Você irá ler, a seguir, um trecho da obra “As Leis da Imitação” de Gabriel Tarde. Caso tenha interesse adquirir a obra, ou conhecer mais detalhes sobre essa edição, clique aqui, ou na imagem da capa abaixo.
I. A repetição universal
I. Regularidade não percebida dos fatos sociais sob certo ponto de vista
Suas analogias com os fatos naturais. As três formas da Repetição universal: ondulação, geração, imitação. Ciência social e filosofia social. Sociedades animais.
Há lugar para uma ciência, ou apenas para uma história e, no máximo, para uma filosofia dos fatos sociais? A questão permanece em aberto, embora, à verdade, esses fatos, se examinados de perto e sob certo ângulo, sejam suscetíveis, como os outros, de se resolverem em séries de pequenos fatos similares e em fórmulas chamadas leis que resumem essas séries. Por que, então, a ciência social ainda está por nascer ou mal nascida em meio a todas as suas irmãs adultas e vigorosas? A principal razão, a meu ver, é que aqui se largou a presa pela sombra, as realidades pelas palavras. Acreditou-se que não se poderia conferir à sociologia um tom científico senão lhe dando um ar biológico ou, melhor ainda, um ar mecânico. Isso era buscar esclarecer o conhecido pelo desconhecido; era transformar um sistema solar em uma nebulosa irresolúvel para entendê-lo melhor. Em matéria social, dispomos, por um privilégio excepcional, das causas verdadeiras, dos atos individuais de que os fatos são feitos, o que nos é absolutamente oculto aos olhos em qualquer outra matéria. Pareceria, pois, dispensável recorrer, para a explicação dos fenômenos da sociedade, a essas causas ditas gerais que os físicos e naturalistas se veem obrigados a criar sob o nome de forças, energias, condições de existência e outros paliativos verbais de sua ignorância quanto ao íntimo claro das coisas.
Mas os atos humanos considerados como os únicos fatores da história! Isso é demasiado simples. Impôs-se a obrigação de forjar outras causas à semelhança dessas ficções úteis que em outros ramos correm forçadas, e felicitou-se quem pôde assim emprestar por vezes aos fatos humanos vistos de muito alto, perdidos de vista, na verdade, uma cor inteiramente impessoal. Guardemo-nos desse idealismo vago; guardemo-nos também do individualismo banal que consiste em explicar as transformações sociais pelo capricho de alguns grandes homens. Digamos antes que elas se explicam pela aparição, acidental em certa medida quanto ao lugar e ao momento, de algumas grandes ideias, ou melhor de um número considerável de ideias pequenas ou grandes, fáceis ou difíceis, na maioria das vezes despercebidas em seu nascimento, raramente gloriosas, em geral anônimas, mas sempre ideias novas, e que, por essa novidade, me permitirei batizar coletivamente de invenções ou descobertas. Por esses dois termos entendo qualquer inovação ou um aperfeiçoamento, por mínimo que seja, introduzido numa inovação anterior, em toda ordem de fenômenos sociais: linguagem, religião, política, direito, indústria, arte. No momento em que essa novidade, pequena ou grande, é concebida ou resolvida por um homem, nada muda de aparência no corpo social, assim como nada muda no aspecto físico de um organismo em que entrou um micróbio, seja ele funesto, seja benéfico; e as mudanças graduais que traz a introdução desse elemento novo no corpo social parecem suceder, sem descontinuidade visível, às mudanças anteriores no curso das quais se inserem. Daí surge uma ilusão enganosa que leva os historiadores filósofos a afirmar a continuidade real e fundamental das metamorfoses históricas. Suas verdadeiras causas, porém, se resolvem numa cadeia de ideias muito numerosas, é verdade, mas distintas e descontínuas, embora unidas entre si pelos atos de imitação, ainda mais numerosos, que as tomaram por modelos.
É preciso partir daí, isto é, de iniciativas renovadoras que, trazendo ao mundo ao mesmo tempo necessidades novas e novas satisfações, se propagam depois por imitação forçada ou espontânea, eletiva ou inconsciente, mais ou menos rapidamente, mas a um passo regular, à maneira de uma onda luminosa ou de uma família de cupins. A regularidade de que falo mal se mostra nos fatos sociais, mas aí a descobriremos se os decompusermos em tantos elementos quantos eles contêm, no mais simples dentre eles, de invenções distintas combinadas, de lampejos de gênio acumulados e tornados luzes banais: análise, é certo, muito difícil. Socialmente, tudo não é senão invenções e imitações, e estas são os rios das quais aquelas são as montanhas; certamente nada muito sutil essa visão; mas, seguindo-a audaciosamente, sem reservas, desdobrando-a do menor detalhe até o conjunto mais completo dos fatos, talvez se note o quanto ela é própria para realçar todo o pitoresco e, ao lado, toda a simplicidade da história, para nela revelar perspectivas tão bizarras quanto um panorama de rochedos ou tão regulares quanto um passeio de parque. – É ainda idealismo, caso se queira, mas um idealismo que consiste em explicar a história pelas ideias de seus atores e não pelas do historiador.
Antes de tudo, ao considerar sob esse ângulo a ciência social, vê-se a sociologia humana ligar-se às sociologias animais (por assim dizer) como a espécie ao gênero: espécie muito singular e infinitamente superior às outras, seja, contudo, fraterna. Em seu belo livro sobre as Sociedades animais, que é bem anterior à primeira edição da presente obra, Espinas diz expressamente que os trabalhos das formigas se explicam muito bem pelo princípio “da iniciativa individual seguida de imitação”. Essa iniciativa é sempre uma inovação, uma invenção igual às nossas em audácia de espírito. Para ter a ideia de construir um arco, um túnel aqui ou ali, aqui antes que ali, uma formiga deve ser dotada de uma inclinação inovadora que iguale ou supere a dos nossos engenheiros que perfuram istmos ou montanhas. A título de observação, segue-se daí que a imitação dessas iniciativas tão novas pela massa das formigas desmente de maneira flagrante o pretenso misoneísmo dos animais[1]. Foi muitas vezes que Espinas, em suas observações sobre as sociedades de nossos irmãos inferiores, ficou impressionado com o papel importante que aí desempenha a iniciativa individual. Cada rebanho de bois selvagens tem seus líderes, suas cabeças influentes. Os aperfeiçoamentos do instinto das aves, segundo o mesmo autor, explicam-se por “uma invenção parcial, transmitida depois de geração em geração por ensino direto”.
Se se pensa que as modificações do instinto se prendem provavelmente ao mesmo princípio que as modificações da espécie e a gênese de novas espécies, talvez se seja tentado a perguntar se o princípio da invenção imitada, ou de algo de análogo fisiologicamente, não seria a explicação mais clara possível do problema sempre pendente das origens específicas? Mas deixemos essa questão e limitemo-nos a constatar que, animais ou humanas, as sociedades se deixam explicar por essa maneira de ver.
Em segundo lugar, e essa é a tese especial do presente capítulo, deste ponto de vista vê-se o objeto da ciência social apresentar uma analogia notável com os outros domínios da ciência geral e reincorporar-se assim, por assim dizer, ao restante do universo no seio do qual fazia a impressão de um corpo estranho.
Em qualquer campo de estudos, as constatações puras e simples excedem prodigiosamente as explicações. E, por tudo o que é simplesmente constatado, são os dados primeiros, acidentais e bizarros, premissas e fontes de onde decorre tudo o que é explicado. Há ou houve tais nebulosas, tais globos celestes, de tal massa, de tal volume, a tal distância; há tais substâncias químicas; há tais tipos de vibrações etéreas, chamadas luz, eletricidade, magnetismo; há tais tipos orgânicos principais, e primeiro há animais, e há plantas; há tais cadeias montanhosas, chamadas Alpes ou Andes, etc. Quando nos ensinam esses fatos capitais de onde se deduz todo o resto, o astrônomo, o químico, o físico, o naturalista, o geógrafo fazem-nos a obra de sábios propriamente ditos? Não, fazem uma simples constatação e não diferem em nada do cronista que relata a expedição de Alexandre ou a descoberta da imprensa. Se há uma diferença, veremos, ela é inteiramente a favor do historiador. O que, pois, sabemos no sentido científico da palavra? Pode-se, sem dúvida, responder: as causas e os fins; e quando chegamos a ver que dois fatos diferentes são produzidos um pelo outro ou colaboram para um mesmo fim, chamamos isso de tê-los explicado. Contudo, suponhamos um mundo onde nada se assemelha nem se repete, hipótese estranha, mas inteligível a rigor; um mundo inteiramente de imprevisto e novidade, onde, por assim dizer, sem memória alguma, a imaginação criadora tem livre curso, onde os movimentos dos astros fossem sem período, as agitações do éter sem ritmo vibratório, as gerações sucessivas sem caracteres comuns e sem tipo hereditário. Nada impede supor, apesar disso, que cada aparição nessa fantasmagoria seja produzida e determinada mesmo por outra, que ela mesmo trabalhe para originar outra. Ainda poderiam existir causas e fins. Mas haveria lugar para alguma ciência nesse mundo? Não; e por quê? Porque, mais uma vez, não haveria nem semelhanças nem repetições.
Isto é o essencial. Conhecer as causas permite prever às vezes; mas conhecer as semelhanças permite contar e medir sempre, e a ciência, antes de tudo, vive de número e de medida. Além disso, essencial não significa suficiente. Uma vez encontrado seu campo próprio de semelhanças e repetições, uma ciência nova deve compará-las entre si e observar o vínculo de solidariedade que une suas variações concomitantes. Mas, a bem dizer, o espírito não compreende bem, não admite de modo definitivo o vínculo de causa a efeito senão na medida em que o efeito se assemelha à causa, repete a causa, quando, por exemplo, uma ondulação sonora gera outra ondulação sonora, ou uma célula outra célula semelhante. Nada há mais misterioso, pode-se dizer, do que essas reproduções. É verdade; mas, aceito esse mistério, nada há mais claro do que tais séries. E cada vez que produzir não significa reproduzir-se, tudo se torna trevas para nós[2].
Quando as coisas semelhantes são partes de um mesmo todo ou julgadas tais, como as moléculas de um mesmo volume de hidrogênio, ou as células lenhosas de uma mesma árvore, ou os soldados de um mesmo regimento, a semelhança toma o nome de quantidade e não simplesmente de grupo. Quando, em outras palavras, as coisas que se repetem permanecem anexadas umas às outras ao se multiplicarem, como as vibrações calóricas ou elétricas que, ao se acumular no interior de um corpo, o aquecem ou o eletrizam cada vez mais, ou como as formações de células similares que se multiplicam no corpo de uma criança em crescimento, ou como as adesões a uma mesma religião pela conversão dos infiéis, a repetição então chama-se aumento e não simplesmente série. Em tudo isso, não vejo nada que singularize o objeto da ciência social.
Internas ou externas, aliás, quantidades ou grupos, aumentos ou séries, as semelhanças, as repetições fenomenais são os temas necessários das diferenças e das variações universais, as tramas desses bordados, as medidas dessa música. O mundo fantasmagórico que supus há pouco seria, no fundo, o menos ricamente diferenciado dos mundos possíveis. Quanto em nossas sociedades o trabalho, acúmulo de ações copiadas umas nas outras, não é mais renovador do que as revoluções! E o que há de mais monótono do que a vida livre do selvagem comparada à vida sujeita do homem civilizado? Sem a hereditariedade, haveria progresso orgânico possível? Sem a periodicidade dos movimentos celestes, sem o ritmo ondulatório dos movimentos terrestres, teria a exuberante variedade das eras geológicas e das criações vivas eclodido?
As repetições servem, pois, às variações. Caso se admitisse o contrário, a necessidade da morte – problema considerado quase insolúvel por Delboeuf em seu livro sobre a matéria bruta e a matéria viva – não se compreenderia; pois, por que o pião vivo, uma vez lançado, não giraria eternamente? Mas, se as repetições têm apenas uma razão de ser, a de mostrar sob todas as suas faces uma originalidade única que procura vir à tona, nessa hipótese a morte deve fatalmente ocorrer com o esgotamento das modulações expressas. – Observemos, aliás, de passagem, que a relação do universal ao particular, alimento de toda a controvérsia filosófica da Idade Média sobre o nominalismo e o realismo, é precisamente a da repetição para a variação. O nominalismo é a doutrina segundo a qual os indivíduos são as únicas realidades que contam; e por indivíduos deve entender-se os seres considerados por seu lado diferencial. O realismo, ao contrário, não considera como dignos de atenção e do nome de realidade, num indivíduo dado, senão os traços pelos quais ele se assemelha a outros indivíduos e tende a reproduzir-se em outros indivíduos semelhantes.
O interesse desse tipo de especulação aparece quando se pensa que o liberalismo individualista na política é uma espécie particular de nominalismo, e que o socialismo é uma espécie particular de realismo.
Toda repetição, social, orgânica ou física, tanto faz, isto é, imitativa, hereditária ou vibratória (para nos atermos apenas às formas mais marcantes e típicas da Repetição universal), procede de uma inovação, como toda luz procede de um foco; e assim o normal, em toda ordem de conhecimento, parece derivar do acidental. Pois, tanto a propagação de uma força atrativa ou de uma vibração luminosa a partir de um astro, ou a de uma raça animal a partir de um primeiro casal, ou a de uma ideia, de uma necessidade, de um rito religioso, em toda uma nação, a partir de um sábio, de um inventor, de um missionário, nos parecem fenômenos naturais e regularmente ordenados, tanto o ordenamento em parte informulável no qual apareceram ou se justapuseram os focos de todas essas irradiações, por exemplo, as diversas indústrias, religiões, instituições sociais, os diversos tipos orgânicos, as diversas substâncias químicas ou massas celestes, nos surpreende sempre por sua estranheza. Todas essas belas uniformidades ou essas belas séries – o hidrogênio idêntico a si mesmo na infinita multiplicidade de seus átomos dispersos entre todos os astros do céu, ou a expansão da luz de uma estrela na imensidão do espaço; o protoplasma idêntico a si mesmo de um extremo a outro da escala vivente, ou a sucessão inalterável de incalculáveis gerações de espécies marinhas desde os tempos geológicos; as raízes verbais das línguas indo-europeias idênticas em quase toda a humanidade civilizada, ou a transmissão notavelmente fiel das palavras, da língua copta dos antigos egípcios até nós, etc. – todas essas multidões inumeráveis de coisas semelhantes e semelhantemente ligadas, cuja coexistência ou sucessão igualmente harmoniosa admiramos, prendem-se a acidentes físicos, biológicos, sociais cujo vínculo nos desorienta.
Ainda aqui a analogia prossegue entre os fatos sociais e os outros fenômenos da natureza. Se, porém, os primeiros, considerados por meio dos historiadores e mesmo dos sociólogos, nos dão a impressão de um caos, ao passo que os outros, vistos por meio dos físicos, químicos, fisiologistas, deixam a impressão de mundos muito bem ordenados, não há de se estranhar. Esses últimos sábios nos mostram o objeto de sua ciência apenas pelo lado das similaridades e das repetições que lhe são próprias, relegando a uma sombra prudente o lado das heterogeneidades e das transformações (ou transubstanciações) correspondentes. Os historiadores e os sociólogos, ao contrário, lançam um véu sobre a face monótona e regulada dos fatos sociais, sobre os fatos sociais enquanto se assemelham e se repetem, e não nos apresentam senão seu aspecto acidentado e interessante, renovado e diversificado até o infinito. Caso se trate dos galo-romanos, mesmo o historiador, ainda que filósofo, não terá a ideia, imediatamente após a conquista de César, de nos passear passo a passo por toda a Gália para nos mostrar cada palavra latina, cada rito romano, cada comando, cada manobra militar, para uso das legiões romanas, cada ofício, cada costume, cada serviço, cada lei, enfim cada ideia especial e cada necessidade especial importadas de Roma, em processo de irradiar progressivamente dos Pireneus ao Reno e de conquistar sucessivamente, após uma luta mais ou menos viva contra as antigas ideias e os antigos usos celtas, todas as bocas, todos os braços, todos os corações e todos os espíritos gauleses, copistas entusiastas de César e de Roma. Certamente, se ele nos fizer fazer uma vez essa longa caminhada, não nos a fará repetir tantas vezes quantas palavras ou formas gramaticais há na língua romana, quantas formalidades rituais há na religião romana ou manobras aprendidas pelos legionários com seus oficiais instrutores, quantas variedades há na arquitetura romana – templos, basílicas, teatros, circos, aquedutos, vilas com seu átrio, etc. –, quantos versos de Virgílio ou de Horácio são ensinados nas escolas a milhões de escolares, quantas leis há na legislação romana, quantos processos industriais e artísticos são transmitidos fielmente e indefinidamente de operário a aprendiz e de mestre a aluno na civilização romana. No entanto, só a esse preço se pode ter uma noção exata da enorme dose de regularidade que as sociedades mais agitadas contêm.
Depois, quando o cristianismo tiver surgido, o mesmo historiador evitará, sem dúvida, nos obrigar a repetir essa enfadonha peregrinação a propósito de cada rito cristão que se propaga na Gália pagã não sem resistência, à maneira de uma onda sonora em um ar já vibrante. Em contrapartida, nos dirá que, em certa data, Júlio César conquistou a Gália, e que, em outra, tais santos vieram pregar a doutrina cristã nessa região. Talvez também nos enumere os diversos elementos que compõem a civilização romana ou a fé e a moral cristãs introduzidas no mundo gaulês. O problema então se colocará para ele de compreender, de apresentar sob uma luz racional, lógica, científica, essa sobreposição bizarra do cristianismo sobre o romanismo, ou melhor, da cristianização gradual sobre a romanização gradual; e a dificuldade não será menor ao explicar racionalmente, no romanismo e no cristianismo tomados separadamente, a justaposição estranha de farrapos etruscos, gregos, orientais e outros, bastante heterogêneos entre si, que constituem um, e de ideias judaicas, egípcias, bizantinas, pouco coerentes aliás, mesmo dentro de cada grupo distinto, que constituem o outro. É, no entanto, essa árdua tarefa que o filósofo da história se proporá; ele não crerá poder elidi-la se quiser agir como cientista, e cansará o cérebro tentando pôr ordem nesse desordem, procurando a lei desses acasos e a razão desses encontros. Seria melhor procurar como e por que às vezes desses encontros resultam harmonias, e em que consistem essas harmonias. Tentaremos isso mais adiante.
Em suma, é como se um botânico se julgasse obrigado a negligenciar tudo o que diz respeito à geração das plantas de uma mesma espécie ou de uma mesma variedade, e também ao seu crescimento e à sua nutrição, espécie de geração celular ou de regeneração dos tecidos; ou como se um físico desdenhasse o estudo das ondulações sonoras, luminosas, caloríficas e de seu modo de propagação através dos diferentes meios, eles mesmos ondulatórios.
Imagine-se um convencido de que o objeto próprio e exclusivo de sua ciência é o encadeamento dos tipos específicos dissemelhantes, desde a primeira alga até a última orquídea, e a justificativa profunda desse encadeamento; e outro convencido de que seus estudos têm por único fim investigar por que razão há exatamente os sete modos de ondulação luminosa que conhecemos, assim como a eletricidade e o magnetismo, e não outras espécies de vibração etérea? Questões certamente interessantes e que o filósofo pode suscitar, mas não o cientista, pois sua solução não parece jamais susceptível de alcançar o alto grau de probabilidade exigido por este último. É claro que a primeira condição para ser anatomista ou fisiologista é o estudo dos tecidos, agregados de células, de fibras, de vasos semelhantes, ou o estudo das funções, acúmulo de pequenas contrações, de pequenas inervações, de pequenas oxidações ou desoxidações semelhantes; enfim e antes de tudo a fé na hereditariedade, essa grande artífice da vida. E não é menos claro que, para ser químico ou físico, antes de tudo é preciso examinar muitos volumes gasosos, líquidos, sólidos, feitos de corpúsculos todos iguais, ou de chamadas forças físicas que são massas prodigiosas de pequenas vibrações similares acumuladas. Tudo se reduz, de fato, ou está sendo reduzido, no mundo físico, à ondulação; tudo nele assume cada vez mais um caráter essencialmente ondulatório, assim como no mundo vivo a faculdade geradora, a propriedade de transmitir hereditariamente as menores particularidades (nascidas, na maioria das vezes, não se sabe como) é cada vez mais julgada inerente à menor célula.
[1] Nas espécies superiores de formigas, segundo Espinas, “o indivíduo desenvolve uma iniciativa surpreendente”. Como começam os trabalhos, as migrações das formigueiros? É por um impulso comum, instintivo, espontâneo, vindo de todos os associados ao mesmo tempo, sob a pressão de circunstâncias externas sofridas ao mesmo tempo por todas as formigas? Não; um indivíduo se destaca, começa a trabalhar primeiro e bate seus vizinhos com suas antenas para avisá-los a lhe prestar ajuda. A contágio imitativo faz o resto.
[2] “O conhecimento científico não deve necessariamente partir das menores coisas hipotéticas e desconhecidas. Ele encontra seu começo em qualquer lugar onde a matéria formou unidades de ordem semelhante, que podem ser comparadas entre si e medidas umas pelas outras; em qualquer lugar onde essas unidades se reúnem em unidades compostas de ordem mais elevada, fornecendo elas mesmas a medida de comparação dessas últimas.” (Von Naegeli, Discurso no congresso dos naturalistas alemães em 1877.)