Funções Sociais e Instituições: Contribuições de Émile Durkheim ao L’Année Sociologique

Você irá ler, a seguir, um capítulo da obra “Funções Sociais e Instituições”, de Émile Durkheim. Caso deseje conhecer mais, ou adquirir a obra completa, clique na imagem da capa abaixo.

Origem do casamento na espécie humana segundo Westermarck[1]

As publicações sociológicas muitas vezes consistem em construções puramente dialéticas, vazias de qualquer conteúdo, para que não saudemos com entusiasmo o interessante trabalho de Westermarck[2] sobre as origens do casamento, que o Varigny traduziu recentemente do inglês para o francês. Enquanto vemos com muita frequência sociólogos improvisados ​​decidindo as questões mais elevadas da ciência sem nunca terem adquirido, por meio de pesquisas específicas, a prática direta dos fatos sociais, Westermarck só abordou o assunto particular que trata após reunir uma massa impressionante de documentos, muitos dos quais inéditos. Ele não baseia a tese que tenta estabelecer em uma generalidade filosófica específica, mas sim em observações que se esforçou por multiplicar o máximo possível. Portanto, seu livro nos parece ser um exemplo útil em uma época em que a crescente e talvez exageradamente rápida moda dos estudos sociológicos está gerando vocações apressadas por todos os lados, tornando-se muitas vezes indiferentes a qualquer cautela científica devido à impaciência pelo sucesso, o desejo de responder imediatamente às demandas e preocupações da multidão.

No entanto, embora não possamos elogiar o suficiente neste trabalho a abundância de informações, o grande espírito de sinceridade que inspira toda a pesquisa, e a independência de julgamento, a metodologia pela qual os fatos assim reunidos são elaborados está longe de nos parecer tão irrepreensível. Na verdade, ela se afasta tanto daquela que tivemos a oportunidade de aplicar a esta questão do casamento e da família, durante um estudo ainda inédito, que nos é impossível aceitar a maioria das proposições às quais o autor chega. Portanto, é neste ponto, antes de tudo, que é necessário esclarecer.

I

O que caracteriza em primeiro lugar o método de Westermarck é que ele é essencialmente etnográfico e psicológico. Das duas fontes das quais o sociólogo pode extrair, os monumentos da história e os relatos dos viajantes, Westermarck se priva quase completamente da primeira. Esta não lhe parece útil para resolver questões de origem a menos que se submeta sistematicamente a buscar, nas instituições históricas, as sobrevivências de um passado mais remoto, e tal busca lhe parece, não sem razão, repleta de perigos. Ele argumenta que devemos explicar como rudimentos sociais apenas o que não pode ser explicado de outra forma; portanto, é necessário tentar outra explicação em primeiro lugar e, para obtê-la, é preciso recorrer não à história, mas à etnografia. Somente com documentos diretamente extraídos da vida dos primitivos podemos encontrar as formas primitivas da organização social.

No entanto, o autor reconhece que, por si só, os fatos etnográficos não podem ser completamente suficientes para essa tarefa. Para poder separar aqueles que se referem às primeiras etapas da humanidade daqueles que apareceram apenas mais tarde, é necessário ter, primeiro, “algum conhecimento sobre a antiguidade do homem” (p. 6), ou seja, ter uma noção do que o homem era no início de sua evolução. Essa noção Westermarck obtém, sem hesitação e quase sem crítica, do darwinismo. “A ciência moderna”, ele diz, “nos ensina que os primeiros seres que mereceram o nome de homens eram provavelmente descendentes, gradualmente transformados, de algum ancestral com rosto de macaco. Além disso, podemos afirmar com certeza que todas as qualidades físicas e psíquicas que o homem, em seu estado atual, compartilha com seus parentes mais próximos entre os animais inferiores, também surgiram nas etapas mais antigas da civilização humana.” Nessas condições, o sociólogo é necessariamente levado a atribuir ao fator psicológico um papel preponderante no desenvolvimento coletivo. Pois admitir que os documentos etnográficos, para serem compreendidos, precisam ser relacionados à natureza primitiva do homem, e até mesmo que esta pode ser reconstituída com o que sabemos das espécies animais superiores, é assumir como um axioma óbvio que nossa constituição psíquica e até nossa natureza animal, ou seja, a parte de nós mesmos que depende mais imediatamente de condições orgânicas, é a fonte eminente da vida social. Aliás, isso é explicitamente declarado pelo autor. Ele lamenta que os sociólogos tenham negligenciado esses tipos de causas e considera que a principal originalidade de seu livro é restituir-lhes a importância que merecem.

Demonstramos em nosso trabalho sobre as Regras do Método Sociológico quais são, em nossa opinião, as desvantagens de tal procedimento. A insuficiência das informações fornecidas pela etnografia é reconhecida pelo próprio autor. Isso ocorre porque nos povos que conhecemos apenas dessa maneira, o direito existe apenas como costume; é singularmente difícil alcançar uma prática coletiva quando ela ainda não atingiu a consciência de si mesma e não se expressa em fórmulas definidas. Mas essas dificuldades são ainda maiores quando se trata de fatos vitais e profundos como os que dizem respeito à estrutura da sociedade doméstica; pois, precisamente porque estão na raiz da vida social, escapam à consciência comum e, por conseguinte, são bastante difíceis de serem percebidos por um observador que os vê apenas exteriormente. Como ele só compreende a expressão mais superficial, está propenso a não entender seu significado e, consequentemente, a distorcê-los. Como separar, com apenas um olhar casual, o fato do direito, no qual o direito ainda não se consolidou separadamente do fato que ele rege? É assim que às vezes se é levado a transformar algumas anedotas isoladas em regras jurídicas. Westermarck acredita que a quantidade de informações pode compensar a qualidade medíocre e que, para escapar a todos esses riscos de erro, é necessário, mas não suficiente, consultar “trabalhos volumosos” de etnografia (p. 4). Acreditamos, ao contrário, que na sociologia, como em outras ciências, a quantidade de observações é secundária; não é acumulando-as que as purificamos de seu vício original, se foram feitas em condições ruins, e não se obtém a verdade tirando a média de um grande número de erros e decidindo com base na maioria. O que importa, acima de tudo, é ter fatos bem estabelecidos e demonstrativos, cruciais, como disse Bacon, mesmo que sejam, de outra forma, poucos.

Além disso, as sociedades inferiores, por mais modestas que sejam, não surgiram do nada. Todas têm uma história; algumas já estavam em decadência na época em que foram observadas pela primeira vez. Como saber o que é primitivo e o que não é, o que é um vestígio do passado e o que é devido, ao contrário, a uma regressão mais ou menos recente? O método recomendado por Westermarck não é apenas um paliativo ineficaz; é uma nova fonte de erros, adicionada às outras. Primeiro, basear a sociologia no darwinismo é estabelecer a ciência sobre uma hipótese; o que vai contra qualquer método válido. Não é invocando uma opinião, em suma, duvidosa, que se pode resolver dúvidas tão graves. Em segundo lugar, não é de modo algum evidente que as qualidades que o homem atual possui em comum com as espécies animais superiores sejam contemporâneas da humanidade. O desenvolvimento zoológico não é linear. Não apenas adiciona novas características às adquiridas; entre estas últimas, algumas desaparecem em determinado momento da evolução para reaparecer mais tarde, dependendo das condições em que se baseiam. As habilidades sociais das abelhas e das formigas são muito superiores às de alguns mamíferos. Os macacos são polígamos, enquanto carnívoros, cuja organização mental é muito mais modesta, praticam a monogamia. Portanto, é feita uma indução muito suspeita quando, por exemplo, como faz o autor, vê-se no ciúme sexual um sentimento inato à natureza humana, apenas porque é comum ao macaco e ao civilizado.

É somente ao aproximar os fatos etnográficos dos fatos históricos que podemos eliminar a ambiguidade dos primeiros. Devido ao fato de uma prática ser observada em um certo número de tribos atrasadas ou consideradas como tais, não se tem o direito de concluir que ela é primitiva. Mas isso não é mais o caso se a encontrarmos na base de práticas similares que foram sucessivamente estabelecidas ao longo da história. Pode-se ter certeza de que é primordial, se puder ser mostrado que tudo o que veio depois dela é derivado dela. É a encadeamento causal dos fatos que melhor manifesta sua ordem de sucessão; e para estabelecê-lo, é necessário sair das sociedades inferiores e da etnografia. É também por meio dessa comparação que é possível distinguir entre a multidão confusa de informações díspares que entulham os trabalhos etnográficos, não confundindo o secundário com o essencial e os detalhes curiosos com os fatos fundamentais. Pois apenas o que desempenhou um papel e produziu consequências no decorrer da evolução é importante e merece atenção. A fecundidade dos costumes é o que testemunha sua importância, e essa fecundidade só pode ser revelada pela história. Portanto, a história traz mais luz à etnografia do que recebe dela; por que, de qualquer forma, essas duas fontes de informações não podem ser consultadas separadamente.

Quanto à inadequação do método que consiste em explicar o social pelo psicológico, sem voltar às razões gerais que já demos em outro lugar, isso decorre até mesmo de uma confissão do próprio autor. Na verdade, as únicas causas psicológicas que se pode invocar aqui são os instintos; e, de fato, Westermarck afirma que “os simples instintos desempenharam um papel muito importante na origem das instituições e leis sociais” (p. 5). Portanto, explicar o casamento pelo instinto sexual, as regras proibitivas do casamento entre parentes pelo horror instintivo ao incesto, o poder paternal pelo amor paternal, o progresso pelo instinto de progresso etc., é explicar os efeitos soporíferos do ópio pela sua virtude sonífera, é multiplicar infinitamente e sistematicamente as faculdades irredutíveis. Tais explicações equivalem, na realidade, a recusas de explicação. Além disso, como não ser impressionado com o contraste entre a generalidade e a simplicidade dos sentimentos que são colocados como base da vida doméstica e a grande diversidade, a extrema complexidade das formas que a organização social da família apresenta? O amor materno era o mesmo entre os romanos e os germânicos; e, no entanto, na família romana, a mãe não é legalmente parente de seus filhos. Não temos razões para acreditar que o amor paterno fosse desconhecido dos Iroqueses, e no entanto o pai era legalmente um estrangeiro para seus próprios descendentes. Mesmo onde a autoridade paterna está estabelecida, como varia de acordo com os povos! É verdade que essa variedade de tipos familiares não foi suficientemente percebida pelo nosso autor; a evolução doméstica, como ele a concebe, é um tanto monótona e uniforme; as mudanças teriam se limitado a pontos secundários. Mas é precisamente essa a mais grave lacuna dessas conclusões; teremos que retornar a este ponto. As confusões e erros aos quais o autor foi levado pelo uso desses métodos foram ainda facilitados e ampliados pela insuficiente atenção que ele dedicou para determinar o objeto de suas pesquisas. Os conceitos essenciais que ele trata não são constituídos com método ou simplesmente não são constituídos. Por força das circunstâncias, a todo momento neste livro se fala de família, clã, tribo, parentesco, casamento etc. No entanto, em nenhum lugar é dito o que se deve entender por família, onde ela começa e onde termina, o que a distingue do clã e o que diferencia o clã da tribo; também não sabemos com precisão o que significa o termo parentesco, se ele se confunde com a consanguinidade ou não etc. Essas expressões são constantemente usadas com o sentido que o vulgo atribui a elas; no entanto, nada é mais vago e ambíguo como a acepção comum na qual elas são tomadas. Para a linguagem comum, um parente é um consanguíneo; e no entanto, ainda assim chamamos de parentes pessoas que não têm nenhum vínculo de sangue e vice-versa. O termo casamento, é verdade, não é deixado pelo autor no mesmo estado de indeterminação. Mas a definição que nos é proposta, construída em algumas linhas e como de passagem, é completamente ideológica. Westermarck enuncia o que entende por casamento, a ideia, mais ou menos definida, que ele pessoalmente atribui a essa palavra; mas ele não busca constituir sob essa rubrica uma categoria de fenômenos sociais, apresentando uma unidade de natureza e distinta de qualquer outra. Veremos em breve a que equívocos ele foi assim conduzido. Com esses princípios estabelecidos, entenderemos mais facilmente por quais razões não podemos concordar com sua tese fundamental.

II

Essa tese é, em suma, apenas um retorno à antiga opinião de que o casamento teria existido desde o início da humanidade. A família primitiva teria sido, portanto, formada desde o início na forma que apresenta hoje. Desde o princípio, consistiria em um pequeno grupo de indivíduos, descendentes de um mesmo casal atualmente vivo, sendo o pai o chefe e protetor. Os grandes agregados sociais só teriam se formado posteriormente pela união de várias famílias originalmente independentes. O autor empreende demonstrar essa teoria: 1° com base em considerações e inferências retiradas da evolução zoológica; 2° pela comparação de documentos etnográficos; 3° por uma análise crítica dos argumentos que foram invocados em apoio à opinião contrária.

O primeiro conjunto de provas consiste em mostrar que, quanto mais alto se sobe na escala animal, mais tempo as uniões sexuais sobrevivem ao acasalamento e até mesmo ao nascimento dos filhotes. Especificamente entre os macacos, observa-se verdadeiras famílias formadas por um macho, uma ou várias fêmeas e os filhotes. Assim, “o casamento é apenas uma união mais ou menos duradoura entre o macho e a fêmea, uma união que dura além do ato de reprodução e do nascimento da prole”. Portanto, pode-se dizer que já existe entre os vertebrados superiores. Como resultado, os seres humanos não tiveram que instituí-lo; eles o receberam pronto de seus predecessores na série animal. É uma herança “de algum ancestral semelhante ao macaco”. Portanto, as causas pelas quais Westermarck explica isso são todas físicas. O casamento seria “devido a algumas peculiaridades do organismo”; seria devido à ação do instinto sexual, desenvolvido sob a influência da seleção natural. Na verdade, quanto mais sofisticada e delicada se torna a organização animal, mais o cuidado com os filhotes exigirá atenção e prolongamento; pois só podem se sustentar por um período posterior. Portanto, as espécies superiores só podem se manter se os dois pais não se separarem imediatamente após o acasalamento, e quanto mais estreita e duradoura for a associação, maior será a chance de sobrevivência. Nesse aspecto, os interesses dos seres humanos eram idênticos aos dos outros mamíferos. Mesmo depois que a humanidade se tornou carnívora, o casamento se tornou muito mais essencial do que para os macacos antropoides; pois, como é o homem que caça, a presença e a contínua colaboração do macho tornaram-se necessárias para garantir a subsistência dos jovens. Não nos deteremos em mostrar o que, em todo caso, essa explicação tem de incompleto e insatisfatório. Na melhor das hipóteses, pode-se mostrar dessa forma como o casamento (ou o que é assim chamado) se mostrou útil, uma vez que surgira, não como surgiu. Pois certamente não se pretende dizer que a antecipação dos benefícios que as sociedades sexuais de certa duração tiveram para a espécie pode ter levado os animais a adotar tal arranjo. A espécie é uma abstração, um ser de razão, do qual o animal não tem ideia e cujos interesses, portanto, o deixam indiferente. Assim, mesmo que seja estabelecido que o casamento seja tão antigo quanto a humanidade ou até mais antigo que ela, ainda seria necessário procurar outra origem além daquela atribuída a ele por um darwinismo muito simples. Mas seria verdade que a zoologia nos obriga a atribuir tal antiguidade a ele?

Em primeiro lugar, pode-se observar que todo o argumento se baseia no princípio de que, quando uma característica é observada em dois momentos diferentes da evolução biológica, deve-se admitir que ela se manteve no intervalo sem interrupção. No entanto, como demonstramos anteriormente de maneira geral, toda essa proposição é questionável; além disso, dos próprios fatos citados por Westermarck, conclui-se que, no caso particular do casamento, ela é ainda mais suspeita do que em outros lugares. De fato, ele é obrigado a reconhecer que as uniões sexuais apresentam entre as aves um grau muito maior de consistência do que entre a maioria dos mamíferos. Apenas entre os primatas, ele encontra sociedades conjugais de alguma estabilidade. Mas então, se elas desaparecem ao passarmos das aves para os mamíferos inferiores, nada nos garante que não tenham sofrido um novo eclipse temporário durante as transformações das quais surgiu a primeira humanidade, mas para reaparecer posteriormente. A hipótese é tanto mais legítima quanto, mesmo entre os macacos, está longe de ser uniforme a conduta matrimonial. Ela varia com as condições de existência. Que autoridade pode ter uma inferência cuja base é tão conjectural?

Mas há mais. O cerne do raciocínio reside em uma definição arbitrária do casamento; e, como essa definição lança peso sobre todo o restante do trabalho, é importante examiná-la cuidadosamente. Westermarck parte do pressuposto de que o casamento é uma união que dura mais do que o simples encontro sexual. Se esta é apenas uma definição de palavras, ela é livre e não há necessidade de discuti-la: cada um pode entender por casamento o que quiser, desde que se explique. Mas, na realidade, não pode haver aqui senão uma definição de coisas; trata-se de saber qual é a espécie de coisas, a porção do real que o autor se propõe a estudar. No entanto, um grupo de coisas não se constitui arbitrariamente, pois depende das características do objeto. Não se pode, à vontade, classificar e reunir sob uma mesma rubrica fatos díspares cuja união não apresenta nenhuma unidade, pelo menos se quisermos determinar exatamente sobre o que estamos tratando. Este é, no entanto, o grave defeito da definição proposta. A humanidade, de fato, conhece dois tipos de sociedades sexuais, tão diferentes entre si que afetam a consciência moral das sociedades em direções opostas: é a união livre, duradoura ou não, o concubinato, se quiserem, e o casamento legal e regular. O que os distingue é que um é simplesmente um estado de fato que a lei, escrita ou costumeira, não reconhece nem sanciona, enquanto o outro, pelo simples fato de existir, cria entre as partes que o compõem obrigações jurídicas, ou seja, direitos e deveres aos quais estão ligadas sanções organizadas. Aos olhos da lei, os membros do primeiro grupo não devem nada uns aos outros, enquanto não se pode entrar no segundo sem se ver envolvido em uma rede de laços legais, mais ou menos extensa dependendo dos povos. É evidente que dois conjuntos de fatos tão opostos, já que um é tão altamente aprovado pela moral pública quanto o outro é reprovado, não podem ser classificados em uma única categoria, reunidos sob um único nome, considerados como um único objeto de pesquisa. Seria condenar-se a nunca saber sobre o que se está falando. Pois, ou bem, enganado por essa confusão, se acreditará poder estender a uma dessas sociedades o que foi estabelecido apenas para a outra, pelo simples fato de que ambas são designadas pelo mesmo nome; ou, se procurar levar em conta igualmente as propriedades de uma e outra, não se poderá encontrar, para expressar uma natureza tão contraditória e artificial, senão uma fórmula também ela artificial e contraditória. Ora, voltemos à proposição do nosso autor: esses dois tipos de práticas não aparecem diferenciados. Sem dúvida, as uniões regulamentadas sempre se estendem além do breve momento em que os sexos se aproximam; mas é frequentemente o caso de que as uniões livres têm a mesma duração sem se tornarem casamentos regulares por isso. Amantes que permanecem unidos por toda a vida não são necessariamente esposos. É porque ele confundiu esses dois tipos de sociedades sexuais que Westermarck pôde acreditar que havia estabelecido suficientemente que a segunda existia desde tempos imemoriais, quando os fatos em que se baseia sua demonstração se referem exclusivamente à primeira.

Vamos admitir, de fato, que as uniões sexuais se tornem cada vez mais duradouras à medida que avançamos na escala animal; vamos admitir ainda que uma característica adquirida não seja suscetível de desaparecer, mas apenas de crescer e se desenvolver cada vez mais. Então, podemos concluir que, entre os seres humanos, houve desde sempre uniões estáveis entre os sexos, mas não uniões reguladas; pois estas últimas são completamente desconhecidas nos animais. Encontramos sociedades conjugais que duram um tempo considerável; nenhuma delas é obrigada a durar esse tempo sob a ameaça de sanções determinadas. O macho e a fêmea têm o hábito de permanecer juntos e se ajudar, mas não são de forma alguma obrigados a isso. Acima dos casais assim formados, não há regras que estabeleçam os deveres de cada um, nem autoridade que faça respeitar essas regras e os direitos que elas conferem. Um dos sujeitos associados dessa maneira pode, se for o mais forte, impor sua vontade ao outro ou aos outros, mas essa superioridade material de um indivíduo é um estado de fato, não de direito. Não há nada de jurídico nisso; não é garantido pela coletividade; não estão ligadas a ele sanções sociais. Se, portanto, para a clareza das ideias, reservarmos o nome de casamento para as uniões reguladas, devemos dizer que não há casamentos no mundo animal, exceto por metáfora. Portanto, a zoologia não tem nada a nos ensinar sobre as origens do casamento nesse sentido. E no entanto é claro que, quando falamos do casamento humano para investigar suas causas, é assim que o entendemos. O que estamos considerando não é a duração do comércio sexual, mas a regulamentação à qual ele agora é obrigado a obedecer; pois é isso que constitui a grande novidade que só aparece com a humanidade. O que estamos perguntando não é de onde vem o fato de que os sexos, em nossa espécie, coabitam mais ou menos tempo juntos, mas como é que, pela primeira vez, sua coabitação, em vez de ser livre, é agora submetida a regras imperativas pelas quais a sociedade circundante, clã, tribo, cidade etc., proíbe a violação. É isso que torna as origens do casamento uma questão. Especialmente, é apenas sob esse aspecto que as relações sexuais interessam ao sociólogo: pois é somente quando assumem essa forma que se tornam uma instituição social. As considerações que Westermarck retira da história natural, portanto, não oferecem nenhuma solução para o problema que ele próprio coloca, e, como a confusão que ele assim cometeu é fundamental, pode-se prever que ela não afeta apenas esse argumento particular, mas todo o conjunto de sua doutrina.

Quanto às provas de ordem etnográfica, elas não são conclusivas por outras razões. Em primeiro lugar, sobre os fatos que ele cita, Westermarck sabe muito bem que fatos opostos foram apresentados; que observadores igualmente dignos de confiança não conseguiram encontrar em certas sociedades o menor vestígio de casamento. Westermarck não dá crédito algum aos segundos, com base nas dificuldades que apresentam esse tipo de observações; mas a mesma razão diminui consideravelmente a autoridade dos primeiros. Se é fácil para um viajante deixar escapar características distintivas, ele também pode atribuir aos fatos que o impressionam, mas que ele não estudou de perto o suficiente para compreender verdadeiramente sua verdadeira importância, um significado que não têm. Especialmente, nada é mais fácil do que confundir uma união livre, mas um pouco estável, com uma sociedade matrimonial regular; regularidade de fato com regularidade de direito. É por isso que, assim como Spencer, Westermarck acredita poder afirmar que a monogamia existiu desde os primeiros estágios da evolução social, confundindo assim um estado em que, em geral, cada homem tinha apenas uma mulher, embora pudesse legalmente ter várias, com a condição atual dos povos civilizados, onde a poligamia não apenas não é mostrada na prática, mas também é expressamente proibida. Portanto, é melhor descartar esses testemunhos contraditórios e procurar em outro lugar os elementos de uma opinião.

Mas há ainda outro motivo pelo qual, desses relatos, não se pode inferir nenhuma conclusão favorável à universalidade do casamento na espécie humana. Mesmo que sejam perfeitamente precisos, tudo o que podem provar é que essa prática existiu em povos que ainda não haviam alcançado um alto grau de cultura; mas isso não implica que não tenha havido povos onde tenha sido desconhecida. Pois, por simples que sejam essas sociedades, todas elas ultrapassaram, e há muito tempo, os estágios iniciais do desenvolvimento humano. Com certeza, houve tipos sociais muito mais humildes do que aqueles que nenhum explorador conhecido pôde observar diretamente, e a questão é se há razões para acreditar que, mesmo nesses últimos graus da escala social, já havia uma instituição matrimonial. Que não se objete que o problema, assim posto, é insolúvel; pois esse passado distante não desapareceu sem deixar vestígios que permitam alcançá-lo e reconstruí-lo.

É verdade que se opõe a qualquer questão desse tipo uma negativa a priori, alegando que o ciúme sexual, comum ao homem e ao animal, deve desde o princípio tornar o casamento necessário (cap. VI). Mas, em primeiro lugar, está longe de ser verdade que esse sentimento tenha a força e a generalidade que lhe são atribuídas. Vemos que cede e desaparece, mesmo em estágios mais avançados da história, em uma infinidade de circunstâncias. Aqui, o marido empresta sua esposa ao seu hóspede, ou ao seu Deus; sob o regime da poliandria, cuja frequência é incontestável[3], encontramos um verdadeiro comunismo sexual; se, em certos casos, o homem busca na mulher a virgindade, há muitos outros em que ele valoriza mais o oposto. Diz-se que o hábito de emprestar a esposa ou prostituí-la não implica a ausência de ciúme sexual, da mesma forma que os outros costumes hospitaleiros ou as oferendas religiosas de outra espécie não são devidos à ausência do sentimento de propriedade. O raciocínio é singular. É certo, no entanto, que se o fiel se sente obrigado a oferecer a seu Deus as primícias de seu campo, é porque considera que a divindade tem direitos sobre sua colheita; é porque tem menos ciúmes de seus direitos pessoais do que se não tolerasse qualquer compartilhamento. Além disso, é impossível ver como esse ciúme sexual, mesmo que tão generalizado e incontrolável como se diz, poderia dar origem ao casamento. Sem dúvida, poderia incentivar aqueles que detinham o poder a manterem para si mesmos as mulheres que possuíam. Mas a regulamentação social que constitui o casamento implica algo muito além desse estado de fato. Supõe que o direito de se aproximar da esposa alheia é retirado de todos. Por que o desejo de não compartilhar com os vizinhos o que se possui deveria impedir de tomar dos vizinhos o que eles têm? Compreende-se ainda menos por que tal restrição teria sido aceita por esse motivo, já que, se o homem é naturalmente ciumento, ele é igualmente naturalmente polígamo. Por que, desses dois sentimentos, seria o segundo que teria cedido ao primeiro? Em resumo, o egoísmo sexual, por mais energético que seja suposto, não pode ter sido a fonte do direito matrimonial, assim como o egoísmo econômico não foi a origem do direito de propriedade. Finalmente, quando se acompanha, desde sua origem, a história do casamento e a maneira como ele se constituiu progressivamente, constata-se que, das diferentes relações que ocorrem entre os cônjuges, sexuais, econômicas, morais etc., as primeiras estão longe de terem sido regulamentadas antes das outras. O que primeiro levou a sociedade a intervir para organizar as relações conjugais foi a necessidade de definir a situação jurídica e econômica do homem ou da mulher, conforme o caso, em relação à sua família de origem e em relação àquela na qual passaria a viver. A legislação, sobre esses diferentes pontos, já é muito desenvolvida quando ainda se desinteressa, em grande medida, das relações propriamente sexuais. Portanto, não foi para regular isso que o casamento nasceu e não são os instintos derivados do sexo que podem explicá-lo.

III

Mas a parte mais interessante do trabalho é aquela em que o autor, examinando os fatos que foram apresentados em apoio à opinião que ele combate, empreende demonstrar que eles não comportam a interpretação que lhes foi dada. É incontestável que os defensores da hipótese segundo a qual o casamento não seria uma instituição primitiva frequentemente não demonstraram muito discernimento na escolha de seus argumentos. Aleatoriamente, foram atribuídos a essa origem fatos relativamente recentes e que derivam de causas completamente diferentes. Assim, reconhecemos prontamente que o direito senhorial da primeira noite (jus primae noctis), a prática da prostituição religiosa, não provam de forma alguma que, no início da humanidade, houve um período em que as relações sexuais não eram socialmente regulamentadas. No entanto, feitas essas concessões, ainda há provas suficientes que permanecem intactas. É verdade que a forma como geralmente são apresentadas, essas provas são passíveis de crítica. Mas o fato de que precisam ser revisadas e retificadas não significa, como acredita Westermarck, que sejam sem valor e devam ser abandonadas.

E, em primeiro lugar, é importante especificar claramente a natureza do debate, o que o autor e a maioria de seus oponentes não fizeram. Há especialmente um termo que surge constantemente na discussão e é muito ambíguo: é o termo promiscuidade. Quando se diz que houve uma fase de promiscuidade, às vezes se entende que, no início, todos os homens e todas as mulheres de um mesmo grupo social tinham indiscriminadamente, uns sobre os outros, verdadeiros direitos conjugais. Assim, haveria uma espécie de apropriação coletiva, pela qual cada mulher seria obrigada a não recusar nenhum de seus companheiros, ao mesmo tempo em que lhe seria proibido unir-se a um estranho. Se é isso que se entende por promiscuidade, também consideramos arbitrária a opinião que coloca no início da humanidade uma instituição desse tipo. Mas deve-se acrescentar que o uso dessa palavra é singularmente impróprio: pois tal estado constitui mais um casamento, sui generis, entre dois grupos, em que um compreenderia todo o sexo masculino e o outro todo o sexo feminino da sociedade. Há casamento porque há regulamentação, reconhecimento mútuo de direitos e deveres aos quais sanções estão ligadas; e, de fato, Lubbock e aqueles que entenderam a promiscuidade dessa forma também chamaram de casamento coletivo essa organização das relações sexuais. Portanto, o fato de que essa hipótese seja e deva ser descartada de forma alguma significa que o casamento tenha existido desde toda a eternidade. Outro sistema ainda é possível. Pode-se argumentar que não houve, no princípio, casamentos coletivos no sentido que acabamos de dizer, mas, ao mesmo tempo, recusar-se a admitir que houve então casamentos de outro tipo, seja qual for. Pode-se dizer que o que caracterizou o estado primitivo foi uma completa ausência de qualquer regulamentação matrimonial, uma verdadeira anomia sexual, pela qual homens e mulheres se uniam como lhes aprouvesse, sem serem obrigados a seguir nenhuma norma preestabelecida. Não só essa concepção é possível, mas quando se definiu o casamento como fizemos, é apenas nesse último sentido que se pode entender a doutrina que se recusa a ver no casamento uma prática inata da humanidade. Um regime desse tipo, portanto, não tem o efeito necessário de tornar impossível qualquer apropriação de fato de uma mulher por um homem, mas apenas qualquer apropriação de direito. É concebível que, em uma sociedade dada, devido ao estado do ambiente, as uniões formadas possam apresentar uma estabilidade bastante grande e até mesmo geralmente assumir a forma da monogamia, sem, no entanto, constituir casamentos. Basta que a tribo disponha de um habitat amplo e não seja obrigada pelas circunstâncias a se concentrar em si mesma. Nessas condições, de fato, cada casal naturalmente buscará se isolar dos outros, ser autossuficiente e, portanto, não variar. Mas nem essa duração nem essa forma lhes eram impostas pela sociedade; outros arranjos permaneciam permitidos. Por isso, a palavra promiscuidade também pode ser usada para descrever uma situação desse tipo, desde que seja previamente definida. Significa que nenhuma restrição jurídica é imposta às combinações sexuais, que, de direito, a licença é completa, mesmo que, na prática, seja excepcional.

Das duas hipóteses, a primeira é a única que Westermarck combateu. Parece que ele não suspeitava da segunda, e essa séria lacuna sem dúvida decorre da ambiguidade que ele manteve em sua própria noção de casamento. Colocado nestes termos, o problema era simples e a solução óbvia. Se não há outra alternativa senão o casamento coletivo ou o casamento ordinário, basta mostrar que o primeiro nunca existiu (e a demonstração é fácil) para poder concluir que o segundo existiu desde sempre. A futilidade da primeira dessas teorias serve como prova para a segunda. No entanto, isso não é mais válido quando se reconhece que outra possibilidade era viável e, mais precisamente, negar o casamento implica negar todo o conceito de casamento, incluindo toda a estrutura social em torno do comércio sexual e dos diversos relacionamentos associados, bem como a instituição de direitos matrimoniais, tanto de forma coletiva quanto individual.

Já desse ponto de vista, as observações contraditórias dos viajantes atribuindo às sociedades inferiores os costumes matrimoniais mais diferentes se reconciliam sem dificuldade. É muito natural, de fato, que variem de acordo com as circunstâncias locais, se não estiverem sujeitas a nenhuma regra. Assim, é explicável como alguns encontraram uma verdadeira promiscuidade, enquanto outros encontraram uma espécie de monogamia. Podemos explicar da mesma forma como, em algumas sociedades primitivas, os sentimentos de pudor não faltam, embora, de maneira geral, a reserva sexual diminua à medida que nos aproximamos das origens. Mas sem insistir nessas provas específicas, gostaria de me ater aos argumentos essenciais e mostrar que, uma vez feitas essas distinções, não é tão fácil estar certo delas como acredita Westermarck. Se eles não provam o casamento comunitário de Lubbock, provam que houve um tempo em que não havia casamento algum.

Um dos mais importantes é aquele atribuído a Morgan e às pesquisas que ele realizou em 139 tribos de diferentes raças, sobre como os vários graus de parentesco são ali nomeados. Dessas observações, resulta que as nomenclaturas usadas por esses povos são muito diferentes das que empregamos. Uma única palavra lá designa os mais diferentes graus de parentesco. Notadamente, no mais simples sistema conhecido, todos os membros masculinos da geração anterior à minha, ou seja, meu pai, seus irmãos, seus primos etc., são confundidos sob uma mesma rubrica, todos os membros do sexo oposto, mas da mesma geração (minha mãe, suas irmãs, suas primas etc.), sob outra; da mesma forma, a terminologia não distingue meus irmãos de meus primos, sobrinhos etc., nem meus filhos de meus sobrinhos, sobrinhos-netos etc. Pareceu a Morgan que esses fatos só poderiam ser explicados pela hipótese do casamento coletivo. Com efeito, se todos os homens da geração anterior à minha consideram e tratam como suas esposas todas as mulheres da idade correspondente, parece natural que ambos pareçam ter comigo o mesmo relacionamento de parentesco e que eu os qualifique da mesma forma. Assim como eles são coletivamente marido e mulher uns dos outros, eles desempenham coletivamente em relação a mim o papel de pai e mãe. Nem mesmo é possível saber com certeza quem é meu verdadeiro pai entre eles, tão grande é a indeterminação das relações sexuais que um regime desses supõe. A essa argumentação, Westermarck objeta que essas nomenclaturas de parentesco não expressam de forma alguma relações de consanguinidade e não têm relação com a questão da descendência. A prova é que, se do lado paterno a descendência pode ser duvidosa, do lado materno ela sempre pode ser estabelecida com absoluta certeza e, no entanto, nesses sistemas, cada criança chama indiferentemente de mãe todo um grupo de mulheres. Essa confusão obviamente não pode ser explicada pelo fato de se considerar que a criança descenda coletivamente, de alguma forma, da geração feminina que precede aquela da qual ele faz parte. Mas se essas denominações não têm relação alguma com a descendência, nada se pode concluir sobre os costumes primitivos do casamento, e assim a hipótese do casamento coletivo é destruída. A objeção, de fato, é válida, com algumas ressalvas, no entanto. Pois é exagerado dizer que toda ideia de consanguinidade está ausente dessa terminologia. As pessoas que assim se nomeiam certamente se consideram como sendo do mesmo sangue; apenas, a diversidade das denominações que eles se aplicam não corresponde de forma alguma à diversidade dos relacionamentos de descendência que se supõe uni-los. Portanto, é verdade que a consanguinidade desempenha apenas um papel secundário nessa classificação e, consequentemente, também nós estimamos que essas práticas não provam de forma alguma que houve um casamento coletivo. Mas não se pode concluir daí que houve, desde então, outro tipo de casamento. Pelo contrário, elas só são explicáveis se, quando foram estabelecidas, não havia casamento de espécie alguma. De fato, se houvesse relações jurídicas definidas e específicas entre o homem e a mulher que se uniam, haveria relações não menos específicas entre eles e seus filhos. Estes, obrigados, mesmo quando adultos, a considerar e tratar seus pais de maneira muito diferente dos homens e mulheres da mesma idade, teriam designado os primeiros com nomes completamente diferentes dos segundos; e não encontraríamos essas confusões verbais das quais tantos exemplos foram relatados. Se, ao contrário, o mesmo termo pôde ser usado para o pai e a mãe, por um lado, e tantas outras pessoas, por outro, é porque os relacionamentos sociais da criança, uma vez passada a criação e durante toda a vida, eram essencialmente os mesmos com umas e com outras, é porque ele não devia mais a estas do que àquelas. Mas não teria sido assim se o casamento tivesse conferido ao grupo formado pelos cônjuges uma existência sui generis, diferenciando-o de tudo o que não é ele. Pois essa diferença não poderia deixar de ser sentida e, sendo sentida, não poderia deixar de ter um reflexo na linguagem. De fato, quando, sob a influência da exogamia, os relacionamentos da criança com seu tio materno se tornam muito diferentes daqueles que ele tem com seu tio paterno, vemos esses sistemas primitivos se modificarem ligeiramente e dois termos distintos aparecerem para expressar esses dois tipos de parentesco.

Além disso, basta imaginar como deveria ser a organização familiar que corresponde a essas nomenclaturas, para ver como ela está distante da concepção tradicional que Westermarck tenta retomar. Segundo nosso autor, a família teria sido constituída desde o início por um casal inicial cercado por seus descendentes; consequentemente, teria a descendência como base, e o parentesco teria sido graduado de acordo com os laços sanguíneos. Pelo contrário, os quadros elaborados por Morgan se referem evidentemente a vastos agregados familiares, sem um núcleo central, mas formados por grandes camadas homogêneas, incluindo todos os indivíduos da mesma idade indiscriminadamente. Até mesmo pelo próprio reconhecimento de Westermarck, o parentesco teria sido organizado independentemente da consanguinidade. É verdade que se não tivéssemos outras provas de que esse tipo de família realmente existiu, poderíamos considerá-lo duvidoso. Mas foi diretamente observado em uma infinidade de casos; além disso, quando complementamos a etnografia com a história, constatamos que ele foi a raiz das famílias, cada vez mais circunscritas e mais bem organizadas, que surgiram depois. Vemos, de forma mais regular, desaparecer à medida que as outras emergem e se constituem.

Poderíamos repetir as mesmas observações sobre outra ordem de fatos que tem aproximadamente o mesmo significado. Temos evidências de que existiu, em uma infinidade de sociedades, uma família muito diferente tanto desses agregados extensos e homogêneos dos quais acabamos de falar quanto dessa família patriarcal que se pretendia ser o ponto de partida da evolução doméstica. Esta é a família matrilinear. Ela é caracterizada por uma predominância jurídica muito marcada da parentela em linha feminina sobre a parentela em linha masculina. É o oposto da família agnática do direito romano. A criança carrega o sobrenome de sua mãe, herda apenas dela, legalmente só tem deveres para com seus parentes maternos, assim como só tem direitos sobre eles. Juridicamente, seu pai não é seu parente, quaisquer que sejam, aliás, seus relacionamentos de fato e seu afeto mútuo. Bachofen, e muitos outros após ele, explicaram esses costumes dizendo que, como nenhuma mulher era então exclusivamente possuída por nenhum homem, a paternidade era incerta e, portanto, não poderia ter uma existência legal. Acompanhando Westermarck, consideramos essa explicação sem fundamento. Na verdade, pelo menos na maioria dos casos, a paternidade não é duvidosa, e também é fácil estabelecer que não são relações fisiológicas que são expressas por essa constituição jurídica da família. No entanto, é verdade que essa organização doméstica se refere a um estado social onde a regulação matrimonial, se não era mais completamente ignorada, ainda era muito rudimentar. Pois os laços legais não seriam tão frouxos e indeterminados entre pai e filho se fossem estreitos e definidos entre os dois pais, ou seja, se o casamento fosse, desde então, fortemente estabelecido. Para que a criança seja assim, em certos aspectos, uma estranha para seu pai e para a família dele, é necessário que o próprio pai esteja muito pouco intimamente ligado à família de sua esposa e, portanto, à sua esposa. E, de fato, quando tentamos determinar, com base nas informações de que dispomos, em que consistia o casamento naquela época, descobrimos que se reduzia a muito pouco. Portanto, houve um momento na história em que era ainda menos desenvolvido; pois a família matrilinear está longe de ser primitiva. Implica, de fato, um certo direito sucessório, uma individualização do grupo doméstico que a aproxima muito mais de nós do que aqueles que a descobriram pensavam. Pressupõe um desenvolvimento por trás dela; podemos conceber o que o casamento poderia ser no início dessa evolução.

IV

Se revisarmos as outras questões tratadas pelo autor, teríamos outras reservas a fazer, não menos graves. Acreditamos que ele se enganou tanto sobre as causas da exogamia, que são todas religiosas e estão intimamente ligadas à instituição totêmica, quanto sobre a origem das formas que a sociedade conjugal sucessivamente assumiu, assim como sobre sua evolução, se é que resulta do livro que elas realmente evoluíram. Mas é impossível entrar na análise de todos esses problemas. O que foi dito acima é suficiente para mostrar quais são os princípios e o método do autor e o que, segundo nós, eles têm de defeituoso.

A insistência de nossa crítica não deve, no entanto, fazer crer que ignoramos o interesse e os méritos deste trabalho. Nunca as teorias de Bachofen e de seus sucessores foram combatidas com mais extensas informações; além disso, é incontestável que, em mais de um momento, a discussão é perspicaz e conclusiva. No entanto, a recusa radical e intransigente que lhes é oposta, esse retorno puro e simples à concepção bíblica das origens da família nos parece constituir um verdadeiro e lamentável retrocesso para a sociologia.

Longe de considerarmos essas hipóteses como verdades demonstradas, recusamo-nos, como o faz Westermarck, a aceitá-las tal como geralmente formuladas. Mas consideramos que desses trabalhos emerge um resultado importante e que deve ser considerado como adquirido. É a ideia de que a família variou infinitamente desde as origens da humanidade; que assumiu formas essencialmente diferentes daquelas que apresenta nas sociedades históricas, que teve começos muito simples, assim como o casamento, e que apenas muito lentamente e com muito esforço ambas as instituições se constituíram. Esta visão é importante e fecunda, pois abre à especulação e até mesmo à prática um vasto campo de pesquisas. A priori, sob a influência de preconceitos bem explicáveis, a organização clássica da família nos parece tão natural e simples, tão em conformidade com os instintos que são considerados os mais fundamentais, que, antes dessas descobertas, não suspeitávamos que pudesse ser diferente do que é. Certamente, sabíamos que a autoridade paterna tinha sido e ainda era mais ou menos exclusiva conforme as regiões, os direitos das mulheres mais ou menos restritos; mas essas mudanças eram apenas secundárias. O que não concebíamos era que a sociedade doméstica pudesse repousar sobre bases absolutamente diferentes, que, por exemplo, pudesse existir independentemente do casamento. Portanto, ampliar as perspectivas da ciência era sinalizar formas de vida comunitária ainda não exploradas. Ao mesmo tempo, para o futuro, surgiram novos problemas que, até então, não tinham razão de ser. Se a família variou tanto, não há motivo para acreditar que essas variações devam cessar agora, e, portanto, é possível e necessário tentar prever em que direção elas ocorrerão. Ora, se nos ativermos a esses termos gerais, a ideia é certamente correta. De fato, sabe-se que há uma relação definida entre a família e o casamento, por um lado, e a organização social, por outro. Essa relação é tão estreita que acreditamos poder, se nos derem o direito sucessório ou as formas matrimoniais em uso em um povo, dizer, com uma aproximação suficiente, a qual tipo social esse povo pertence; é uma experiência que frequentemente realizamos. Mas, se for assim, uma vez que os tipos sociais variaram infinitamente, uma vez que há um abismo entre a constituição das hordas primitivas e a das grandes sociedades europeias, pode-se ter certeza de que há a mesma distância entre a família e o casamento da humanidade primitiva e seu estado atual.

É esse resultado que desaparece no livro de Westermarck. A família e o casamento, como ele os representa, teriam permanecido estacionários, em sua essência, desde os primórdios da evolução social; pois teriam quase nada a adquirir. Os princípios sobre os quais repousam hoje teriam sido descobertos imediatamente; seria mesmo, em grande parte, uma herança das espécies animais anteriores. Desde o início, o casamento teria existido, servindo de base para a família, ou seja, esta teria consistido desde então em um grupo definido formado pelos pais e seus descendentes; até mesmo a monogamia e a proibição do casamento entre membros da mesma família seriam encontradas desde esse momento. As novidades de origem mais recente se reduziriam, em suma, a uma duração um pouco maior da sociedade conjugal, a uma extensão dos direitos da mulher; e ainda assim essa evolução reduzida não seria sem exceções ou irregularidades. É difícil conceber como as transformações tão profundas pelas quais as sociedades humanas passaram não teriam afetado mais profundamente o grupo elementar que lhes servia de base e não teriam tido outros efeitos além de tornar os homens um pouco mais respeitosos com suas mulheres e um pouco mais apegados aos seus lares. Portanto, pensamos que a verdadeira tarefa do sociólogo nessas questões é, não rejeitar em bloco teorias cujo defeito é terem sido construídas rapidamente, mas sim inspirar-se com independência no princípio sobre o qual elas se baseiam, fazer delas o fio condutor de suas pesquisas e trabalhar para determinar melhor esses tipos familiares cuja existência nos foi revelada, mas cuja natureza ainda é imperfeitamente conhecida. Portanto, não se deve pensar que estamos presos em um dilema e que é necessário adotar a fórmula de Westermarck se recusarmos aceitar a fórmula de seus adversários como está. Outro caminho pode e deve ser tentado. O que é necessário é certamente sair do sistema exposto em Das Mutterrecht, mas para superá-lo e não para retroceder.


[1] Revue philosophique, 40, 1895, pp. 606 a 623.

[2] Paris, Guillaumin, 1895, 530 p.

[3] A generalidade do levirato é uma das provas da generalidade da poliandria entre irmãos. Westermarck afirma ao contrário que, por vezes, o casamento levirato é mais um direito do que um dever de uma mulher ser casada pelo seu cunhado. Mas é concebível que, com o tempo, o sentido original desta prática tenha mudado. Além disso, é possível que alguns casos de casamento levirato tenham tido origem na específica poliandria da família materna, em que um grupo de irmãs casava por vezes com um grupo de irmãos, mas pelo menos com direitos iguais para ambas as partes.

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