Uma história de fantasmas, de M. R. James

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M. R. James (1862-1936) é provavelmente o nome mais conhecido do período das histórias clássicas de fantasmas e de terror. Abandonando arcaicos do tema que o ligavam a uma estética gótica, M. R. James levou os fantasmas, em suas múltiplas manifestações, para o cotidiano das pessoas do final do século XIX e início do XX.

“O Jardim das Rosas”, que você lê a seguir, faz parte da obra “More Ghost Stories of an Antiquary” (que está em processo final de tradução e lançamento em português), provavelmente a mais conhecida de M. R. James. Neste livro estão os clássicos “Lançando as Runas” e “O Tratado Middoth”.

Apenas de aperitivo, conheça mais sobre M. R. James, lendo um de seus clássicos.


O Jardim das Rosas

O Sr. e a Sra. Anstruther tomavam seu café da manhã na sala de visitas de Westfield Hall, no condado de Essex. Estavam organizando seus planos para o dia.

“George”, disse a sra. Anstruther, “acho melhor você pegar o carro até Maldon e ver se consegue alguma dessas coisas tricotadas de que eu estava falando, para colocar na minha barraca no bazar.”

“Bem, se você quiser, Mary, claro que posso fazer isso, mas meio que me dispus a jogar uma partida com Geoffrey Williamson esta manhã. O bazar só vai ser na quinta-feira da próxima semana, é?”

“O que isso tem a ver, George? Eu deveria ter pensado que você teria adivinhado que se eu não conseguisse as coisas que eu queria em Maldon eu teria que escrever para todas as lojas na cidade: e eles certamente mandariam algo totalmente inadequado em preço ou qualidade na primeira vez. Se você realmente marcou um encontro com o Sr. Williamson, é melhor mantê-lo, mas devo dizer que acho que você poderia ter me avisado.”

“Oh não, não, não foi realmente um compromisso. Eu entendo o que você quer dizer. Eu vou. E o que você vai ficar fazendo?”

“Assim, quando o trabalho da casa está sendo feito, preciso ver o novo jardim de rosas. A propósito, antes de começar por Maldon, gostaria que você simplesmente pegasse Collins para ver o lugar que escolhi. Você sabe onde é, claro”.

“Bem, eu não tenho certeza que sim, Mary. É na parte de cima, em direção à vila?”

“Bom não, meu querido George; pensei que tinha deixado isso bem claro. Não, é a pequena clareira que sai do caminho dos arbustos e vai até a igreja.”

“Ah claro, lá onde estivemos conversando certa vez sobre construir uma casa de verão: o lugar com o antigo banco e os postes. Mas você acha que há sol suficiente lá?”

“Meu querido George, permita-me algum senso comum e não me culpe por todas as suas ideias sobre casas de veraneio. Sim, haverá muito sol quando nos livrarmos de alguns daqueles arbustos. Eu sei o que você vai dizer, e eu tenho tão pouca vontade quanto você de limpar o lugar. Tudo o que eu quero que Collins faça é limpar os bancos, postes e outras coisas antes que eu saia daqui a uma hora. E espero que você consiga sair logo. Depois do almoço, acho que continuarei com meu desenho da igreja; e, se quiser, pode ir até os links ou …”

“Ah, uma boa ideia – muito bom! Sim, você termina aquele desenho, Mary, e eu ficarei feliz em passear por aí.”

“Eu ia te dizer, acho que você poderia chamar o bispo; mas suponho que não adiante fazer qualquer sugestão. E agora se arrume, ou metade da manhã terá acabado”.

O rosto do Sr. Anstruther, que mostrara sinais de chateação, recobrou o aspecto normal. Logo ao sair da sala ouvido dando ordens pelos corredores. A sra. Anstruther, uma imponente dama de uns cinquenta verões, iniciou, após uma segunda análise das cartas da manhã, seu serviço de limpeza.

Dentro de alguns minutos, o Sr. Anstruther encontrou Collins na estufa, e estavam a caminho do local do projetado jardim de rosas. Eu não sei muito sobre as condições mais adequadas para essas construções, mas estou inclinado a acreditar que a Sra. Anstruther, embora tivesse o hábito de se descrever como “uma grande jardineira”, não havia sido bem aconselhada na escolha do local. Era uma clareira pequena e úmida, ladeada de um lado por uma trilha e, do outro, por grandes arbustos, louros e outras sempre-vivas. O chão estava quase vazio de grama e de aparência escular. Restos de assentos rústicos e um velho poste de carvalho em algum lugar perto do meio da clareira deram origem à conjectura de Anstruther de que uma casa de verão já havia sido construída ali.

Claramente, Collins não havia compreendido bem as intenções de sua patroa em relação a este plano para o terreno: e quando as descobriu a partir do Sr. Anstruther, não demonstrou qualquer entusiasmo.

“É claro que eu poderia tirar os assentos rapidamente”, disse ele. Não deixam bonito o lugar, senhor Anstruther, e estão podres também. Veja só, senhor – e ele quebrou um pedaço grande – saiu fácil. Tudo bem, limpar tudo, tenho certeza de que dá pra fezer isso”.

“E o poste”, disse Anstruther, “também precisa sair”.

Collins avançou e sacudiu o poste com as duas mãos: depois esfregou o queixo.

“Isso está firme no chão, este tal poste”, disse ele. “Isso já está aqui há vários anos, Sr. Anstruther. Duvido que eu vá conseguir tirar ele daqui tão fácil quanto os bancos”.

“Mas sua patroa deseja muito que seja tirado do caminho daqui a uma hora”, disse Anstruther.

Collins sorriu e balançou a cabeça lentamente. “Você me dá licença, senhor, mas sita por si mesmo. Não, senhor, ninguém pode fazer o que é impossível, pode, senhor? Eu poderia pegar esse poste depois da hora do chá, senhor, mas isso vai exigir que eu cave muito. O que você precisa, veja, senhor, se me der licença, você quer que o solo se solte em torno deste poste, e eu e o menino vamos levar um pouco de tempo fazendo isso. Mas agora, esses bancos aqui”, disse Collins, parecendo se apropriar dessa parte do esquema como devido à sua própria desenvoltura, “porque, eu posso pegar o pé de cabra e tirá-lo em menos de uma hora, a não ser que…”

“A não ser o que, Collins?”

“Bem, veja, não é que eu possa ir contra as ordens, assim como você também não – ou qualquer outra pessoa” (isso foi adicionado um pouco apressadamente), “mas se você me perdoar, senhor, esse não é o lugar que eu teria escolhido para colocar um jardim de rosas mesmo. Porque tem esses matos e esses folhados-comuns, porque eles podem impedir a luz de…”

“Ah, sim, mas temos que nos livrar de alguns deles, é claro.”

“Oh, de fato, vou tirar tudo! Sim, com certeza… Desculpe, senhor Anstruther…”

“Sinto muito, Collins, mas já devo ir. Eu ouço o carro na porta. Sua patroa vai explicar exatamente o que ela deseja. Eu vou dizer a ela, então, que você vai conseguir tirar os bancos essa manhã, e o poste esta tarde. Bom dia”.

Collins ficou esfregando o queixo. A Sra. Anstruther recebeu o informe com algum descontentamento, mas não insistiu em nenhuma mudança de plano.

Às quatro horas daquela tarde, ela permitira que o marido fosse para o golfe, lidara diretamente com Collins e com outros deveres do dia, e, depois de mandar uma barraca de acampamento e guarda-chuva para o local apropriado, acabara de se acomodar em seu desenho da igreja vista a partir dos arbustos, quando uma criada veio correndo pelo caminho para informar que a srta. Wilkins havia ligado.

A Srta. Wilkins era uma das poucos remanescentes da família de quem os Anstruthers haviam comprado a propriedade de Westfield alguns anos antes. Ela morava no bairro, e essa provavelmente era uma visita de despedida. “Talvez você pudesse pedir à senhorita Wilkins para se juntar a mim aqui” – disse a sra. Anstruther, e logo a srta. Wilkins, uma pessoa mais velha, se aproximou.

“Sim, deixarei Ashes amanhã e poderei dizer a meu irmão como você melhorou o lugar de forma impressionante. É claro que ele não pode deixar de lamentar um pouco sobre a velha casa – como eu também –, mas o jardim agora está maravilhoso.

“Fico feliz por ter me dito isso. Mas você não deve pensar que terminamos nossas melhorias. Deixe-me mostrar-lhe onde pretendo colocar um jardim de rosas. É perto daqui.”

Os detalhes do projeto foram apresentados à srta. Wilkins com algum detalhe; mas seus pensamentos estavam evidentemente em outro lugar.

“Sim, fabuloso”, disse ela finalmente distraída. “Mas você sabe, senhora Anstruther, temo que estivesse pensando nos velhos tempos. Estou muito feliz por ter visto este ponto lugar novamente antes de ser modificado. Frank e eu tivemos uma história e tanto neste lugar.”

“Verdade?” disse a sra. Anstruther sorrindo; “conte-me o que foi. Algo pitoresco e encantador, tenho certeza.”

“Não é tão encantador, mas sempre me pareceu curioso. Nenhum de nós jamais estava aqui sozinho quando éramos crianças, e não tenho certeza se deveria me importar com isso agora. É uma daquelas coisas que dificilmente podem ser colocadas em palavras – pelo menos por mim – e isso vai soar bastante tolo se eu não disser adequadamente. Eu posso lhe afirmar que… – bem, passamos a ter quase um horror deste lugar quando estávamos sozinhos. Estava anoitecendo em um dia muito quente de outono, quando Frank desapareceu misteriosamente nos jardins, e eu estava procurando por ele para levá-lo para tomar chá, e indo por este caminho, quando de repente eu o vi, não se escondendo entre os arbustos, como eu esperava, mas sentado no banco da velha casa de veraneio – havia uma casa de verão de madeira aqui, você sabe – no canto, dormindo, mas com um olhar tão terrível no rosto que eu realmente achei que ele ou devia estar doente ou mesmo morto. Corri até ele e o sacudi, dizendo-lhe para que acordasse; e assim que ele acordou, soltou um grito. Garanto-lhe que o pobre rapaz parecia quase fora de si, tamanho o medo. Saímos correndo para longe daquela casa, e ele ficou péssimo durante a noite toda, mal conseguindo dormir. Alguém tinha que ficar ao lado dele, se bem me lembro. Ele melhorou rapidamente, mas por dias eu não consegui convencê-lo a dizer por que ele tinha ficado daquele jeito. Finalmente ele me contou que estava realmente dormindo e havia tido um tipo de sonho muito estranho e grotesco. Ele não via muito do que estava a seu redor, mas sentia as cenas vividamente. Primeiro ele percebeu que estava em uma sala grande com várias pessoas, e que alguém estava defronte a ele, alguém que era ‘muito poderoso’, e lhe faziam perguntas que ele considerava muito importantes e, sempre que ele respondia, alguém – tanto a pessoa oposta a ele quando uma outra pessoa na sala – parecia estar, como ele disse, tramando alguma coisa contra ele. Todas as vozes soavam muito distantes, mas ele se lembrava de algumas coisas que foram ditas: ‘Onde você estava no dia 19 de outubro?’ e ‘esta é sua caligrafia?’ e assim por diante. Percebo agora, é claro, que ele estava sonhando com algum julgamento: mas jamais nos permitiam ler jornais, e era estranho que um menino de oito anos tivesse uma ideia tão vívida do que acontecia em um tribunal. O tempo todo ele sentia, segundo me disse, uma intensa ansiedade, além de opressão e desesperança (embora eu não suponha que ele tenha me dito exatamente essas palavras). Então, depois disso, houve um intervalo em que ele se lembrava estar terrivelmente inquieto e infeliz, e então surgiu uma situação diferente, em que ele percebeu que saíra de casa numa manhã escura com um pouco de neve. Era em uma rua, ou pelo menos entre casas, e ele sentia que havia várias e várias pessoas lá também, e que ele foi levado por alguns degraus de madeira que rangia e chegou a uma espécie de plataforma, mas a única coisa que ele conseguia realmente ver era um pequeno fogo queimando em algum lugar perto. Alguém que estava segurando o braço dele o segurou e foi em direção a esse fogo, e então ele contou do medo que sentia foi pior do que em qualquer outra parte de seu sonho, e se eu não o tivesse acordado ele não sabia o que teria acontecido. Um sonho curioso para uma criança ter, não é? Bem, foi isso. Deve ter sido no final do ano em que Frank e eu estávamos aqui, e eu estava sentada sob a pérgola quase ao pôr do sol. Notei que o sol estava se pondo e disse a Frank para entrar e ver se o chá estava pronto, enquanto eu terminava um capítulo no livro que estava lendo. Frank já tinha ido há algum tempo e a luz estava desaparecendo tão rápido que eu tive que dobrar o meu livro para ler. De repente, meio veio a nítida impressão de que alguém estava cochichando para mim de dentro da pérgola. As únicas palavras que consegui entender, ou achei que entendia, eram algo como ‘puxe, puxe. Eu vou empurrar, você puxa’”.

“Eu comecei a me assustar. A voz – era pouco mais do que um sussurro – soava tão rouca e zangada, e no entanto como se viesse de muito longe – assim como no sonho de Frank. Mas, apesar de estar assustada, tive coragem suficiente para olhar em volta e tentar entender de onde vinha o som. E – isso parece muito bobo, eu sei, mas foi assim que aconteceu – eu me certifiquei de que ficava mais forte quando colocava o meu ouvido em um antigo poste que fazia parte do banco. Eu estava tão certa disso que me lembro de fazer algumas marcas no poste – tão fundas quanto eu conseguia com a tesoura do meu carrinho de trabalho. Eu não sei por quê. Fico me perguntando, aliás, se esse não é o mesmo poste… Bem, sim, pode ser: há marcas e arranhões nele – mas não se pode ter certeza. De qualquer forma, era exatamente igual a poste que você tem aí. Meu pai ficou sabendo que nós dois tínhamos tomado um susto no jardim, e ele foi até lá uma noite depois do jantar, e logo depois disso a pérgola foi derrubada. Lembro-me de ouvir meu pai falando a esse respeito para um homem velho que costumava fazer diferentes trabalhos por aqui, e o velho dizendo: ‘Não tenha medo por isso, senhor: ele é rápido o suficiente lá dentro, contanto que ninguém deixe ele sair’. Mas quando perguntei quem era, não consegui uma resposta satisfatória. Talvez meu pai ou minha mãe tivessem me contado mais sobre isso quando eu cresci, mas, como você sabe, os dois morreram quando ainda éramos crianças. Devo dizer que sempre pareceu muito estranho para mim, e muitas vezes perguntei às pessoas mais velhas da vila se elas sabiam de algo estranho assim: mas ou elas não sabiam de nada ou não me contavam. Minha querida, como tenho te entediado com minhas lembranças infantis! Mas, de fato, aquele jardim tomou todos os nossos pensamentos por um tempo. Você pode imaginar o tipo de histórias que inventamos para nós mesmos. Bem, querida Sra. Anstruther, devo ir agora. Vamos nos encontrar na cidade neste inverno, espero, não é mesmo? etc etc.”

O banco e o poste foram retirados e desenraizados, respectivamente, naquela noite. O clima do fim do verão é proverbialmente traiçoeiro e, durante o jantar, a sra. Collins mandou pedir um pouco de conhaque, porque o marido sofrera um calafrio desagradável e temia que não pudesse fazer muita coisa no dia seguinte.

As reflexões matutinas da sra. Anstruther não estavam totalmente em paz. Ela tinha certeza de que alguns marginais haviam entrado na plantação durante a noite. “E outra coisa, George: no momento em que Collins estiver por aí novamente, você deve dizer a ele para fazer algo sobre as corujas. Eu nunca ouvi nada parecido, e tenho certeza de que uma delas veio e ficou em algum lugar do lado de fora da nossa janela. Se tivesse visto ela, eu teria ficado enlouquecida: devia ser um pássaro muito grande, considerando o barulho. Você não ouviu? Não, claro que não, você estava dormindo, como de costume. Ainda assim, devo dizer, George, não parece que a noite lhe fez muito bem.”

“Minha querida, eu me sinto completamente destruída. Você não tem ideia dos sonhos que eu tive. Eu não podia falar deles quando acordei, e se este quarto não fosse tão claro e ensolarado, eu teria medo de pensar neles agora mesmo.”

“Bem, realmente, George, isso não é muito comum para você, devo dizer. Será que você tomou… – não, você só tomou a mesma que eu ontem – a menos que você tenha tomado chá naquele clube infeliz: tomou?”

“Não, não; nada além de uma xícara de chá, pão e manteiga. Eu realmente gostaria de saber como cheguei a construir meu sonho – como eu suponho que os sonhos são criados, a partir de um monte de pequenas coisas que a pessoa viu ou leu. Veja, Mary, posso te contar – se isso não te aborrecer…”

“Eu gostaria de ouvir, George. Eu lhe direi quando estiver aborrecida.”

“Certo. Devo lhe dizer que de certa forma não foi como outros pesadelos, porque eu realmente não vi ninguém que falou comigo ou me tocou, e ainda assim fiquei mais impressionado com a realidade de tudo. Primeiro eu estava sentado, não, andando por aí, em um tipo antiquado de sala forrada em madeira. Eu lembro que havia uma lareira e muitos papéis queimados, e eu estava em um grande estado de ansiedade com alguma coisa. Havia outra pessoa – um servo, suponho, porque lembro de ter dito a ele: ‘Cavalos, o mais rápido que puder’, e depois eu esperava um pouco: e depois ouvia várias pessoas andando e um ruído como esporas em um assoalho, e então a porta se abriu e o que quer que eu estivesse esperando aconteceu.”

“Sim, mas o que era?”

“Veja você, eu não saberia responder: foi um tipo de choque que perturba você em um sonho. Você acorda ou então tudo fica preto. Isso foi o que aconteceu comigo. Então eu estava em uma grande sala de paredes escuras, de madeira, penso, como a outra, e várias pessoas, e eu estava evidentemente…”

“Em seu julgamento – não seria isso, George?”

“Exato! Sim, Maria, eu estava; mas você sonhou isso também? Que estranho!”

“Não não; Eu não dormi o suficiente para isso. Vá em frente, George, e lhe conto depois.”

“Sim; bem, eu estava sendo julgado, pela minha vida, não tenho dúvida, do estado em que estava. Não tinha ninguém falando por mim e, em algum lugar, havia um sujeito muito ameaçador – em um banco, eu tenho que dizer, só que ele parecia estar me acusando de forma injusta, distorcendo tudo que eu dizia e fazendo as perguntas mais abomináveis.”

“Sobre o quê?”

“Assim, em quais datas em eu estava em determinados lugares, cartas que eu deveria ter escrito, por que eu tinha destruído alguns papéis; e lembro-me dele rindo das respostas que fiz de uma maneira que me assustou bastante. Não parece muito, mas posso te dizer, Mary, foi realmente horrível naquele momento. Tenho certeza de que já existiu um homem assim, que monstro terrível ele teria sido. As coisas que disse…”

“Obrigada, eu não tenho vontade de ouvi-las. Eu posso juntar os pontos eu mesma. Como tudo acabou?”

“Oh, contra mim; sem dúvida. Eu gostaria, Maria, de conseguir lhe dar uma ideia da tensão que me veio depois disso, e que me pareceu durar dias: esperar e esperar, e às vezes escrever coisas que eu sabia serem extremamente importantes para mim, e esperar por respostas que nunca viam, e depois disso eu saí …”

“Ah!”

“O que te faz dizer isso? Sabe quais as coisas que eu vi?”

“Era um dia frio e escuro, neve nas ruas e um fogo aceso em algum lugar perto de você?”

“Por Deus, foi! Você teve o mesmo pesadelo! Foi isso, não? Pois tudo isso é muito estranho! Sim; não tenho dúvidas de que foi uma execução por alta traição. Eu sei que estava deitado sobre palhas e me sacudiram muito fortemente, e então tive que subir alguns degraus, e alguém estava segurando meu braço, e eu lembro de ter visto um pedaço de uma escada e ouvido o barulho de muitas pessoas. Eu realmente não acho que conseguiria suportar agora entrar em um lugar com tal multidão de pessoas e ouvir o barulho que elas faziam ao falar. No entanto, felizmente, não cheguei até o fim de tudo. O sonho passou com uma espécie de trovão dentro da minha cabeça. Mas Mary…”

“Eu sei o que você vai perguntar. Imagino que isso seja um exemplo de um tipo de leitura de pensamento. A Srta. Wilkins ligou ontem e me contou sobre um sonho que seu irmão teve quando criança, quando moravam aqui, e algo sem dúvida me fez pensar nisso quando eu estava acordada na noite passada ouvindo aquelas corujas horríveis e aqueles homens conversando e rindo entre os arbustos (a propósito, eu gostaria que você visse se eles estragaram alguma coisa, e fale com a polícia sobre isso); e assim, suponho, do meu cérebro deve ter entrado no seu enquanto você dormia. Curioso, sem dúvida, e lamento que isso lhe tenha provocado uma noite tão ruim. É melhor você estar tão descansado quanto puder hoje”.

“Ah, mas agora está tudo bem; acho que vou até o clube e ver se consigo jogar alguma coisa com alguém. E você?”

“Já tenho muito que esta manhã; e esta tarde, se não for interrompida, tenho o meu desenho”.

“Sem dúvida – estou ansioso para vê-lo”

Nenhum dano foi encontrado nos arbustos. Anstruther pesquisou com ligeiro interesse o local do jardim de rosas, onde o poste desencavado ainda estava lá e o buraco que ele ocupava permanecia vazio. Collins, quando perguntado, afirmou estar melhor, mas esta incapaz de comparecer ao trabalho. Ele tinha esperança, como mandou dizer por meio de sua esposa, de que não tivesse feito nada de errado limpando as coisas. A Sra. Collins acrescentou que havia muitas pessoas fofoqueiras em Westfield, e deu sua opinião de quais eram as piores: aquelas que julgavam viver na paróquia mais do que qualquer um. Mas quanto ao que elas disseram, nada mais poderia ser dito além do fato de que haviam perturbado Collins, e era tudo um monte de bobagens.

Recrutada para o almoço e após um breve período de sono, a sra. Anstruther acomodou-se confortavelmente em sua cadeira de desenho no caminho que conduzia pelos arbustos até o portão lateral do adro da igreja. Árvores e edifícios estavam entre seus temas favoritos, e aqui ela tinha bons estudos de ambos. Ela trabalhava arduamente, e o desenho estava se tornando uma coisa realmente agradável de se ver quando as colinas arborizadas a oeste tapavam o sol. Ainda assim ela teria perseverado, mas a luz mudou muito rapidamente, e ficou óbvio que os últimos retoques deveriam ser dados no dia seguinte. Ela se levantou e começou a caminhar em direção à casa, parando por um tempo para se deliciar com o céu límpido e verde do oeste. Então ela passou entre os arbustos e, em um ponto pouco antes do caminho que dava para o gramado, ela parou mais uma vez e apreciou a tranquila paisagem da noite, e fez uma anotação mental de que deveria ser a torre de uma das igrejas de Roothing que se destacava na paisagem do horizonte. Então, um pássaro (talvez) fez um barulho no arbusto à sua esquerda, e ela se virou e começou a ver o que a princípio pareceu ser uma máscara de Cinco de Novembro[1] aparecendo entre os galhos. Ela olhou mais de perto.

Não era uma máscara. Era um rosto grande, suave e rosa. Ela se lembra das minúsculas gotas de transpiração que apareciam na testa: ela lembra como as mandíbulas estavam bem barbeadas e os olhos fechados. Ela se lembra também, e com uma precisão que torna o pensamento intolerável para ela, como a boca estava aberta e um único dente aparecia abaixo do lábio superior. Quando ela olhou, o rosto recuou para a escuridão do mato. O abrigo da casa foi alcançado e a porta foi fechada antes que ela desmaiasse.

O Sr. e a Sra. Anstruther estiveram por uma semana ou mais em Brighton antes de receberem uma circular da Sociedade Arqueológica de Essex, questionando-se se possuíam certos retratos históricos que desejavam incluir em uma futura obra sobre Retratos de Essex, a ser publicada sob os auspícios da Sociedade. Na carta anexa do Secretário, estava a seguinte passagem: “Estamos especialmente ansiosos para saber se vocês possuem o original da gravura da qual envio uma fotografia. Ela representa o Senhor —————, Lorde Presidente da Suprema Corte de Carlos II, que, como sem dúvida sabem, após ter sido desgraçado passou seus últimos dias em Westfield, e supostamente morreu de tristeza. Pode ser interessante mencionar que uma curiosa anotação foi encontrada recentemente nos registros, não de Westfield, mas dos Priores de Roothing, em que se afirma que a paróquia ficou tão perturbada após sua morte que o reitor de Westfield convocou os pastores de toda Roothings para virem sepultá-lo; e foi o que fizeram. A anotação termina dizendo: “A estaca está em um campo adjacente ao adro da igreja de Westfield, no lado oeste”. Talvez você possa nos informar se alguma tradição nesse sentido é verdadeira em sua paróquia.

Os incidentes que a “fotografia em anexo” evocou produziram um impressionante na sra. Anstruther. Ficou decidido que ela deveria passar o inverno no exterior.

O Sr. Anstruther, quando desceu a Westfield para tomar as providências necessárias, obviamente contou sua história ao reitor (um velho cavalheiro), que não demonstrou nenhuma surpresa.

“Realmente consegui montar, para mim mesmo, aquilo que deve ter acontecido, tanto a partir da conversa de pessoas mais velhas e em parte pelo que vi em seu terreno. Claro que sofremos até certo ponto também. Sim, foi ruim no começo: como corujas, como você diz, e por vezes como homens falando. Em uma noite era neste jardim, e em outras em várias das casas. Mas ultimamente tem havido muito pouco: acho que vai morrer. Não há nada em nossos registros, exceto o registro do enterro, e o que eu por um longo tempo considerei ser o lema da família: mas da última vez que eu o li, notei que tinha sido adicionada algumas letras a mão com as iniciais de um de nossos reitores do final do século XVII: A. C. – Augustine Crompton. Aqui está, veja vê – quieta non movere. Eu imagino… Bem, é muito difícil dizer exatamente o que eu imagino.”


[1] Também conhecida como Máscara de Guy Fawkes (N. do T.).

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