helênico, que ocorre depois que a Ásia Menor se heleniza e se incrementa na época dos sucessores de Alexandre; a essa mistura acompanhou-se a da educação e da língua de gregos e orientais. As magníficas cidades gregas, que brotam em quantidade incrível nas terras dos Diádocos, conservam, com sua língua, seu regime político e seus costumes helênicos, as divindades gregas; mas no campo, a certa distância do mar, conserva-se com maior ou menor tenacidade a língua vernácula, e quando ocorre o cansaço interno dos elementos civilizadores gregos, ela ganha novas forças. Na Palestina, claro que sob a proteção de uma religião e um estilo de vida altamente exclusivistas, mantém-se o aramaico apesar dos mais terríveis avatares históricos; na Síria, no que tange à efetividade popular e não mais à elegância clássica, recorre-se à língua do país, como acontece no século I com o gnóstico Bardesane, no IV com São Efrém e como mostra suficientemente a tradução da Bíblia para o siríaco. Não conhecemos muitos detalhes de como as coisas ocorreram na Ásia Menor no que diz respeito à linguagem[31]. Mas com a língua popular conservaram-se também os deuses populares.
A base dessas religiões[32] é, em conjunto, o culto dos astros, mas adulterado até o incompreensível por uma idolatria que se deve em parte a ingredientes estranhos e, em parte, corresponde a um necessário desenvolvimento interior. Sacrifícios muito circunstanciados procuravam aplacar os deuses imolando-lhes principalmente vidas animais, compreendendo também, de forma regular ou extraordinária, sacrifícios humanos. Estes últimos se mantiveram com extraordinária tenacidade nas regiões de cultura fenícia e sobreviveram muito tempo à queda e à reconstrução de Cartago, de tal modo que o próprio Tibério teve que intervir apelando aos castigos mais severos[33]. A suprema dupla divina, Baal e Astarte (o sol e a lua, a estrela matutina e a vespertina), persistia na época romana em numerosos templos sob os nomes e personificações mais diversos, como Senhor e Senhora de toda a vida. Conhecemos, pelo Antigo Testamento, Baal-Sebub, Baal-Peor, Baal-Berith, etc., cujos nomes já teriam sido esquecidos há muito. Parece que em Palmira Baal se desdobrou em duas divindades, para o sol e para a lua, como Aglibo e Malachbel, que aparecem representados[34] em um relevo muito posterior no museu capitolino com o nome greco-romano do doador: Lucio Aurélio Heliodoro, filho de Antíoco Adriano. No grandioso templo de Emesa guardava-se a “pedra negra”, um aerólito que passava por imagem do deus solar Heliogábalo[35] e que foi venerado como tal em grande extensão. Seu sacerdote passeava com uma longa túnica de púrpura bordada de ouro e uma diadema de pedras preciosas. No templo de Hierápolis temos, junto à famosa deusa síria (da qual se falará mais tarde), a estátua de ouro de Baal, representado, como Zeus, sobre um carro puxado por bois. Em Heliópolis (Baalbek) venerava-se Baal em uma personificação semirromana muito tardia. Sua estátua de ouro não só carregava o chicote do deus solar romano, mas também o raio de Júpiter. Antonino Pio havia edificado o novo templo sobre os alicerces colossais de um templo antigo, e esse novo templo ainda justifica com suas ruínas o título que então lhe foi atribuído de “maravilha do mundo” [36]. O nome de Zeus, ao qual Antonino dedicou o santuário, não deve nos enganar, segundo o que já dissemos, pois o antigo nome local remete a Baal e o grego a Hélio. Este templo, assim como o de Emesa, era muito famoso pelo seu oráculo, que podia ser consultado também por carta, circunstância que não é rara nos oráculos asiáticos. Podemos passar por alto alguns vestígios mais duvidosos e menos importantes do culto de Baal no tempo dos imperadores; basta-nos saber que esse culto, mais ou menos transformado, ainda representava uma das devoções principais do Oriente próximo, que a ele estavam dedicados alguns dos templos mais importantes e, provavelmente, muitos outros dos quais não temos notícia. Talvez o deus Carmelo, que possuía altar sobre a montanha de mesmo nome e pronunciava oráculos, fosse também uma transformação de Baal[37]. Nas investidas desse culto para o sul, temos Marnas, o deus de Gaza, se realmente se tratar de uma forma do grande deus. Foi ele quem chegou a desesperar[38] os missionários e eremitas cristãos daquela região durante todo o século IV e quem transformou a região de Gaza em um reduto quase indestrutível do paganismo. Encontraremos com ele como inimigo pessoal de São Hilário.
Esse velho deus semita penetrou certamente de mais de uma forma na religião romana. Romanos que viviam ou haviam vivido no Oriente o venerariam como Zeus, como Júpiter, mas a adoração do deus solar, que tanto prevalecerá posteriormente, teve que se repartir essencialmente entre Baal e Mitra, enquanto pouco se pensava no velho Sol-Hélio. Heliogábalo conheceu, por alguns anos, um lugar solene no panteão dos deuses romanos, graças ao insensato adolescente que tomou o nome do deus ao subir ao trono do mundo, e cujo sacerdote havia sido e continuava sendo. Quando esse Antonino Basiano levou a Roma (entre 218 e 222) a “pedra negra” de Emesa, pode-se dizer que a teocracia estava se aproximando de seu auge. O novo deus recebeu um grande templo e sacrifícios colossais e logo até uma esposa. O imperador fez trazer a imagem e os tesouros da Deusa Celeste do templo de Cartago e a casou com Heliogábalo, o que nada lhe autorizava mitologicamente. Roma e a Itália tiveram que celebrar esses casamentos com grande júbilo. Também levou ao templo do novo deus, o Paládio, o fogo de Vesta e outros sacra romanos. Após o assassinato do sacerdote imperial, a pedra deveria ser devolvida à Síria, provavelmente devido aos terríveis recordações vinculadas a ela[39].
Mas de forma muito mais poderosa do que o culto a Baal, está representado no Império romano o culto da grande deusa dos muitos nomes. Em relação ao deus solar, ela é a Lua, mas em um sentido mais amplo, é a Mãe de toda a vida, a Natureza; desde tempos remotos, o Oriente próximo a celebrou com orgias selvagens, como correspondia a uma divindade desprovida de todos os atributos morais; gritos de júbilo e lamentações, danças frenéticas e fúnebres sons de flauta, prostituição das mulheres e mutilação dos homens sempre acompanharam esse culto da vida natural sensual; um mito não muito amplo, mas muito diversificado conforme os países e os tempos, se entrelaçou a essas festas e, ainda muito tarde, deu motivo para que os romanos realizassem mistérios surpreendentes.
Deixamos de lado, por ora, a Ísis egípcia, que não é mais do que uma forma secundária dessa Grande Deusa, e seguimos os vestígios dela em figuras que ainda podem ser identificadas no século III.
O Antigo Testamento a conhecia e a condenava como Astharote, e ainda havia em Fenícia templos dedicados a Astarte. Luciano conhecia um em Sidon. Fala sobre ele, de passagem, em seu famoso livro sobre a deusa síria, que nos interessa primordialmente como fonte de fatos, mas não menos porque revela claramente a atitude de um sírio frívolo, helenizado, em relação ao culto de sua pátria. Nunca se levou a zombaria a tais extremos como neste caso, em que nos apresenta e imita ingenuamente o estilo e o dialeto jônico do venerável Heródoto para nos impressionar com toda a gloriosa aparência ridícula daquela idolatria. E também nos informa sobre as imagens que cercavam e dominavam a juventude do satírico, até que ele rompesse com todos os cultos e religiões. Um ateniense não teria sido capaz de escrever esse livro.
Desde a Fenícia, esse mesmo culto se espalhou, sob o nome de Deusa Celeste, além do mar Mediterrâneo, e se misturou com o culto clássico; os gregos a reconheciam como Afrodite Urania, os romanos como Vênus Celeste, e esses nomes também prosperaram mais tarde nos próprios países semitas. Não se pensava em Afrodite como deusa do amor e da sensualidade, mas como Genitora[40]. A ilha de Chipre, onde confluíam a cultura grega e a semítica, estava dedicada preferencialmente a essa deusa, e Pafos e Amatunte, literalmente a seu culto. Também a ilha de Citerea e o santuário da montanha Érix, em Sicília, estavam dedicados a Urania; em Cartago foi a divindade principal em sua transformação posterior, e talvez no mesmo nome da cidade de Gades, Gadeira (Cádiz), se aponte a localidade de um antigo templo de Urania. Esses templos estavam instalados de forma muito diferente dos templos gregos; em um alto nicho[41] descoberto e a céu aberto, estava colocado o ídolo, muitas vezes não era outra coisa senão uma pedra de forma cônica; celas, armazéns e pátios, onde bandos de pombas voavam, cercavam o santuário; também encontramos colunas solitárias que nos fazem lembrar os pilares de Jachin e Boaz diante do templo de Jerusalém.
Uma transformação do nome Astarte é a de Atargatis, a deusa com figura humana da metade superior do corpo e figura de peixe na metade inferior. Ela também tinha, sem dúvida, um templo que foi famoso, em Ascalom, nas proximidades do antigo deus pisciforme filisteu Dagom e em algum outro lugar. Com uma forma posterior, helenizada, reinava no famoso templo de Hierápolis, no norte da Síria, templo que Luciano descreve e parece ter se mantido intacto até o século IV. Atrás, em um espaço elevado[42], que só os sacerdotes podiam pisar, via-se, junto ao Baal-Zeus já citado, a estátua de ouro da deusa sobre um carro puxado por leões[43]. Seus atributos haviam sido recolhidos das deusas gregas mais diversas; nas mãos, o cetro e o uso, na cintura, o cinturão de Urania, na cabeça raios e uma coroa mural; junto a uma pedra que, durante a noite, iluminava todo o espaço do templo[44]. Além disso, estavam alojadas no templo outras divindades gregas ou helenizadas; assim, um Apolo barbudo e vestido, que se movia quando se solicitava dele um oráculo; os sacerdotes, nesse caso, o carregavam em andas pelo caminho que ele lhes guiava; para frente significava “sim”, para trás significava “não” às perguntas feitas; parece que suavam copiosamente nessa tarefa. Também havia dentro um Atlas, um Hermes, uma Ilítia e, fora, junto ao grande altar que costumava estar diante do pórtico, costumava-se ver toda uma série de estátuas de bronze, reis e sacerdotes desde os tempos mais antigos até a época dos Selêucidas, e também nas proximidades toda uma série de figuras da lenda homérica. Mas o mais admirável não eram as estátuas, mas o culto em si, do qual podemos ter uma ideia completa de seu caráter bárbaro e multitudinário nesta ocasião. No grande pátio do templo passeavam livremente touros e cavalos sagrados, leões e ursos domesticados; havia um estanque cheio de peixes sagrados e, em seu centro, um altar, para o qual se dirigiam diariamente os devotos em cumprimento de suas promessas, nadando até coroá-lo. Ao redor do templo vivia toda uma multidão de flautistas, sacerdotes eunucos (galli) e mulheres em frenesi que passavam o tempo com pomposas e alvoroçadas procissões, com sacrifícios e com todo tipo de excessos. As festas da primavera, às quais concorria uma enorme peregrinação de toda a Síria, pareciam estar consagradas completamente à loucura. Nessa ocasião, não só se incendiava meio bosque com ofertas de toda classe (animais, vestuários, objetos de valor), como também parece que se recrutavam os galli[45], enquanto o tumulto frenético fazia presa em muitos desgraçados que se consagravam à deusa emasculando-se. Esse templo era um dos mais venerados do Oriente Próximo e seu tesouro havia sido contribuído por Capadócia, Assíria, Cilícia e Fenícia. Situado em um planalto e assentado sobre terraços murados com poderosos propileus, dominava toda a cidade com suas vistosas colunas jônicas. E, coisa surpreendente, no âmbito deste templo, onde ocorriam coisas tão extravagantes, encontramos também o modelo dos futuros santos estilitas; dos propileus emergiam dois enormes símbolos de pedra[46] (representações plásticas da força genésica) parecidos com os que se viam nas regiões da Ásia Menor, onde se praticava um culto semelhante, e sobre eles subia todos os anos um homem para orar durante sete dias seguidos, com suas noites; quem desejasse seu patrocínio, depositava uma dádiva adequada ao pé da coluna. Poderia haver um procedimento melhor de purificação desses monumentos de um culto abominável do que aquele que ocorreu nos dias cristãos, quando um santo penitente se empoleirava neles para servir a Deus, à sua maneira, não durante semanas, mas durante anos? [47]
Um culto especialmente abominável dessa deusa, que voltava a ser designada como Afrodite, encontramos no solitário templo de Afaca no Líbano. A prostituição e a obscenidade dos mutilados abandonavam todo e qualquer freio; no entanto, ano após ano, chegavam os devotos e lançavam os objetos mais valiosos à lagoa das proximidades e se sentavam a esperar o milagre, isto é, a bola de fogo que aparecia no cume da montanha e descia até a água. Acreditava-se que era a mesma Urania[48].
Junto a esta Mãe da vida, tão multiforme, se apresenta, também nas formas mais diferentes, uma personificação do que é produzido por ela, do que floresce na primavera e morre no inverno. Ora se trata de seu filho, de sua filha, ora de seu esposo e, mais do que tudo, de seu amante. Ao júbilo selvagem da festa primaveril segue mais tarde o luto e o lamento pelo perdido, e ao mesmo tempo se celebra a dor da Grande Deusa. Assim como no Egito se faz luto por Ísis e pelo assassinado Osíris, em Fenícia o luto é pela Afrodite Celeste devido a Adônis, o Senhor, que na ilha de Chipre será completamente popular e também penetrará muito no culto grego, a tal ponto que em Roma será recebido como um deus grego. Mas foi em Alexandria onde esse culto foi celebrado com maior pompa e onde sobreviveu por um século após a introdução do cristianismo, embora dificilmente na forma esplêndida que nos descreve Teócrito, sob os primeiros Ptolomeus, em suas Adoniadas (ídilio xv). A festa terminava com uma procissão de mulheres que bordeava a costa e imergia no mar a imagem de Adônis. Também em Antioquia, as celebrações de Adônis foram uma das festas pagãs mais persistentes[49].
Se esse deus podia passar por um greco-romano graças à sua posição excepcional no círculo clássico dos deuses, não ocorria o mesmo com outra figura sua, própria especialmente da Ásia Menor. Em Frígia e países vizinhos, conhecemos a Grande Deusa como Cibele, como Magna Mater, como Acdéstis, como Dindimene, como Berecintia, como Pesinuntis, etc., e, junto a ela, seu amante Átis ou Attis[50], e lamenta-se sua mutilação e sua morte. O velho templo de Pesinunte, com seus sacerdotes príncipes e seus grandes rendimentos, havia enviado há muito tempo seu ídolo e seu culto para Roma e, ainda antes[51], também os gregos haviam adotado a deusa sob diferentes nomes, de tal forma que já se estava acostumado à sua imagem com a coroa mural e o carro puxado por leões, e em Roma acolheu-se os sacerdotes emasculados frígios. Mas, num princípio, teve-se cuidado para que esse enxame de eunucos, flautistas, trompetistas, cimbalistas, etc., não se aumentasse com a população de Roma; e se no futuro não lhes foi permitido, como antes, a mendicância, isso também pode ter servido para manter esse culto afastado da autêntica vida romana. Havia sido acolhido por recomendação dos livros sibilinos e do oráculo de Delfos; nem a Roma republicana nem, por muito tempo, a imperial estiveram dispostas a espalhá-lo livremente pelas províncias. Juvenal encontra em uma estalagem de má fama esses eunucos, bem bêbados e confundidos com marinheiros, ladrões, escravos fugitivos e assassinos; junto a eles está o tamboril. Mas à sombra da mendicância, os sacerdotes da Grande Mãe, da Mãe dos deuses, se infiltram com seus chapéus frígios nas casas dos ricos e exploram a superstição das mulheres que, em troca de presentes de ovos e roupas usadas, recebem conselhos contra a febre outonal[52]. Não havia mais que um passo desde essa presença dos galli no boudoir das damas distintas até sua acolhida na vida familiar e no trato pessoal. As superstições se espalhavam com tanta maior rapidez quanto mais extravagantes eram. Logo encontramos inscrições de sacerdotes da Grande Mãe, arquigalli e arquisacerdotisas de nome romano; os santuários de seu culto começaram a se espalhar por toda a Itália e pelas Gálias. Formam-se sacerdócios ambulantes que, como um resíduo da sociedade, viajam em enxames de lugar em lugar e, em nome da pequena imagem que carregam sobre um burro, praticam a mendicância mais desavergonhada. Vestidos de forma feminina e empoados, cantam e dançam acompanhados do tamboril e da flauta, se disciplinam e se ferem[53] para assegurar a impunidade de seus roubos e excessos sem nome. Assim são descritos esses sacerdotes mendicantes nos tempos dos Antoninos por Luciano e Apuleio. Pelo menos em Roma, esse culto da Grande Deusa deve ter oferecido mais tarde um aspecto mais honorável, com a castração interrompida, já que não poderíamos explicar de outra maneira a participação de muitas pessoas distinguidas que se confessa publicamente nos monumentos. Mais tarde, falaremos sobre os mistérios propriamente ditos que, pelo menos a partir do século III, se uniram a essa deusa.
A grande festa do mês de abril costumava escandalizar especialmente os escritores cristãos[54], devido às suas práticas simbólicas, que já não eram compreendidas. Começava com uma vigília noturna; derrubava-se um pinheiro na floresta – a árvore sob cuja sombra Atys havia sido mutilado – e era levado em procissão ao templo da deusa que, em Roma, se encontrava no monte Palatino. Mais tarde, menciona-se com frequência nas inscrições uma dignidade especial, a dos portadores da árvore (dendroforos); os galli apareciam nessa ocasião com seus cabelos soltos e se golpeavam o peito como presas de uma dor frenética. No segundo dia, procurava-se o perdido Atys com som de trombetas; o terceiro dia é chamado de “dia de sangue” porque os galli, em honra da memória de Atys, se feriam à sombra do pinheiro adornado com coroas de violetas e uma imagem do infeliz adolescente. Esses três dias são de luto tétrico e selvagem, como uma espécie de quaresma. No quarto dia, nas chamadas hilárias, a alegria se desata e nela participa toda Roma, provavelmente porque se fundiu com essas celebrações alguma velha festa primaveril; a festa de agora simbolizava a acolhida de Atys entre os imortais. No quinto dia havia uma pausa; no sexto, a imagem da deusa – uma cabeça de pedra negra incrustada em uma figura de prata – era imersa, junto com os utensílios sagrados, na água (em Roma, no riacho Almo), lavada ali e retornada ao templo em uma procissão desenfreada de descalços.
Se o Ocidente não podia penetrar muito no sentido mitológico primitivo dessa celebração, isso mesmo favorecia a ação conjunta do hábito e da ocasião de relaxamento. A partir daí, a cerimônia foi uma daquelas das quais os pagãos não queriam abrir mão facilmente e, apesar de ser um mês diferente, a árvore colocada diante das igrejas, que na Itália é conhecida com o nome de Piantar il Maggio, pode ser um último eco da festa da Grande Mãe. Outra consequência desse culto podemos presumir em parte na adoção do séquito de eunucos pelos romanos e romanas elegantes. No século IV, essa servidão de eunucos era algo óbvio até em famílias cristãs piedosas[55], mas sem dúvida essa moda oriental não teria se imposto se já não estivesse acostumado com o séquito da deusa pesinúntica e o aspecto nada agradável daqueles homens mutilados.
Aludimos brevemente a outra forma da Grande Deusa: a Anaitis (Enyo) do leste da Ásia Menor, com um culto não menos relaxado. A ela pertenciam o poderoso domínio sacerdotal de Comana na Capadócia, com seus numerosos hieródulos de ambos os sexos. Acreditava-se reconhecê-la[56] na velha deusa romana da guerra, Bellona, cujos sacerdotes se feriam nos braços com fúria selvagem todos os anos. Mais tarde, no século III, houve sob esse nome mistérios nos quais o sangue dos sacerdotes de Bellona era recolhido em um escudo e distribuído entre os iniciados[57].
Não devemos ignorar, ao lado dessas duas grandes, uma terceira divindade semítica, embora sua inclusão na religião greco-romana não pertença à época imperial, mas seja antiquíssima: trata-se do Melkarte dos fenícios, de quem o Héracles grego é apenas um aspecto. Seu culto, embora agora sob um nome romano, espalhou-se por todas as colônias fenícias e cartaginesas, e um dos templos mais famosos era o de Gades (Cádiz). Na Itália e na Grécia, podiam contentar-se com a versão clássica do filho de Zeus e Alquimena, mas a mistura posterior de deuses acolheu em seu grande panteão, de forma expressa, o chamado Héracles Tírio. Há uma inscrição dedicada a ele na Baixa Itália, do tempo de Galieno, mais ou menos como na época moderna se repetem em muitos altares os nomes e as cópias de imagens milagrosas muito diversas.
Apesar de tudo o que foi relatado, não estamos em condições de esboçar um quadro verdadeiramente vivo do estado religioso da Ásia Menor e da Síria na época imperial tardia. A mistura era, em cada caso, muito diferente, dependendo de como a vida grega tivesse se imposto ou sido refreada. Ainda causam uma impressão confusa aqueles magníficos templos de estilo greco-romano[58] construídos para qualquer ídolo asiático informe, fazendo com que o mais nobre e belo se colocasse a serviço do mais odioso, talvez porque os senhores de um templo dispusessem de bastantes domínios, dinheiro e esmolas para erguer um edifício suntuoso de primeira ordem.
A superstição crescente empurrava cada vez mais os gregos e romanos da Ásia Menor para esses altares de deuses orientais e até de divindades de criação recente; bastava que o intérprete ou sacerdote dessas divindades tivesse suficiente audácia. Luciano nos apresenta o farsante Alexandre, que, com sua pequena divindade serpentina, conseguiu enganar, no século I, os simples paflagônios de Abonoteicos, inicialmente, mas logo toda a Ásia Menor e até os mais destacados funcionários romanos.
Infelizmente, nos faltam informações suficientes sobre a persistência daqueles senhorios de templos que Estrabão conheceu em tempos de Augusto, em número considerável[59]. Mesmo no caso de Palmira, não é clara a relação entre a aristocracia bélica e mercantil da cidade com o grande templo solar e seus tesouros. Quantas ruínas mudas esconde o Oriente Próximo da época romana! Começando pela magnífica Petra, na Arábia, e pela cidade das colunas, Gerasa, ao leste do Jordão, localidades das quais mal se conhecia o nome por meio dos autores da época imperial, e cuja magnificência os viajantes puderam descrever com assombro.
Na recepção das divindades do Oriente Próximo, tratava-se, simplesmente, de uma nova superstição e de uma ampliação do culto divino; mas com esse culto não chegou a Roma nenhum novo elemento civilizador. Os deuses egípcios entram na grande mistura de forma mais imponente. Acompanhava-os a velha veneração dos gregos pela sabedoria sacerdotal egípcia, na qual acreditavam que culminava a teologia, a astronomia, a observação da natureza, a medicina e a adivinhação. Não se tratava de mutilados entregues ao paroxismo, mas de uma casta sacerdotal que, em um tempo, dominou os faraós e seu povo, deixando os mais grandiosos monumentos.
Parece que essa casta já se encontrava muito decadente no tempo dos Ptolomeus, e os bens dos templos contribuíram sem resistência para suportar os encargos do Estado. O velho preconceito sobre sua sabedoria recôndita desapareceu desde que, nas dunas do delta, se ergueu a cidade de Alexandre, onde sábios gregos e egípcios, formados à maneira grega, estabeleceram os maiores centros, então modernos, para a compilação, a pesquisa e o saber crítico. O rei macedônico, seus funcionários e soldados já não eram guiados pelo templo, e já não valia a pena conservar o antigo e grandioso sistema de sabedoria sacerdotal.
Estrabão nos conta, por ocasião de sua visita a Heliópolis, no Baixo Egito[60]: “Vimos também grandes casas, habitadas por sacerdotes, que em outros tempos eram filósofos e astrônomos; mas a corporação e a tradição desapareceram, pelo menos não vimos nenhum presidente desse gênero, apenas sacrificadores e guardiões que explicavam aos estrangeiros as maravilhas do templo.” Mostrava-se, entre outras coisas, o lugar onde Platão viveu durante treze anos sem conseguir extrair dos sacerdotes o essencial de seus arcanos; mas quem agora pretendesse dar importância a essas coisas provocaria a zombaria das pessoas cultas. Contudo, o Egito recupera, pelo viés da superstição, a influência que havia perdido pelo lado do saber.
Em primeiro lugar, a antiga religião se mantém muito firmemente no campo. Talvez isso se deva à obstinação congênita dos egípcios, que não tinham melhor maneira de proteger sua nacionalidade contra a dominação estrangeira, e em parte também à persistência do organismo tradicional. Nenhum povo do mundo antigo havia feito depender sua vida inteira tão completamente de suas doutrinas e prescrições sagradas como o egípcio. As melhores forças da nação foram aplicadas, ao longo de milhares de anos, a engrandecer, por meio de símbolos, a relação com o sobrenatural; a construção de templos, as festas, os sacrifícios e os sepultamentos ocupam um lugar ao lado do qual a vida civil, a agricultura e o comércio só podiam se afirmar de forma secundária. Uma situação como essa, que não havia sido desarraigada ou substituída por algo essencialmente novo, precisava persistir com a maior força. A maioria dos templos se conservava intacta; na época romana ainda estava vivo o terrível relato da destruição realizada por Cambises e pelos persas. Os sacerdotes, que tinham seus palácios junto aos templos, e dentro deles, sem dúvida fizeram tudo o que podiam para manter o esplendor dos oráculos e sacrifícios e para celebrar com todo esplendor as procissões através dos amplos pátios e avenidas, entre as fileiras de esfinges. Supondo que a hierarquia tenha se mantido nas mesmas proporções observadas na época dos Ptolomeus[61], estaríamos, simplesmente, diante de um verdadeiro exército de pessoas sagradas.
Certamente, a força dessa poderosa estrutura havia se enfraquecido; os Ptolomeus identificaram o sumo sacerdote de sua própria pessoa divinizada com o sumo sacerdote de todo o Egito e estabeleceram sua sede em Alexandria. Também os romanos souberam como proceder, já que, pelo menos no tempo de Adriano, o posto de sumo sacerdote de Alexandria e do Egito foi ocupado por um romano, L. J. Vestino, que era ao mesmo tempo diretor do Museu de Alexandria[62]. Mas, sem dúvida, a maioria dos sacerdotes era composta de egípcios. Entre eles, encontravam-se:
– O profeta, que emitia oráculos ou realizava certos sacrifícios especiais.
– Os hieróstolos, que cuidavam do vestuário das imagens sagradas.
– Os pteróforos, que usavam asas na cabeça.
– Os hierogramateus, que antes administravam toda a sabedoria sagrada, mas que agora haviam descido ao nível de intérpretes de sonhos.
– Os horóscopos ou astrólogos.
– Os pastóforos, que levavam nas procissões as arcas com as imagens dos deuses.
– Os cantores.
– Os cuidadores dos animais destinados ao sacrifício.
– Os seladores das vítimas.
– Os guardiões dos animais sagrados.
– As diferentes categorias de embalsamadores e vigilantes de túmulos.
– Finalmente, numerosos escravos dos templos, dos quais alguns viviam como monges em clausura voluntária, enquanto outros mendigavam pelas ruas.
Ao redor do templo de Serápis, ou seja, nas proximidades de Mênfis, desde o século I a.C., existiam as celas daqueles reclusos que buscavam purificar-se por meio de um confinamento vitalício próximo ao deus. Pelo que se observa, eles são o modelo inegável dos reclusos cristãos; recebiam comida por uma pequena janela e morriam nesses buracos[63].
Conservados completa ou parcialmente, todos esses grupos tinham apenas um objetivo: manter vivas as superstições egípcias e causar a maior impressão possível aos romanos.
Além de um grande número de deuses de caráter mais ou menos local, as divindades egípcias gerais – Ísis, Osíris, Anúbis – possuíam templos por toda parte. Em Alexandria e outras cidades, acrescentava-se Serápis, originário de Sípone, como deus dos mortos, provavelmente relacionado a Osíris. Seu templo era considerado uma das maravilhas da arquitetura antiga e estava cercado por construções que, após a destruição do Museion nos tempos de Aureliano, abrigaram os institutos científicos mais importantes, incluindo uma grande biblioteca.
Vale a pena ouvir as declarações de Rufino[64], embora carregadas de um tom fabuloso e confuso, sobre essas construções extraordinárias, pois nelas podemos perceber melhor que nunca como o helenismo soube acomodar-se à mentalidade nacional nesta terra de todas as superstições. O Serapeion, que se erguia sobre uma plataforma com mais de cem degraus, parece ter sido uma construção gigantesca, abobadada, cercada em seus quatro lados por câmaras, escadarias e passagens secretas. No topo, havia quartos para os sacerdotes e celas para os penitentes. Um pórtico quádruplo corria ao redor do edifício principal ou, talvez, em torno de um pátio.
Não se economizou nos materiais mais nobres, incluindo ouro e marfim. No grande espaço central estava localizada a imagem do deus, tão colossal que seus braços estendidos tocavam as paredes laterais[65]. Ao estilo das estátuas criselefantinas, foi fabricada revestindo um núcleo de madeira, provavelmente sagrada, com diferentes metais. As paredes eram cobertas de metal, e a fantasia alexandrina imaginava a existência de um segundo revestimento de prata e um terceiro de folhas de ouro. Todo esse grande espaço estava na penumbra e, certamente, contava com iluminação artificial. Somente no dia da festa em que a imagem do deus solar era levada para visitar Serápis, por um breve momento, abria-se uma pequena abertura para o leste, permitindo que os raios quentes do sol incidissem sobre os lábios da estátua. Esse evento era chamado de “o beijo do Sol”.
Não há descrições mais detalhadas sobre outros artifícios ópticos e mecânicos para os quais o templo provavelmente estava estruturado como um teatro. Talvez sejam meras fantasias, como a história do ímã no teto que supostamente sustentava no ar, oscilando, a imagem do Sol feita de uma fina lâmina de estanho, algo que também será contado mais tarde sobre o túmulo de Maomé.
O templo era famoso, como todos os templos de Serápis, pela chamada “incubação”; os doentes dormiam lá ou enviavam outras pessoas para dormir, a fim de que, no sonho[66] inspirado pela divindade, pudessem descobrir a cura apropriada. Esse método também era utilizado pelos gregos em seu templo de Asclépio, o que levou à identificação quase completa dos dois deuses.
Além disso, por toda a cidade, as paredes e portas eram decoradas com um símbolo do grande deus, e nas ruas via-se uma infinidade de templos, capelas e estátuas de todas as outras divindades[67].
Acreditava-se que os artifícios teatrais existiam também em outros templos. Por exemplo, no templo de um deus identificado na fonte romana como Saturno[68], sua imagem colossal e oca estava apoiada na parede, permitindo que um sacerdote entrasse e falasse através de sua boca aberta. A iluminação do templo podia ser apagada instantaneamente.
Muitas dessas práticas não eram fraudes intencionais, mas artifícios conhecidos e aceitos por todos, para enaltecer as grandes festas simbólicas, abundantes no Egito desde tempos remotos. Se, em tais ocasiões, o fanatismo levava alguém a acreditar em milagres, os sacerdotes não o desenganariam.
Veremos que esses sacerdotes dominavam a teurgia e a conjuração de espíritos, mas eles mesmos eram vítimas da superstição ou, pelo menos, não estavam completamente alheios, como meros enganadores. Isso porque a superstição havia se tornado parte essencial do ar que se respirava.
Mesmo em tempos tardios, a família egípcia de deuses continuava a incorporar novas figuras, como Serápis e o horrível Canopo, venerado na cidade do delta com o mesmo nome, representado como um vaso com cabeça e membros humanos.
No tempo de Estrabão, Canopo, com suas pousadas, era o destino favorito dos alexandrinos para férias. O canal do Nilo, utilizado para navegar, permanecia animado dia e noite com barcos repletos de homens e mulheres dançando ao som de flautas e entregando-se a todos os excessos[69].
Naquela época, ainda existia um templo de Serápis, o edifício mais importante da cidade, onde também se praticava a cura pelo sono. Mais tarde, o santuário de Canopo assumiria o primeiro lugar e, no século IV, tornar-se-ia uma escola de destaque para todo tipo de feitiçarias[70].
Na quarta seção, já tratamos da persistência e rivalidade entre os diversos cultos zoolátricos[71]. Cada nomo ou distrito venerava seu animal particular: a ovelha, o lobo, o faisão, a águia, o leão, o bode, entre outros. Dois famosos animais gozavam de um culto geral: Mênfis, que ainda nos tempos de Estrabão era mantido em uma capela no templo de Heliópolis, e Apis, em quem sobrevivia a alma de Osíris, na cidade de Mênfis. Nem sempre havia um touro negro com uma pinta branca na testa e uma mancha em forma de lua em um dos lados; certa vez, no século IV, foi necessário procurá-lo por muito tempo[72]. Quando finalmente foi encontrado, ele foi levado até Mênfis em uma procissão solene com a vaca que o havia parido, e lá foi recebido por dez sacerdotes, que o conduziram ao templo que serviria como seu estábulo. Aqui, e no pátio adjacente, os visitantes observavam o touro, interpretando presságios em cada um de seus movimentos. Em certa ocasião, ele recusou comida oferecida por Germânico, o que, segundo as pessoas, não prenunciava nada de bom.
Em Arsinoé, ainda havia sacerdotes que conseguiam domesticar ou pelo menos alimentar o crocodilo divino venerado ali. Entre os numerosos seres naturais que recebiam adoração divina, não poderia faltar o mais poderoso de todos, ao qual o Egito devia sua existência: o Nilo, que tinha seu próprio colégio sacerdotal de eunucos. Estes dedicavam ao rio oferendas e sacrifícios para que ele se comportasse bem com o país. Constantino, que, segundo Eusébio[73], suprimiu o colégio, provavelmente ficou apenas na tentativa, pois ele continuou existindo muito tempo depois. O que Constantino pode ter feito foi transferir o medidor do Nilo do Serapeum para uma igreja cristã.
Plutarco nos descreve[74] os sacerdotes de Ísis, que existiram até a época de Trajano, com certo excesso de reverência e interpreta seus usos e cerimônias de forma bastante plástica. Seus distintivos incluíam vestes de linho branco e a cabeça raspada. Eles viviam com certa abstinência, evitavam certos alimentos para não engordar e por diversos outros motivos simbólicos, além de evitarem o mar e o sal. No entanto, seu culto, apesar do luto que eternamente se repete, é desprovido de dignidade: no lugar disso, encontramos lamentações selvagens e comportamentos báquicos. Em alguns locais, um asno era jogado de um penhasco; em outros, um touro dourado, coberto por um manto negro, era exibido. Um aparato para produzir ruídos, o sistro, parecia destinado a intimidar o mau Tífon (o princípio destrutivo).
Muitos elementos desse culto parecem levar o selo de invenções tardias ou de pura exploração. A imagem de Ísis era vestida com cores diversas, ora escuras, ora claras, para personificar o dia, a noite, o fogo, a água, a vida e a morte. Os incensos variavam conforme as horas do dia: pela manhã, resina, para dissipar os vapores noturnos; ao meio-dia, mirra; à noite, um produto chamado kyphi, composto por dezesseis ingredientes durante uma oração contínua, que também podia ser consumido em forma líquida. Esse específico tinha componentes que poderiam ser interpretados simbolicamente, mas cujo efeito provavelmente era narcótico.
Plutarco, que trata do tema com seriedade, dá a entender que entre os egípcios já havia pessoas para as quais a superstição, especialmente o culto aos animais, era excessiva. “Enquanto os fracos e simplórios caem em uma superstição total”, diz ele, “os homens mais ousados e obstinados acabam adotando ideias ateístas e bárbaras.”
Agora será necessário examinar quanto dessa religião e com que sentido foi apropriado pela Roma florescente e, mais tarde, decadente.
Prescindindo da recepção puramente artística, pela qual foram levadas a Roma, nos tempos de Adriano, uma série de figuras e formas decorativas egípcias, quase nada além do círculo de Ísis foi acolhido durante séculos na religião grega e na romana.
Ísis, a terra e o abençoado Egito em si, e Osíris, a corrente fertilizadora do Nilo, já haviam sido considerados pelos egípcios como símbolos gerais de toda a vida, estando assim preparados para sua introdução no culto de outros povos. Uma interpretação acessória, que talvez tenha vindo a esse par do lado semítico, a de Lua e Sol, já havia perdido importância nos tempos de Heródoto. Os gregos, por assim dizer, concordaram em reconhecer em Ísis a Deméter e em Osíris o Dioniso, sem renunciar totalmente à qualidade de Ísis como deusa lunar; e ela passa a participar dos assuntos dos mais diversos seres divinos[75], como deusa do mundo subterrâneo, dos sonhos, do parto e até como senhora do mar. Quando, após a conquista de Alexandre, o Egito entra no grande horizonte da vida greco-oriental, o culto de Ísis se estende ainda mais por todo o mundo helênico[76], até finalmente chegar a Roma, onde aparece a partir de Sila, não sem uma grande resistência pública nos primeiros cem anos.
Entre os romanos, Ísis às vezes é apresentada acompanhada de seu esposo Osíris, mas com muito mais frequência por Serápis, o Osíris do mundo subterrâneo; outras vezes, por Anúbis, o de cabeça de cão (um bastardo de Osíris que foi identificado com Hermes como mensageiro entre os deuses e o mundo subterrâneo); e, por fim, por Hórus, em grego Harpócrates, que foi dado à luz por Ísis após a morte de Osíris. O significado mitológico primitivo desses seres, ainda que indiscutível, não seria suficiente para entender o sentido que os romanos atribuíam a tudo isso. Serápis assume, além de seu papel como deus da saúde, o de um deus solar[77], como ocorreu com uma série de outros deuses estrangeiros e até autóctones que acabaram tendo essa associação. No entanto, ele não perde seu domínio sobre as almas na vida e na morte. De forma semelhante, Ísis e outras divindades transformam-se em deidades de salvação ou simplesmente de saúde, sem, no entanto, perderem sua conexão com o mundo subterrâneo.
Nesta etapa, é difícil distinguir Ísis da deusa subterrânea de três figuras, Hécate, que reina no céu como Lua, na terra como Diana e no inferno como Proserpina. Entre os poetas elegíacos, ela é, por outro lado, a temível e frequentemente apaziguada senhora dos negócios amorosos. Quanto mais aspectos da vida ela abarcava, mais difícil era reduzir sua natureza, tal como concebida pelos romanos nos últimos tempos, a uma definição. Após as mais variadas metamorfoses, Ísis é encontrada até como Fortuna ou Tique[78], sem mencionar a interpretação puramente filosófica que acabou por vê-la como a grande divindade universal. Há muito tempo a figura da deusa havia sido romanizada e abandonado os conhecidos atributos capilares egípcios; o traje da sacerdotisa parece ter substituído o da velha deusa: um manto com franjas, atado à altura do peito sobre a túnica, e na mão o sistro. Esses são os distintivos encontrados em pinturas e estátuas.
As armas romanas levaram o culto de Ísis até as fronteiras do Império: aos Países Baixos, Suíça e, ao sul, Alemanha. O culto penetrou na vida privada antes e de forma mais profunda do que o culto da Grande Deusa semítica. Gozou do favor imperial a partir de Vespasiano, que prestou culto explícito em Alexandria a Serápis; seu filho Domiciano construiu em Roma um Isium e Serapeum, sendo que, até então, as duas divindades se contentavam com modestos templos dentro das muralhas. Mais tarde, houve em Roma vários santuários importantes dedicados à deusa. No templo de Ísis encontrado em Pompeia, que já havia sido restaurado dezesseis anos antes da catástrofe, existe uma escada secreta e um rebaixamento atrás do pedestal que sustentava a imagem, o que, junto com uma pequena construção acessória com subsolo, nos permite algumas conjecturas; porém, nem o espaço nem as construções são apropriados para grandes e deslumbrantes encenações, o que não impediu que a imaginação de arqueólogos e poetas criasse grandes interpretações sobre essas edificações pouco significativas.
Os sacerdotes de Ísis, que, nas grandes cidades, formavam numerosos colégios (como pastóforos, entre outros), gozavam ainda no século I de má reputação, entre outras coisas, como intermediários em questões amorosas, que, como vimos, também eram colocadas sob a proteção de Ísis e de seu templo. Juvenal[79] trata com o maior desprezo o branco e rapado enxame que, com lamentações sacerdotais, penetra na câmara da distinta romana que os eunucos da Grande Deusa síria haviam acabado de abandonar. Estes últimos limitavam-se a mendigar, enquanto os sacerdotes de Ísis, vestidos como Anúbis, chegavam a ameaçar e impor penitências por certos pecados agradáveis; e, mesmo que ordenassem um banho no Tibre no meio do inverno, encontravam obediência, porque a dama tinha fé cega e dizia ter ouvido em sonhos a voz de Ísis.
A partir do século I, o culto de Ísis, junto com o da Magna Mater, assume um tom mais digno e, provavelmente, maior solenidade, devido à participação do imperador e das classes altas[80]. A diferença em comparação com as práticas anteriores foi tão grande que quase se poderia pensar que foram Cômodo ou Caracala quem introduziram esse culto em Roma. Nas grandes procissões, fazem-se pausas, ou seja, estações com instalações suntuosas. Cômodo mandou representar em mosaico uma dessas procissões nos pórticos de alguns jardins. Ele mesmo, que se havia tornado sacerdote, costumava carregar a imagem de Anúbis para golpear com ela a cabeça dos sacerdotes imediatos de Ísis.
A descrição mais detalhada de uma procissão de Ísis, que pode servir como modelo para essas celebrações na época, nos é oferecida por Apuleio no último livro de suas Metamorfoses. A cena ocorre na relaxada Corinto. O cortejo começa com ares de carnaval, com máscaras coloridas de soldados, caçadores, gladiadores, mulheres de vida alegre magnificamente penteadas, magistrados, filósofos (com capa, bastão, sandálias e barbas de bode), passarinheiros e pescadores; segue, carregado em andas, um urso adestrado vestido de velha; depois, um macaco disfarçado de Ganimedes, com um gorro e roupa cor de laranja, carregando um cálice de ouro; em seguida, um asno alado imitando Pégaso e, ao lado dele, um homenzinho aleijado como Belerofonte.
Mas agora começa a verdadeira pompa: mulheres coroadas e vestidas de branco, que ajudam na toilette de Ísis, espalham flores e perfumes e gesticulam com espelhos e pentes; segue uma multidão de ambos os sexos, com tochas e velas em honra às divindades astrais; citaristas, flautistas e um coro branco; os flautistas de Serápis, que entoam uma melodia ritual, e os arautos que abrem caminho. Chegam então os iniciados de todas as classes e idades, com vestimentas brancas de linho, as mulheres com os cabelos untados e com véus transparentes, os homens rapados; os sistros, que agitam ruidosamente, são de prata e de ouro, conforme as possibilidades de cada um. Agora é quando aparecem os sacerdotes com os símbolos misteriosos da deusa: lâmpadas, pequenos altares, palmeiras, bastão serpentiforme, mão aberta e diversos vasos de forma peculiar; outros carregam as imagens dos deuses: a de Anúbis com sua cabeça de cão meio negra, meio dourada, uma vaca sobre suas quatro patas, uma cesta mística; por fim, o sumo sacerdote leva a urna de ouro com alças em forma de serpentes que representa a deusa, apertada contra o peito. Neste ordem, a procissão segue da cidade de Corinto até o mar. A “barca de Ísis”, pintada com hieróglifos, é lançada às águas em frente ao santuário instalado na praia, com muitas cerimônias e depois de ter sido saturada de perfumes e oferendas; a inscrição que leva nas velas, “boa navegação no novo ano”, e o dado que conhecemos por outras fontes sobre o navigium Isidis, que os romanos costumavam celebrar no dia 5 de março, indicam que a festa celebrava a abertura do mar, fechado durante todo o inverno[81]. Pois precisamente nessa condição tardia, não egípcia, de senhora do mar, Ísis é venerada no Mediterrâneo, e os coríntios, com seus dois golfos visitados, deviam sentir especial apreço por ela.
A procissão retorna ao templo e, diante da porta, um sacerdote pronuncia, de um púlpito, uma saudação ou bênção ao imperador, ao senado, aos cavaleiros, ao povo romano, à navegação e a todo o Império; encerra com a fórmula λαοἲς ἂφεσις, que equivale ao ite missa est do culto cristão. Em toda essa festa, distinguem-se a multidão alegre e piedosa e os iniciados nos mistérios, dos quais trataremos na seção seguinte.
Pode ser verdade o que, nesta e em outras ocasiões semelhantes, nos relatam sobre inscrições sagradas, em parte de tipo hieroglífico, em parte de outro tipo misterioso qualquer; mas o sacerdote de Ísis – seja romano, grego ou gaulês – que guardava essas inscrições e talvez pudesse copiá-las e lê-las, com certeza não entendia uma palavra delas. Muito longe de transportar de um Egito sacerdotal, cujo ponto forte já não era a doutrina, qualquer ciência profunda, Roma acolheu, sem grande fidelidade teológica, os referidos deuses, atribuindo-lhes um significado arbitrariamente alterado. Já observamos isso no caso de Ísis; outro exemplo muito instrutivo é fornecido por Harpócrates, cujo gesto (com o dedo na direção da boca) significava “o amamentado por Ísis”; na excelente estátua capitolina da época de Adriano, encontramos, em vez do ídolo egípcio, um amorzinho impondo silêncio ao levar o dedo aos lábios, na qualidade de Deus silentii. Por outro lado, Anúbis, embora identificado com Hermes, manteve sua cabeça de cão, que produz uma impressão bastante dissonante colocada sobre um corpo humano com vestimenta romana.
Encontramos um conjunto de símbolos desse círculo nas mãos de bronze conhecidas como ex-votos das parturientes à sua patrona Ísis[82]. Os dedos, em atitude de juramento, e a palma e o dorso da mão estão recobertos de atributos, instrumentos do culto e pequenos bustos de Ísis, Serápis, Osíris e Anúbis, mas estes últimos aparecem como Dioniso e Hermes. Não cabe aqui a enumeração desses símbolos; eles obedeciam, talvez, a outros tantos pedidos suscitados por necessidades específicas.
Com as divindades estrangeiras citadas até agora, não esgotamos, nem de longe, o tema da mistura de cultos; grande parte do material pertinente será tratada de forma mais oportuna na seção seguinte. Até agora, tratamos dos sacra peregrina reconhecidos oficialmente e difundidos por toda parte; cada devoto tinha liberdade para acumular, conforme desejasse, as imagens e os símbolos de todos os países e religiões. Quão distinta e, ao mesmo tempo, quão característica, nesse sentido, era a subjetividade daqueles dois primos tão diferentes, Heliogábalo e Alexandre Severo! O primeiro traz para sua casa ídolos semitas, o Paládio de Roma e a pedra de Orestes, preservada no templo de Diana em Laodiceia, para agrupar tudo de forma mecânica; e assim como celebra o casamento da pedra negra de Emesa com a estátua da Urânia de Cartago, o sacerdote imperial casa-se com a vestal máxima. Parece, inclusive, que manifestou a intenção de transformar seu santuário central em ponto de convergência do culto dos samaritanos, dos judeus e dos cristãos. Todos os deuses deveriam ser servos de seu grande deus, e todos os mistérios deveriam se concentrar em seu sacerdócio.
Por outro lado, Alexandre Severo celebra os fundadores de todas as religiões como ideais da humanidade e reúne suas imagens em sua capela doméstica; nela encontram-se Abraão e Cristo ao lado de Orfeu, como suposto fundador dos mistérios gregos, e Apolônio de Tiana, como filósofo taumaturgo; também os melhores entre os imperadores[83] estavam representados ali, com estátuas colossais dedicadas a eles no fórum de Nerva. Uma segunda capela continha as estátuas de Virgílio, Cícero, Aquiles e outros grandes homens; o nobre e desventurado príncipe faz tudo o que pode para organizar um novo Olimpo. Mas o que ocorre no palácio imperial de Roma certamente se repetiu, de forma diversificada, em menor escala. Muitos dos mais nobres teriam acolhido de bom grado os aspectos do cristianismo que lhes eram mais compreensíveis; contudo, com maior anseio ainda, a superstição geral teria dirigido seu olhar para os mistérios cristãos, sentindo-se especialmente atraída pelo fato de que seus adeptos demonstravam uma atitude tão admirável na vida e na morte.
É difícil imaginar de forma vívida esse sentimento – mistura de repugnância e desejo – de alguns pagãos, e temos poucas informações diretas a respeito, salvo se considerarmos como tal a história do mago samaritano Simão[84]. Posteriormente, trataremos da aproximação filosófica entre as duas religiões.
Se, portanto, havia desaparecido completamente a repugnância em relação aos deuses estrangeiros e se, nos cultos orientais, sentia-se, acima de tudo, o poderoso atrativo do mistério, não era fácil prever o ponto em que essa apropriação do estrangeiro haveria de parar[85]. Com a filosofia neoplatônica e o maniqueísmo, penetram no mundo romano não apenas princípios religiosos persas, mas também indianos; era certo que se acolheria tudo o que, de alguma forma, apresentasse um aspecto misterioso e oferecesse algum traço de afinidade com o panteão romano.
Conservamos, precisamente dessa época tardia, numerosas inscrições dedicadas a “todos os deuses e deusas”, a “todos os celestes”, à “assembleia dos deuses”, etc. Sem dúvida, nessas ocasiões pensava-se também nos deuses estrangeiros, e não se desejava ofender nenhum deles. Com frequência, os atributos de toda uma série de divindades indígenas e estrangeiras também foram transferidos para uma única figura, designada como Deus Pantheus, ou “Deus Todo-divino”. Assim, temos Silvanus Pantheus e Liber Pantheus; nas estátuas de Fortuna, além da roda e do corno da abundância que lhe são próprios, vemos a couraça de Minerva, o lótus de Ísis, o feixe de raios de Júpiter, a pele de cervo de Baco, o galo de Esculápio, etc. Talvez isso represente uma expressão resumida de todo o enxame de deuses, devendo-se, portanto, distingui-la do monoteísmo filosófico, que reconhecia uma identidade real de todos os deuses em um ser supremo.
Há uma conhecida declaração do filósofo Temístio[86], de época bastante tardia, segundo a qual o imperador Valente perseguiu com severidade, como ariano que era, os cristãos ortodoxos. “As divergências de fé entre os cristãos não devem nos surpreender – afirma o filósofo – ; têm pouca importância diante da massa e da confusão das diversas crenças pagãs. Pois nelas encontramos mais de trezentas seitas, já que a divindade deseja ser glorificada de diferentes maneiras, e cada uma delas desfruta de tanto maior consideração quanto menor é o número dos que participam de seu conhecimento”.
O número apresentado pode ser um pouco exagerado e, por outro lado, essas seitas pagãs tampouco se excluem mutuamente, como ocorre com as cristãs, de modo que era possível pertencer a várias delas. De qualquer forma, trezentas formas diferentes de adorar os deuses, mesmo que não sejam contraditórias, testemunham uma dissolução do paganismo que não pode ser explicada apenas pela mera aceitação de divindades estrangeiras.
Veremos como uma variedade infinita teve que surgir na religião pagã decadente, não apenas devido à diversidade de cultos, mas principalmente em virtude dos próprios princípios internos do culto, ao mesmo tempo em que se manifestavam grandes tendências simplificadoras.
[1] Chastel, Hist. de la destruction du Paganisme dans l’emp. d’Orient, p. 36.
[2] Eusébio, Hist. eccl. IV, 23, V1, 43, VII, 5.
[3] Schlosser, Universelle historische Uebersicht der alten Welt, III, 2, p. 119.
[4] Lactâncio, Divin. Inst. III, 12, termina suas investigações sobre o bem supremo com as palavras: “ld vero nihil aliud potest esse quam immortalitas.”
[5] Da bibliografia pertinente, deve-se citar, em primeiro lugar, Tzschirner, Der Fall des Heidenthumes (ed. por Niedner, incompleto); Beugnot, Hist. de la destruction du Paganisme en occident, 2 vol.; Eckermann, Lehrbuch der Religionsgeschichte und Mythologie, Vol. II, pp. 205 ss. E, por último, a grande exposição do estado religioso no primeiro e segundo séculos que encontramos na obra de Friedlaender, Sittengeschichte Roms, Vol. III, pp. 423 ss.
[6] Cf. Gerlach e Bachofen, Geschichte der Roemer, Vol. I, seção 2, pp. 211 ss. – Uma estranha consulta aos livros sibilinos na Epitome de Aurel. Vict., com ocasião de Cláudio Gótico.
[7] Firmicus Maternus, Libri Mathesos I, c. 38. – As curas milagrosas que lhe são pedidas em Alexandria por Vespasiano. Tácito, Hist. I, 81.
[8] Em Wernsdorf, Poetae latt. min. V, par. II.
[9] De mort. pers. 10, 11. Sua preocupação com os raios ominosos, Const. III, orat. ad sanctor. coet. C. 25.
[10] Uma inscrição de Diocleciano consagrada a Mitra é mencionada em Orelli II. 1051, outra dirigida ao Sol e outra mais a Belano são citadas por Bertoli, Le antichitá d’Aquileja II. 71 e 643. – Os templos que mandou edificar em Antioquia estão consagrados aos deuses clássicos, a Zeus Olímpico, a Nêmesis, a Apolo e a Hécate; cf. Malalas XII. Sobre a religião de Galieno, que em momentos de grande perigo para o Império invoca todos os antigos deuses como “conservadores” no verso das moedas, cf. Creuzer, Zur röm. Gesch. und Altkunde. O fato de ele também adorar os antigos deuses egípcios e orientais, visíveis nas moedas das cidades de Alexandria e Ásia com seu retrato e o de Salonina, não parece tão seguro como o supõe este excelente tratado.
[11] Hist. Aug. Marco Aurélio, c. 19. – Vemos por um calendário dos últimos tempos do século IV (Kollar, Analecta Vindobon. I) que, naquela época, ainda se celebrava o dia do nascimento (natales, o que também pode significar o dia de sua entrada no governo) dos seguintes imperadores: Augusto, Vespasiano, Tito, Nerva, Trajano, Adriano, Marco Aurélio, Pertinaz (Septímio?) Severo, Alexandre Severo, Gordiano, Cláudio Gótico, Aureliano, Probo e, naturalmente, Constantino e sua linhagem. – Certamente, o culto de Ántino ainda durou até o século IV.
[12] Arnóbio, Adversus Gentes I. 1 e IV, no começo. – Lactâncio, Inst. divin. I. 20.
[13] Não são mencionados nem nas inscrições nem nos monumentos.
[14] Cf. Apuleio, De magia oratio, p. 62, ed. Bipont. Vol. I, para ver como lapis unctus, ramus coronatus era o mínimo para um proprietário rural demonstrar sua devoção.
[15] A humildade de estoicos como Epicteto não faz senão demonstrar a regra por exceção.
[16] Provavelmente também com canções. – Luciano, De saltatione, passim. – Meyer, Anthologia lat. ep. 954.
[17] Cf. entre outros, Arnóbio, Adv. Gentes IV, p. 151 e VII, p. 238. – Firmicus, De errore, p. 10.
[18] Em Wernsdorf, Poetae latt. III. IV, par. I.
[19] Nemésio, Cynegeticon. Vs. 47. Omnis et antiqui vulgata est fabula secli. Do ano 283.
[20] Cf. Juvenal, Sat. I, no início.
[21] Sobre a estranha sorte posterior da mitologia entre os poetas cristãos e sua infiltração na arte cristã, veja: Piper, Mythologie und Symbolik der christlichen Kunst, vol. 1. A partir de Ausônio, os deuses se transformam cada vez mais em meros ornamentos e frases ou em símbolos abstratos das relações da vida. Além de Marciano Capela, é muito típico dessa transformação o Epithalamiun Auspicii et Aéllae, de um certo Patrício, que Wernsdorf coloca no século IV (TV, 1) e Meyer (Anthol. lat.) provavelmente com mais razão no século VI. Na época de Constantino, ainda não era possível lidar com o mito de forma tão arbitrária e, por exemplo, apresentar Cupido como irmã de Vênus.
[22] A mudança das guarnições, o comércio e o tráfico de escravos haviam levado, por exemplo, egípcios e asiáticos até as fronteiras da Germânia. Tácito, Annales XIV, 42, diz sobre os escravos em Roma: “Nações em famílias que têm ritos diversos, cultos externos ou nenhum…”
[23] Um monoteísmo primitivo de todos os povos é defendido, por exemplo, por Lactâncio, Div. Inst. I, L.
[24] O fato de Serápis ter sido adorado anteriormente no Egito não é levado em consideração aqui.
[25] Podem proceder em parte de muito antigas misturas de povos.
[26] Suetônio, Nero, cap. 56.
[27] Encontramos uma seleção em Orelli, Inscr. lat. sel. I, cap. IV, parágrafo 36, 37.
[28] Hist. Aug. Pescênio, c. 6.
[29] As inscrições de deuses gauleses que aparecem dispersas nas coleções romanas podem ter sido transferidas para Roma ou erguidas nela por gauleses que ali viviam. Cf. Orelli, I, cap. II. 1960, 1978, 2001 e 2006. O fato de que Carus, segundo Dió, LXXVIM, 15, adorasse Apolo Granno, teria causas especiais no encantamento do qual teria sido vítima por supostos celtas (na realidade, alamanos).
[30] Sulpício Severo, Dial. II, ao final.
[31] Cf. a importante indicação dos Atos dos Apóstolos, 14, vers. 5, 11 e ss., certamente sobre uma cidade muito no interior.
[32] Cf. C. Schwenck, Die Mythologie der Semiten.
[33] Tertuliano, Apologetica 9.
[34] Se não for o caso de, apesar da lua crescente, se tratar apenas dos sacerdotes e não das divindades.
[35] Não compartilho das objeções de Schwenck (p. 197) contra a qualidade solar de Heliogábalo. – Heliodoro se chama ao final de sua Aethiopica um emesênio e των άφ’ Ήλιου γένος, da estirpe dos filhos do Sol.
[36] Malalas, XII, p. 119. – Cf. Macróbio, Sat. I, 23. O culto viria do Egito. – O maior dos templos é considerado hoje como templo de Baal, e o menor como templo de Júpiter.
[37] I Reis 18, vers. 19. Tácito, Hist. II, 78.
[38] Jerônimo, Vita S. Hilarionis, 14, 20. Sozômio, V, 9, 10; VII, 15.
[39] As fontes conhecidas: Herodiano, Dionísio Cássio e a Hist. Aug.
[40] Sobre se Afrodite, em geral, e até mesmo pelo seu nome, era de origem semita, cf. Schwenck, ob. cit., p. 210.
[41] Um sacellum desta classe, como objeto usual em uma das pinturas pompeianas Antichita di Ercol. III, 52. O templo de Pafos é frequentemente representado nas moedas dos imperadores romanos.
[42] No pequeno templo de Baalbek, ainda podemos encontrar tal coro ou Thalamos.
[43] Provavelmente se encontrava sentada sobre os próprios leões, a expressão é pouco clara.
[44] Com o Semeion, que estaria entre os dois deuses, Luciano continua brincando (ob. cit., cap. 33), como em muitos outros detalhes cujo sentido irônico é óbvio.
[45] Ob. cit., pp. 49 e 50, onde Luciano quer conectar os dois fenômenos. A maioria dos castrados, no entanto, parecem ter sido escravos, que foram levados ao templo como presentes por seus donos. Cf. Estrabão, XII, final.
[46] Os φαλλοί τριηκοσίων οργυιέων, ob. cit., p. 28, se baseiam em um exagero intencional de Luciano ou em uma falsa interpretação da palavra τριάκοντα. Pode-se imaginar o tamanho enorme das colunas caso se admita um orifício de 5½ pés.
[47] Não se leva em conta que os bizantinos representaram mais tarde São Efrém sobre uma verdadeira coluna ou pilar.
[48] Eusébio, Vita Const. III, 55. Zósimo, I, 58. Sozômio, II, 5.
[49] Amiano Marcelino, XXI, 9. A penetração da adoração de Adônis no Ocidente, Fírmico, De errore, etc., p. 14.
[50] Cf. Zoega, Bassirilievi, XI, com notas de Welcker. – Uma modificação muito antiga da Grande Mãe da vida representa, como é sabido, a Artemisa de Éfeso, que também é mencionada mais tarde, em exemplares romanos, “a natureza multiforme e a mãe de todas as coisas”.
[51] Segundo a opinião corrente na época da grande peste, no início da guerra do Peloponeso, 430 a.C., o Metroon de Atenas servia ao mesmo tempo como arquivo do estado.
[52] Juvenal, Sat. VI, 511; cf. com VII, 172 ss.
[53] Cf. I Reis 18, vers. 28.
[54] Especialmente Arnóbio, Adversus gentes, V. – Os passagens em Zoega, ob. cit.
[55] Jerônimo, Vita S. Hilarionis, 14. Epist. 22, ad Eustochium, c. 16 e 32. – Domiciano proibiu rigorosamente em todo o Império qualquer tipo de castração (Amiano, XVI, 4) e o prefeito da guarda de Septímio Severo, Plautiano, só conseguiu adquirir um séquito de eunucos para sua filha Plautila de forma violenta. (Dio Cassio, LXXV, 14 ss.)
[56] Schwenck, ob. cit., pp. 271 ss.; onde, erroneamente, se desloca a festa de Bellona, que era em 3 de junho (Ovídio, Fasti, VI, 199) para o dia do sangue da Grande Mãe e se identifica com ela.
[57] Na obra Metam. de Apuleio, VII, o sacerdote mendicante invoca quatro personificações diferentes da Grande Deusa: Dea Syrie… et Bellona et mater Idaea, cum suo Adone Venus domina…
[58] A bela obra de Texier, Desc. de l’Asie mineure, oferece, entre outras coisas, a construção mais bem preservada do interior, o templo de Aizani.
[59] Estrabão, XI, 14; XII, 2, 3, 5, 8; XIV, 2, ob. cit.
[60] Estrabão I, XVII.
[61] Para o que segue, veja Boeckh, Corpus inscr. graec. III, fasc. 1, introdução.
[62] Compare com Estrabão, XVII, 1.
[63] Weingarten, Der Ursprung des Moenchthums, pp. 30 ss., segundo Brunet de Presle e Letronne.
[64] Hist. eccl. II, 23 ss. – Amiano, XXII, 16. – Avieno, orbis descr., Vs. 374.
[65] Ou poderia tê-los tocado; no Serápis estilizado como Zeus, uns braços estendidos teriam sido excessivamente chamativos.
[66] Tácito, Hist. IV, 81.
[67] Estrabão, XVII, 1: a cidade está cheia de lugares sagrados e templos. Rufino, I c.
[68] Também Eutíquio, Alexandre, p. 435, edição Oxon. conhece um templo de Saturno com uma grande estátua de bronze; no entanto, neste caso, como no de Rufino, pode-se tratar também de Serápis, que frequentemente é identificado com Saturno.
[69] Ainda Amiano, XXII, 16, celebra as hospedarias alegres e o ar doce. Adriano mandou construir em sua villa de Tibur, entre outras maravilhas do mundo antigo, um Canopo em miniatura.
[70] Rufino, Hist. eccl. I, 26.
[71] As diversas explicações de Plutarco: De Iside et Osiride, 72.
[72] Amiano, XXII, 14, cf. Hist. Aug. Hadriano, c. 11.
[73] Vita Const. IV, 25, cf. com Libânio, Pro templis, p. 182.
[74] Plutarco, De Íside et Osiride, passim.
[75] Cf. Pauly, Realencyclopedie der klassischen Alter Welt, artigo Isis, de Georgii.
[76] Como o culto de Ísis se foi aproximando do templo de Delfos, segundo Tithorea, em Pausânias XX, 32.
[77] Numerosas inscrições, entre outras em Orelli I, cap. IV, parágrafo 32.
[78] O que não está em contradição de maneira alguma com a proteção que Ísis oferece aos seus consagrados contra a Fortuna, imaginada como acaso (Apuleio, Metam. XI).
[79] Juvenal, Sat. VI, 522.
[80] Hist. Aug. Commodus 9, Pescennius 6. Caracala 9.
[81] Também o barco foi desfilado em cima de uma carreta pela cidade. O desfile deste carrus navalis (carro náutico) é, provavelmente, a forma primitiva do moderno carnaval, que, devido ao jejum, não podia ser mantido na data de 5 de março, e se transformou em uma festa móvel.
[82] Veja em Montfaucon, Ant. expl., I, p. 330, edição pequena, p. 78.
[83] Pode-se confrontar, em paralelo, Hist. Aug. Tácito, cap. 9. Divorum templum fieri iussit, in quo essent statuae príncipum bonorum, etc. Especialmente as estátuas de Marco Aurélio ainda se encontravam, nos tempos de Diocleciano, em muitas casas sob os Dii Penates. Hist. Aug. Marco Aurélio, cap. 16, 5.
[84] Além das indicações que nos dá Eusébio, Hist. eccl., I, 1. A seita de Simão ainda existia sob Constantino e se infiltrava “como a peste e a lepra” na própria igreja.
[85] Roma como templum mundi totius, em Amiano, XVII, 4. Cf. p. 132, nota 3, segundo a qual o Egito reivindica os mesmos direitos.
[86] Sócrates, Hist. eccl., IV, 32.