Capítulo 1 de “A Mulher Delinquente”

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Capítulo I – A fêmea no mundo zoológico

1. As ciências morais estão, atualmente, tão intimamente ligadas às ciências naturais, que nos é impossível realizar um estudo da mulher criminosa sem antes termos analisado a mulher normal, assim como a fêmea na ordem zoológica.

Nas ordens inferiores da vida orgânica, a reprodução não precisa de sexo; ela se faz por fissão (divisão de uma célula, exageradamente aumentada, em duas), por gemação (aumento e fracionamento de uma parte da célula), por polisporogamia (aumento e fracionamento de um organismo pluricelular em um grupo de células), por monosporogamia (crescimento e divisão em um organismo celular de uma única célula, que se desenvolve por divisão espontânea).

Em todos esses casos diferentes, a geração é assexuada; o fenômeno fundamental da reprodução – desde o primeiro vislumbre da vida – é sempre o mesmo: um fragmento se separa de um organismo, vive e se desenvolve a partir de então de maneira autônoma.

A partir da geração assexuada, passamos por uma série de formas intermediárias (hermafroditismo, geração alternada) até alcançarmos a geração sexual: aqui a divisão e o abandono de uma parte do organismo não são provocados diretamente por uma necessidade orgânica interna (aumento de volume), mas indiretamente, por meio de uma influência externa: a fecundação do macho.

Na reprodução sexuada, portanto, o fato principal, o desenvolvimento das partes do organismo que formarão o novo ser, é realizado quase que às custas da mulher.

2. A relação entre volume, força e estrutura entre os dois seres. Superioridade e inferioridade da fêmea.

Em animais inferiores, de acordo com Milne Edwards, os indivíduos dos dois sexos são diferenciados entre si apenas a partir das características dos aparelhos reprodutores. Assim, acreditou-se que entre muitos zoófitos não existissem senão apenas fêmeas; em muitos moluscos, os machos são diferenciados das fêmeas apenas no momento da reprodução.

Mas, à medida que as diferenças entre os dois sexos se tornam mais evidentes, a fêmea tem superioridade de tamanho, força e número sobre o macho. “Eu acredito”, escreve o prof. Emery, quando questionado sobre esta questão – “que a superioridade feminina é primitiva, pois é mais importante para a geração. Esta frequente superioridade pode ser vista em casos de partenogênese encontrados entre os crustáceos e mesmo entre certos insetos (Rhodites rosae), nos quais, em certas ordens ou espécies, o sexo masculino não existe, ou está reduzido a uma mínima função; e também em casos de geração alternada”.

Nos vermes do gênero Bonellia, a fêmea é um animal vistoso, enquanto o macho é pequeno, de organização simples e parasita da fêmea.
Em um rotífero, Hydatina Senta, o macho não possui víscera abdominal, apenas os órgãos sexuais e aqueles ligados ao movimento; enquanto a fêmea tem todos os seus órgãos.

E a respeito de muitos rotíferos discutiu-se – afirma Brehm – se seriam ou não hermafroditas, pois não se encontravam os órgãos masculinos de geração. Mas depois se descobriu que quase todos os indivíduos conhecidos eram fêmeas, e que os poucos machos encontrados são uma parte subordinada e apenas tolerados (id., p. 719). Entre os Caligus, as fêmeas são extraordinariamente mais numerosas que os machos (op. cit. p. 713). As fêmeas Dáfnia, bem maiores que os machos, produzem duas espécies de óvulos, que o naturalista passou a denominar de “verão” e “inverno”; sendo que os do verão crescem sem fertilização, enquanto os do inverno são fertilizados: existindo então mistura de partenogênese e de geração gâmica (Brehm, p. 706). A respeito dos branquiópodes, em geral, Brehm afirma: pode-se dizer que, em quase todos, as fêmeas excedem o número de machos, e que em alguns dos gêneros mais comuns, como o Apus, estes apenas recentemente foram descobertos; em outros gêneros, são encontrados por um curto período de ano; durante os meses seguintes, há um longo número de gerações nos quais os machos não estão envolvidos (Brehm, p. 702). Nos Branchiopoda, as fêmeas são muito maiores do que os machos (id., p. 698). Em alguns moluscos no grupo Phyllopoda – afirma Emery – o macho não existe e a geração é por partenogênese.

Outro exemplo de superioridade feminina é dado pela Anilocra e em gêneros relacionados (crustáceos de peixes parasitas); enquanto são jovens, produzem esperma e possuem órgãos sexuais masculinos; atingindo a maturidade, os testículos e os pênis se atrofiam; desenvolvem ovários e vulva e se tornam fêmeas. Em muitos crustáceos parasitas – escreve Emery – a fêmea é bem maior que o pequeno macho, que quase parasita a fêmea.

Mesmo subindo na escala zoológica, é frequente a superioridade no tamanho e força da fêmea em relação ao macho. Em aranhas, a fêmea é maior e mais robusta do que o macho, ainda que em algumas espécies, como a Argyroneta aquatica – segundo afirma Brehm –, contrariamente ao que se encontra em outras aranhas, o macho é mais robusto e mede 14 mm de comprimento, enquanto a fêmea mede apenas 11 mm (Vita degli animali, VI, p. 627, Turim, 1871); mas, em quase todas as demais espécies, a diferença é a favor da fêmea, como ocorre na Dolomedes em que a fêmea é um centímetro e meio maior que o macho (id., p. 635). A fêmea da Tegenaria domestica mede de 16 a 18mm de comprimento, enquanto o macho mede 10mm. Na cópula, é possível notar o quanto a força da fêmea lança medo no macho e enfraquece seu ardor. Quando o macho, segundo Brehm, deseja a cópula, aproxima-se com toda prudência e cuidado em direção à fêmea, para ver se essa recebe suas carícias ou se ela o vê como uma deliciosa iguaria. Se a fêmea mostra disposições favoráveis, o macho se aproxima rapidamente, toca alternadamente a base do ventre da fêmea com as duas pontas das patas, e depois foge rapidamente para não ser vítima de sua dama (id., p. 611).

De Geer presenciou quando um macho, no meio de suas carícias preparativas, acabou capturado pela fêmea, preso por ela em suas teias, e devorado (Darwin, L’origine dell’uomo, p. 245).

O menor tamanho poder ser, também, produto da seleção natural, porque os menores estão mais a salvo das armadilhas das fêmeas.
Em quase todas as espécies de insetos – observa Darwin – o macho é menor do que a fêmea. Sabe-se que os machos de algumas espécies, mesmo das frágeis e delicadas, participam de muitos confrontos, e poucos estão equipados com armas especiais para combater seus rivais. Mas a lei da luta não prevalece tanto neles como nos animais superiores. Portanto, é provável que esta seja a razão pela qual os machos não se tornaram maiores e mais fortes do que as fêmeas; na verdade, geralmente são menores, porque podem se desenvolver em um período mais curto de tempo, além de numerosos, de forma a estarem prontos às necessidades das fêmeas (op. cit., p. 250 e 298).

Na Hemiptera, as fêmeas são quase sempre maiores e mais fortes do que os machos (id., p. 288).

A superioridade da fêmea é especialmente notável nos himenópteros. Em alguns (Rhodites rosæ) não há qualquer macho (Emery). A superioridade das fêmeas sobre os machos entre abelhas e vespas é tão grande que todos os seus complexos organismos sociais dependem disso. Entre as abelhas, as operárias (fêmeas incapazes para a reprodução) realizam toda a tarefa do trabalho social, enquanto os machos não possuem outro ofício senão o de fertilizar a rainha; são parasitas e, como tal, são mortos todos os anos pelas operárias. E note que, entre as abelhas, a cópula ocorre apenas uma vez, como acontece com quase todos os himenópteros; uma fertilização é válida ao longo da vida, que pode ser bastante longa (Lubbock demonstrou que uma fêmea pode viver mais de 12 anos); existe, ainda, a partenogênese; os machos nascem de ovos não fertilizados; esta é provavelmente a causa da superioridade da fêmea, que desepenha um papel muito mais relevante do que os machos na conservação da espécie.

Mesmo em cupins, as fêmeas dominam: mas sociedades são constituídas por machos e fêmeas. Deve-se destacar que, aqui, a importância do macho é maior, pois a cópula ocorre repetidas vezes (Emery).

E também o fato de que muitos machos sendo procriados pela partenogênese, e as fêmeas ordinariamente por geração assexuada, pode ser importante nesta questão.

Nos besouros, segundo Camerano, os machos são geralmente menores do que as fêmeas, às vezes com uma diferença muito grande, como, por exemplo, na Lytta pallasii, em que o macho mede 0,009m e a fêmea 0,019m.

Mesmo nos peixes é comum ocorrer a superioridade no tamanho da fêmea em comparação ao macho. Darwin diz: “No que diz respeito ao tamanho, o Sr. Carbonnier afirma que, na maioria dos peixes, a fêmea é maior do que o macho, e o Dr. Guenther não conhece um caso em que o macho seja maior do que a fêmea. Como em muitos tipos de peixe, os machos lutam uns contra os outros, é impressionante que não se tornem mais fortes e maiores que as fêmeas, a menos que se acredite que, como afirma Carbonnier, devam ser devorados pelas fêmeas de suas próprias espécies, quando são carnívoros e, talvez, a partir de outras espécies” (Darwin, op. cit. p. 307).

Nos anfíbios, e em quase todos os Testudinata, os caracteres sexuais secundários não vão além das cores e dos órgãos vocais; não se encontram nelas as notáveis diferenças de tamanho e força em favor da fêmea; no entanto, existem várias exceções determinadas pela luta sexual.

Entre os anfíbios urodelos: na salamandra maculata, os machos variam entre 0,180m e 0,192m, fêmeas entre 0,180 e 0,200m; no Triton cristatus, os machos variam de 0,120m a 0,135m, as fêmeas de 0,136m a 0,148m; no tritão alpino, o macho pode medir 0,090m, enquanto a fêmea 0,110m; na Pelonectes boscai, o macho alcança 0,075m, enquanto a fêmea varia de 0,084m a 0,094m, Não existe luta sexual (Camerano, Della scelta sessuale negli anfibi urodeli, Turim, 1881).

Entre os anfíbios anuros: no Rana esculenta, o macho mede 0,068m, a fêmea 0,082m; no Rana rugosa, o macho tem 0,040m, a fêmea 0,047m; no Rana marmorata, o macho possui 0,053m, a fêmea 0,056m; Na Rana temporaria, o macho tem 0,068m, a fêmea 0,075m; no Bufo vulgaris, o macho apresenta 0,080m, a fêmea 0,110m; por outro lado, no Cystignatus ocellatus, o macho mede 0,114m, e a fêmea 0,96m. Não existe luta sexual (Camerano, Della scelta sessuale negli anfibi urodeli, Turim, 1881).

No Testudo ibera Pall., no entanto, embora não se saiba se existe luta sexual, Camerano descobriu que os machos são maiores do que as fêmeas e, geralmente, são mais convexos e proporcionalmente mais estreitos, com escalas laterais ampliadas (a capacidade feminina é maior, obviamente, devido às necessidades para a reprodução), com cauda mais longa e grossa na base e com patas mais longas (Camerano, Sui caratteri sessuali secondari della Testudo ibera Pall., Turim, 1877).

Também entre os ofídios (não se sabe se existe luta sexual), o macho é muitas vezes menor do que a fêmea. O lagarto, por sua vez, em que o macho é maior e mais forte que a fêmea, se envolve em intensos duelos para sua conquista (id., p. 320).

Com os pássaros, por conta da luta sexual, começa a prevalência de força e do tamanho do macho sobre a fêmea. Porém, mesmo nas ordens zoológicas inferiores, por uma dessas contradições que frequentemente encontramos nesses estudos, os machos são quase sempre superiores pela diferenciação dos órgãos, além da variabilidade e motilidade que possuem, sendo inferiores em tudo o mais (formigas), demonstrando que são mais ativos em relação à função sexual.

Entre os crustáceos, entre os quais há um único sexo que possui órgãos de sentido e locomoção, ou que os possui mais desenvolvidos, será sempre o macho que os possuirá, ou os terá mais desenvolvidos (Darwin, op. cit.).

Mesmo no caso dos insetos, os machos, embora de tamanho menor, têm uma estrutura mais complexa e órgãos mais numerosos e específicos para a realização do ato sexual. Deve-se notar, além disso, que em um grande número de espécies, apenas os machos possuem asas, e quase nunca as fêmeas. Isto é explicado pelo fato de que os machos mais frequentemente devem se locomover em busca da fêmea: tal é o caso dos lampyris, das Mutillidae, dos Orgyia, dos Psychidae. Muitos outros possuem órgãos para reter a fêmea durante o coito, como os apêndices da extremidade da cauda em libélulas.

Brooks afirma que, por conta da luta sexual, os insetos machos se tornaram brilhantes e variados. Por isso possuem mais cores, cantam, estão mais armados, pois entre muitos deles a seleção é feita por combates pela fêmea – algo que ocorre também nos mamíferos –, afetando o processo de seleção natural, algo que ocorre também entre as aves (Revue scientifique, n.13, 1891).

Assim, de acordo com Camerano, os machos do besouro, que também são bem menores, possuem, no entanto, diferentes características sexuais, como antenas, olhos, palpos, órgãos do movimento, mandíbulas, cores especiais, fosforescência, armas, sons, enquanto nas fêmeas não se notam quaisquer odores, fosforescência ou sons e cores especiais (Camerano, La scelta sessuale e i caratteri sessuali secondari nei coleotteri, Turim, 1880).

Os pássaros, por outro lado, também aproveitam a superioridade da força, do tamanho, e até mesmo em quantidade que, como já mencionado para alguns insetos (Lucanus elaphus), permanece como algo comum até as ordens zoológicas mais elevadas.

Os machos de muitos pássaros são maiores do que as fêmeas: de fato, em certas espécies da Austrália, a superioridade é de tal monta, que os machos do Cicloramphus cruralis são quase duas vezes maiores que as fêmeas (Darwin, op. cit. p. 332). Deve-se notar, ao mesmo tempo, as ferozes lutas que envolvem os machos desses pássaros, em sua época de reprodução.

O macho quase sempre possui características sexuais secundárias; a plumagem rica, o canto e, em muitas espécies, mais solidamente armados; sem mencionar todo esse arsenal de tufos, pelos, penas, cristas que tem o macho e que servem não apenas para decoração, mas também para aparentar ser um animal mais temível: assim, o macho Neomorpha da Nova Zelândia possui um bico bastante forte (Darwin, p. 330); o macho da pernice indiana possui esporas, que a fêmea não possui; algo que também ocorre no tetraz-grande. As asas do pato-ferrão possuem esporas mais longas que as da fêmea, e as utiliza na defesa dos filhotes.

Mas há – escreve Darwin – diferentes espécies em que as fêmeas são maiores que os machos; e a explicação que usualmente se dá, ou seja, de que as fêmeas dispendem mais esforço para alimentar os filhotes, não é suficiente. Em alguns casos, as fêmeas aparentemente desenvolveram seu tamanho e força como consequência da luta contra outras fêmeas para ganhar a posse de machos (id., p. 333). “Em alguns casos, as fêmeas se tornaram mais agressivas no cortejar, enquanto os machos permanecem comparativamente passivos, e escolhem as mais belas fêmeas. As fêmeas de certas aves adquiriram assim cores brilhantes ou outros tipos de ornamentos, e tornaram-se mais fortes e belicosas que os machos”.

Mas o predomínio do macho, incerto em todas as ordens zoológicas inferiores, estende-se e se instala permanentemente entre os mamíferos, nos quais o reinado masculino é incontestável. “Em todos os mamíferos”, diz Darwin, “os machos são sempre mais fortes e maiores que as fêmeas, sempre que há uma diferença de tamanho entre os dois sexos, como é frequentemente o caso”. Os quirópteros, insetívoros, e muitos dos roedores, no entanto, não apresentam diferenças significativas, de modo que é difícil descobrir o sexo de cada indivíduo: e, provavelmente, mesmo o vigor entre ambos será semelhante (Canestrini, Teoria dell’evoluzione, p. 64). Nos carnívoros, as diferenças são notáveis: o leão é maior e mais forte. O que também ocorre entre ruminantes e caprinos.

O mesmo se pode dizer em relação à estrutura física. O leão possui juba, músculos, patas, dentes caninos mais poderosos; e possui, ainda, outra poderosa arma de intimidação, o rugido, que não existe na fêmea.

O mesmo ocorre entre os ruminantes. Os machos são maiores e mais fortes, além de armados com complexos sistemas de chifres que, nas fêmeas, são bastante rudimentares. O cervo macho possui chifres, mas não as fêmeas; nas renas, ambos os sexos os possuem. Machos e fêmeas de certas espécies possuem chifres, mas que são maiores e mais fortes nos machos – como ocorre com o boi almiscarado e com o touro. O macho do búfalo indiano possui chifres mais curtos que os da fêmea, mas são mais sólidos: o mesmo caso do Rhinoceros simus. Nos cavircórneos, geralmente ambos os sexos apresentam chifres, mas são menores nas fêmeas e, em algumas espécies, estão totalmente ausentes (Antilocapra bezoartica, A. americana). Certos antílopes machos possuem os dentes caninos mais desenvolvidos; no cervo almiscarado (Moschidae), os machos possuem caninos que se sobressaem como garras.

Entre os solípedes, o garanhão possui dentes caninos bem desenvolvidos, que na fêmea são rudimentares. Entre os paquidermes, o elefante e o javali são armados com defesas, que se apresentam como apenas rudimentares ou deficientes nas fêmeas (Brelim, op. cit. I, p. 163). As fêmeas dos rinocerontes têm chifres mais frágeis.

Entre os cetáceos, o narval macho possui dois dentes caninos no maxilar superior, dos quais o da esquerda se estende horizontalmente para a frente com um comprimento de três metros e é retorcido, enquanto na fêmea os dois caninos são rudimentares. O macho da cachalote possui uma cabeça maior.

3. Primatas. Entre os primatas, as diferenças se acentuam em perfeita analogia com a raça humana.

Enquanto o macho gorila tem até 2 metros de altura, a fêmea nunca ultrapassa 1,50m. Na fêmea, o crânio é menor e arredondado; é menos prógnato e mais leve, carece de cristas ósseas, por isso toma a forma trapezoidal, enquanto no macho é piramidal; o nariz é menor e inclinado, com uma parte traseira mais curta. Corpo, mãos, pés são mais finos, e os músculos menos musculosos; os ombros, os braços, as pernas são mais delicados; o topo do úmero é mais achatado, a tíbia é menor e menos prismática, os ossos da bacia são maiores e planos e menos ocos em seu interior; e o ísquio é mais divergente na fêmea. A fêmea é muito mais fraca (Hartmann, Scimmie antropomorfe, Milão, 1881). Seus dentes caninos são menos acuminados, menos comprimidos, de forma triangular e menos salientes: o molar tem cinco cúspides, duas exteriores, duas interiores, e uma posterior, similar ao que ocorre com os humanos (Hartmann).

A fêmea do chimpanzé também é menor e mais fraca, com músculos menos angulosos e o corpo com formas mais arredondadas. Ela tem a cabeça menor, face oval e nariz mais achatado; possui músculos dos membros inferiores menos angulosos, mãos e pés menores e mais graciosos; possui dentes mais finos. No crânio, os ossos parietais descem muito obliquamente da sutura sagital, em que há uma protrusão óssea, e as arcadas supraciliares são menos desenvolvidas. É menos pronunciada do que no macho, que tem o rosto oval (id.). O clitóris e os pequenos lábios, muito volumosos, sobressaem dos grandes lábios quase atrofiados, de modo que a rima pudendi não é constituída pelos pequenos lábios (Blanchard, Sur la Steathopigie des Hottentots, 1883).

A fêmea do orangotango também é menor; em seu crânio não existem cristas ósseas: o maxilar superior é mais baixo, o inferior é menor; a face, apesar de saliente, é mais plana na frente (Hartmann).

Entre os gibões, o macho é o indivíduo predominante das espécies em relação ao desenvolvimento completo de algumas peculiaridades de sua forma, encontradas apenas de maneira rudimentar no indivíduo feminino, e que no jovem ou imaturo, ou não existem ou se apresentam em estágios primitivos (Hartmann). Um dos gibões, o macaco Sciamang, vive em hordas comandadas por um macho (id.).

Nos machos, o conjunto de pelos é mais desenvolvido do que nas fêmeas: também parece que, como na raça humana, a fêmea dos macacos se desenvolve mais rapidamente; certamente, este é o caso do Cebus azarae (Rengger, Säugethiere von Paraguay, 1830).

4. Síntese.

Entre os animais inferiores, portanto, é bastante difundido o predomínio do tamanho e da força da fêmea: superioridade que é mantida no mundo zoológico, e alcança algumas espécies de aves. De toda forma, quanto mais se sobe na escala zoológica, mais o macho se aproxima da fêmea; de tal forma que, entre os mamíferos, possui, sem margem a dúvidas, o protagonismo da espécie.

E, além disso, mesmo em espécies nas quais o macho seja inferior em relação à força e ao tamanho, será sempre superior em relação à variabilidade e perfeição da estrutura física. E se deve salientar ainda – como escreve Milne Edwards – que, usualmente, as diferenças específicas que existem entre diferentes membros, são menores entre as fêmeas do que entre os machos. E, de acordo com Darwin, a força primitiva e a tendência hereditária são maiores nas fêmeas, enquanto nos machos são mais variáveis, como expresso no axioma de criadores e horticultores: o macho dá variedade, a fêmea a espécie (Darwin, L’origine des espèces).

E entre os insetos, é sempre o macho que possui asas: símbolo e ferramentas de sua maior mobilidade. Isso ocorre por conta de sua necessidade de buscar, capturar, e imobilizar a fêmea, o que acabou por gerar o desenvolvimento de novos órgãos. Segundo Darwin, esses caracteres secundários são sempre mais numerosos, em todo o reino animal, entre os machos do que entre as fêmeas; e sendo extraordinariamente variáveis, produzem a grande variabilidade dos machos; enquanto as fêmeas preservam as características essenciais da espécie, sendo assim mais fixas, produzindo uma maior monotonia orgânica, definida por Milne Edwards como “uma tendência para representar o tipo médio da espécie”; algo que retornará na psicologia da mulher normal e da delinquente.

Estes fatos estão relacionados ao papel essencial que a fêmea desempenha na reprodução das espécies, bem como na luta pela posse da fêmea. Já observamos que a função básica da reprodução é exercida pela fêmea, enquanto o macho possui apenas uma função auxiliar. A maior importância da fêmea é demonstrada pela partenogênese e pelo fato de que, entre alguns himenópteros, em que gerações se alternam, é suficiente uma simples fertilização para o trabalho de reprodução de toda uma vida. Considerando-se as diferentes funções do macho e da fêmea na reprodução, a fêmea deve ser, em espécies primitivas, maior, de forma que consiga nutrir a parte destinada a formar o novo ser. Ao macho, cuja função seria apenas produzir o líquido fertilizante, bastaria um menor consumo de energia orgânica e, portanto, um tamanho menor.

Mas a luta entre machos – luta esta que se originou de outro fator, o maior ardor dos desejos sexuais, e talvez também pelo número maior de indivíduos – em ordens superiores, desenvolveu entre eles seu tamanho e força, de modo a torná-los maiores e mais fortes, aumentando a superioridade primitiva em sua estrutura física, por conta do uso de seus órgãos e da seleção, combinada com a lei biológica, destacada por Spencer, de antagonismo, entre reprodução, crescimento e estrutura. O macho tem, em suma, um potencial de desenvolvimento superior ao da fêmea, devido à menor importância que sua participação desempenha na reprodução.

Considerando a existência, de acordo com Spencer (Principes de biologie, voi. II, p. 505 e 515), de um antagonismo entre reprodução, crescimento e estrutura, conclui-se que, entre os animais, a fertilidade está inversamente relacionada ao desenvolvimento de seu tamanho e estrutura física. Assim, nesta relação entre evolução do indivíduo e evolução das espécies, os limites de desenvolvimento e diferenciação feminina ficam restritos pelo maior consumo orgânico que as funções reprodutivas, de maior importância, exigem; enquanto que, por motivos inversos, os limites de desenvolvimento masculino são mais amplos. Assim, entende-se que, sob a influência das condições da vida do macho, embora este tenha sido inicialmente menor, acabaria se desenvolvendo mais do que a fêmea.

O macho, então, é uma fêmea aperfeiçoada e mais variável, como consequência do grande desenvolvimento de caracteres sexuais secundários, como demonstra o fato, destacado por Milne Edwards e Darwin, de que as fêmeas adultas de todo o reino animal se assemelham aos membros do sexo masculino quando jovens, isto é, quando ainda não ocorreu o desenvolvimento de seus caracteres sexuais secundários.

Ainda de acordo com Brooks, o macho é mais complexo e mais progressivo, a fêmea mais simples e mais conservadora. Quando existem condições favoráveis, a fêmea predomina; quando são desfavoráveis, os machos, devido à sua maior tendência à variação, determinam uma maior plasticidade nas espécies. Mas os cuidados próprios à maternidade também determinam as modificações no sexo feminino, como ocorre, por exemplo, com o ferrão entre os himenópteros (Revue scientifique, n. 13, 1891).

O predomínio do macho, em relação à sua estrutura, é primitivo, enquanto que em relação à sua força e tamanho é recente, originado por específicas condições que, se ausentes, fariam o macho retornar a seu estado original, com a predominância da fêmea. É claro – escreve Emery –, a regressão pode ser produzida por certas condições da vida (parasitismo, vida sedentária, ou outras condições que exijam uma rápida multiplicação de forma a se aproveitar a alimentação abundante, antes que se torne precária), e reconduzir à condição primitiva, ou seja, à predominância do sexo feminino; e, no limite, ao próprio desaparecimento do macho.


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