Capítulo 1 de “Psychopathia Sexualis”

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1. Um fragmento de uma psicologia da vida sexual

A propagação da espécie humana não depende da sorte ou do capricho do indivíduo, pois é assegurada por um instinto natural que, com toda sua força conquistadora, exige satisfação. Na gratificação deste impulso natural não se encontram apenas o prazer sensual e as fontes de bem-estar físico mas, também, sentimentos mais elevados de satisfação na perpetuação de nossa existência única e perecível, pela transmissão de atributos mentais e físicos a um novo ser. No amor grosseiro e sensual, no impulso lascivo para satisfazer este instinto natural, o homem está ao nível do animal; mas, para o ser humano, é possível elevar-se a uma altura em que este instinto já não o torna um escravo: despertam sentimentos mais elevados e nobres que, apesar de sua origem sensual, expandem-se para um mundo de beleza, sublimidade e moralidade.

Elevado dessa forma, o homem supera seu instinto natural, e desta fonte inesgotável, extrai material e inspiração para prazeres mais nobres, para trabalhos mais honrados, e para a realização de seus ideais. Maudsley (Deutsche Klinik, 1873, 2, 3) define, corretamente, o sentimento sexual como a base para o desenvolvimento do sentimento social. “Se o homem fosse roubado do instinto da procriação e de tudo o que dele decorre mentalmente, quase toda a poesia e, talvez, também todo o sentido moral, seriam arrancados de sua vida”.

A sexualidade é o mais poderoso fator na existência individual e social; o incentivo mais forte que impulsiona a aquisição de bens materiais, a fundação de um lar, e o despertar de sentimentos altruístas; inicialmente são dirigidos a uma pessoa do sexo oposto, a seguir para a prole e, enfim, em um sentido mais amplo, a toda a humanidade.

Assim, toda ética e, talvez, boa parte da estética e da religião, dependem da existência do sentimento sexual.

Embora a vida sexual conduza às virtudes mais elevadas, até ao sacrifício do próprio ego, em sua força sensual reside, porém, o perigo da degeneração em poderosas paixões e o desenvolvimento dos mais grosseiros vícios.

O amor como uma paixão desenfreada é como um fogo que queima e consome tudo; como um abismo que engole tudo – honra, fortuna, bem-estar.

Desta maneira, supomos ser de elevado interesse psicológico traçar as fases de desenvolvimento por meio das quais, no curso da evolução da cultura humana para a moralidade e civilização atuais, a vida sexual se construiu . Em terras primitivas, a satisfação do apetite sexual do homem se assemelha a do animal. A liberdade do ato sexual não é controlada; homem e mulher não têm vergonha da nudez. Vemos ainda hoje selvagens nessa condição (cf. Ploss, “Das Weib”, p. 196, 1884); como, por exemplo, os australianos, os polinésios e os malaios das Filipinas. A fêmea é propriedade comum dos machos, o butim temporário dos mais fortes, que se esforçam para a posse do mais belo exemplar do sexo oposto, realizando instintivamente uma espécie de seleção sexual.

A mulher é algo móvel, uma mercadoria, um objeto de barganha, de compras, e presentes; uma coisa utilizada para satisfazer a luxúria, e para trabalhar.

O aparecimento de um sentimento de vergonha perante os outros na manifestação e satisfação do instinto natural, bem como o pudor nas relações entre os sexos, constituem o início da moralidade na vida sexual. Daí surgiu o esforço de esconder os órgãos genitais (“E viram que estavam nus”) e a realização secreta do ato sexual.

O desenvolvimento deste grau de cultura é favorecido pelos rigores do clima e pela necessidade de uma consequente proteção completa do corpo. Assim, em parte, explica-se o fato de que, como pode ser provado antropologicamente, entre as raças do norte o pudor surgiu mais cedo do que entre as raças do sul.

Uma nova etapa no desenvolvimento da cultura é marcada quando a fêmea deixa de ser uma coisa móvel. Ela se torna uma pessoa; e se, ainda, por muito tempo, tenha sido mantida socialmente muito abaixo do homem, desenvolve-se, contudo, a ideia de que possui o direito de disposição de si mesma, e seus favores pertencem apenas a ela.

Assim, ela se torna o objeto de cortejo do homem. O sentimento sensual bárbaro do desejo sexual é superado pelos princípios de um sentimento ético. O instinto é intelectualizado. A propriedade de mulheres deixa de existir. Indivíduos dos sexos opostos sentem-se atraídos um pelo outro por qualidades mentais e físicas, e demonstram o amor apenas um pelo outro. Nesta fase, a mulher tem a sensação de que seus encantos pertencem apenas ao homem de sua escolha, e deseja escondê-los dos outros. Assim, ao lado do pudor, os fundamentos da castidade e da fidelidade – enquanto durar o vínculo do amor – são estabelecidos.

A mulher atinge esse grau de elevação social quando, na transição da vida nômade para um estado de habitação fixa, o homem obtém uma casa e um lar, e surge a necessidade de possuir na mulher uma companheira para a vida doméstica, uma dona de casa.

Entre as nações do Oriente, os egípcios, israelitas e gregos, e entre os ocidentais, os alemães, alcançaram cedo esta fase da cultura. Entre todas estas raças, neste estágio de desenvolvimento, a preocupação com a preservação da virgindade, da castidade, do pudor e da fidelidade sexual, contrasta com outras nações, que oferecem a fêmea da casa ao hóspede para seu prazer sexual .

O fato de que esta fase da cultura da moralidade sexual é bastante elevada, e surge mais tarde do que outras formas de desenvolvimento da cultura – como, por exemplo, a estética –, fica demonstrado pelo exemplo dos japoneses; entre eles, costuma-se casar com uma mulher só depois dela ter vivido um ano nas casas de chá (que correspondem às casas europeias de prostituição), e para quem a nudez feminina não é nada chocante. Em todo caso, entre os japoneses, toda mulher solteira pode se prostituir, sem que isso diminua em nada suas perspectivas futuras – prova de que, neste povo notável, a mulher não possui qualquer valor ético, e é valorizada no casamento apenas como um meio de obtenção de prazer, procriação e força de trabalho.

O cristianismo forneceu o mais poderoso impulso para a elevação moral das relações sexuais ao estabelecer a igualdade social entre a mulher e o homem, e ao elevar o vínculo do amor a uma instituição religiosa e moral .

Torna-se reconhecido o fato de que, em uma civilização superior, o amor humano deve ser monogâmico e repousar sobre um contrato duradouro. Se a natureza não faz mais do que prover a procriação, uma comunidade (família ou estado) não pode existir sem a garantia de que a prole se desenvolva física, moral e intelectualmente. A Cristandade adquiriu essa superioridade mental e material sobre as raças polígamas, especialmente o Islã, por meio da construção de uma igualdade entre a mulher e o homem, e por estabelecer o casamento monogâmico, garantido por laços legais, religiosos, e morais. Ainda que Maomé desejasse elevar a mulher de seu lugar de escrava e meio de gratificação sensual, para um plano social e matrimonial mais elevado, no mundo maometano a mulher permaneceu muito abaixo do homem, que possui o exclusivo direito – muito fácil de ser obtido – do divórcio.

O Islã mantinha a mulher distante de qualquer participação na vida pública em todas as circunstâncias, o que impediu seu desenvolvimento intelectual e moral. Como consequência, a mulher muçulmana sempre permaneceu como um meio de gratificação sensual e de procriação; por outro lado, as virtudes e capacidades da mulher cristã como dona de casa, educadora de crianças e companheira igual do homem, foram permitidas para que se revelassem em toda sua beleza. O islamismo, com sua poligamia e sua vida de haréns, contrasta vivamente com a monogamia da vida familiar do mundo cristão.

O mesmo contraste se revela quando comparamos a concepção que ambas as religiões têm a respeito do futuro. A imagem da eternidade, vista pela fé cristã, é a de um paraíso livre de toda a sensualidade terrena, prometendo a mais pura felicidade intelectual; a fantasia do muçulmano preenche a vida futura com as delícias de um harém repleto de húris.

A despeito de todo auxílio que a religião, o direito, a educação e a moralidade dão ao homem civilizado no controle de suas paixões, corre-se sempre o risco de mergulhar, da translúcida plataforma do amor puro e casto, para a lama da sensualidade comum.

Para manter-se em tal plataforma, é necessária uma luta constante entre os impulsos naturais e a moral, entre sensualidade e moralidade. Somente indivíduos dotados de força de vontade são capazes de emancipar-se completamente da sensualidade, e participar desse amor puro do qual brotam as mais nobres alegrias da vida humana.

Ainda se questiona se, ao longo dos últimos séculos, a humanidade avançou na moralidade. É certo, entretanto, que a raça ampliou seu sentido de pudor; e este fenômeno da civilização – este desejo de se esconder das propensões animais – é, ao menos, uma concessão que o vício faz à virtude.

A partir da leitura das obras de Scherr (“História da civilização alemã”), certamente teríamos a impressão de que, em comparação com as da Idade Média, nossas próprias ideias de moralidade se tornaram mais refinadas, ainda que possamos reconhecer que maneiras mais sutis, mesmo que sem superior moralidade, substituíram as antigas obscenidades e expressões grosseiras.

Quando se comparam períodos de história bastante distantes entre si, não resta dúvida de que a moralidade pública, apesar de ocasionais retrocessos temporários, possui um progresso contínuo, e que o cristianismo é uma das mais poderosas forças que favorecem o progresso moral.

Hoje em dia estamos muito distantes das condições sexuais que, reveladas pela adoração sodomita de deuses, na vida do povo, nas leis e práticas religiosas, existiam entre os antigos gregos – para não mencionar a adoração do Falo e de Priapo entre os atenienses e os babilônios, dos bacanais da Roma antiga, e do lugar proeminente que as prostitutas ocuparam entre estes povos. No progresso lento e muitas vezes imperceptível da moral humana, há variações ou flutuações, assim como na sexualidade individual manifestam-se fluxos e refluxos.

Períodos de decadência moral na vida de um povo são sempre contemporâneos a momentos de efeminação, sensualidade e luxúria. Estas condições só podem ser concebidas quando ocorre um aumento das exigências sobre o sistema nervoso, que deve responder a essas solicitações. Como resultado do aumento do nervosismo, há aumento da sensualidade e, uma vez que esses excessos chegam às massas, acaba por erodir as bases da sociedade – a moralidade e a pureza da vida familiar. Quando são destruídas por excessos, pela infidelidade e pela luxúria, a destruição do estado é inevitavelmente acompanhada de ruína material, moral e política. Exemplos alarmantes dessa situação são apresentados em Roma, Grécia, e França sob Luís XIV e XV . Em tempos de destruição política e moral, monstruosas perversões da vida sexual foram frequentes, o que, no entanto, podem estar relacionadas, em parte, a condições psicopatológicas ou, ao menos, neuropatológicas existentes em povo.

Está comprovado, pela história da Babilônia, Nínive, Roma, e também pelos “mistérios” da vida nas capitais modernas, que as grandes cidades são os criadouros do nervosismo e da sensualidade degenerada. O dado notável, que pode ser aprendido da leitura da obra de Ploss, é que a perversão do instinto sexual (salvo entre os aleútes, e na forma da masturbação, entre as fêmeas do Oriente e dos Hotentotes Nama) não ocorre em raças não-civilizadas ou meio-civilizadas.

O estudo da vida sexual no indivíduo deve começar em seu desenvolvimento na puberdade, e continuar através de suas diferentes fases, até a extinção dos sentimentos sexuais. Em sua “Fisiologia do Amor”, Mantegazza descreve os anseios e impulsos do despertar da vida sexual, quando pressentimentos, sentimentos indefinidos, e impulsos existem muito antes da puberdade. Esta época é, fisiologicamente, a mais importante. No aumento abundante de sentimentos e ideias que produz, manifesta-se o significado do fator sexual na vida mental.

Esses impulsos, inicialmente vagos e incompreensíveis, decorrentes das sensações despertadas por órgãos que estavam, até então, subdesenvolvidos, são acompanhados por uma poderosa excitação das emoções. A reação psicológica do impulso sexual na puberdade se expressa em uma multiplicidade de manifestações que têm, em comum, apenas a condição mental da emoção e o impulso de expressá-la de alguma forma; ou, ainda, de objetivar essas estranhas emoções. A religião e a poesia estão próximas delas, e recebem poderosos incentivos da esfera sexual, quando se conclui o momento de desenvolvimento sexual, e esclarecem-se esses sentimentos e impulsos a princípio incompreensíveis. Aquele que duvida deste fato deve pensar quantas vezes o entusiasmo religioso surge na época da puberdade; quão frequentes são os episódios sexuais na vida dos santos ; quão poderosa se expressa a sensualidade nas histórias dos fanáticos religiosos; e em que cenas revoltantes, verdadeiras orgias, as festas religiosas da antiguidade, não menos do que os “encontros” de certas seitas nos tempos modernos, se expressam – sem mencionar os mistérios luxuriosos que caracterizavam os cultos dos antigos. Por outro lado, vemos que a sensualidade insatisfeita encontra, muito frequentemente, certo equivalente no entusiasmo religioso.

Essa relação entre sentimento religioso e sexual também é demonstrada a partir de inequívocos estados psicopatológicos. Basta lembrar como a intensa sensualidade se manifesta nas histórias clínicas de muitos maníacos religiosos; na mistura heterogênea de delírios religiosos e sexuais, que é tão frequentemente observada em psicoses (por exemplo, em mulheres maníacas, que pensam que são ou serão a Mãe de Deus), e particularmente na insanidade masturbadora; e, finalmente, as autopunições, lesões, autocastrações, e até mesmo auto crucificações, resultantes de um sentimento sexual-religioso anormal.

É difícil encontrar qualquer tentativa explicação para as relações entre religião e amor. Muitas analogias se apresentam. O sentimento de atração sexual e o sentimento religioso (considerado como fatos psicológicos) consistem em dois elementos.

Na religião, o elemento primário é um sentimento de dependência – fato que Schleiermacher reconheceu muito antes de estudos posteriores em antropologia e etnografia, fundados na observação de condições primitivas, e alcançaram as mesmas conclusões. É somente em um estágio mais elevado da cultura que entra o segundo, e essencialmente ético elemento – o amor de Deus: o sentimento religioso. No lugar dos espíritos malignos dos povos primitivos surgiram as criações dúbias – ora brandas, ora furiosas – das mitologias complexas, até que, finalmente, o Deus do amor, como doador da felicidade eterna, é reverenciado, seja como Jeová, enquanto uma bênção na terra; Alá, como uma bênção física no Paraíso; Cristo, como felicidade eterna no céu; ou como o Nirvana dos Budistas.

No desejo sexual, o amor, a expectativa de felicidade ilimitada é o elemento primário. O sentimento de dependência é de desenvolvimento secundário. O núcleo deste sentimento existe em ambas as partes, mas pode permanecer subdesenvolvido em uma delas. Como regra, devido à sua parte passiva na procriação e nas condições sociais, é mais pronunciada na mulher; mas, excepcionalmente, pode ser verdade para os homens com mentes que se aproximam do tipo feminino.

Tanto nas esferas religiosas quanto nas sexuais o amor é místico, transcendental. No amor sexual, o verdadeiro propósito do instinto, a propagação da espécie, não entra na consciência; e a força do desejo é maior do que qualquer propósito que a consciência poderia criar. Na religião, porém, o bem que é buscado, e o objeto de devoção, são de tal natureza que não podem se tornar parte do conhecimento empírico. Portanto, ambos os processos mentais dão alcance ilimitado à imaginação.

Mas ambos têm um objeto imortal, na medida em que a felicidade que o sentimento sexual cria na fantasia parece incomparável e infinita, em contraste com todos os outros sentimentos prazerosos; e o mesmo é verdadeiro para as bênçãos prometidas da fé, que são concebidas para serem eternas e supremas.

Da correspondência entre os dois estados de consciência, com referência à importância dominante de seus objetos, segue-se que ambos frequentemente atingem uma intensidade que é irresistível, e que supera todas as suas motivações opostas. Devido ao fato de que, em ambos, seus objetos não podem ser alcançados, segue-se que facilmente degeneram em um entusiasmo tolo, em que a intensidade dos sentimentos ultrapassa em muito a clareza e constância das ideias. Em ambos os casos, neste entusiasmo, na expectativa de uma felicidade que não pode ser atingida, a necessidade de submissão incondicional desempenha um papel.

Devido à correspondência em muitos pontos entre estes dois estados emocionais, é claro que, quando são muito intensos, um pode tomar o lugar do outro; ou podem surgir lado a lado, já que cada intensificação de um elemento da vida mental também intensifica suas associações. A emoção constante leva, assim, para a consciência, uma ou outra, ou mesmo ambas as ideias com as quais está conectada. Qualquer um desses estados mentais pode se transformar em impulso à crueldade (ativamente exercido ou passivamente sofrido).

Na vida religiosa isso é expresso pelo sacrifício. Principalmente, a vítima parte da ideia de que é materialmente desfrutada pela divindade; então, em reverência, e como sinal de submissão, torna-se um tributo; e, finalmente, com a crença de que pecados e transgressões contra a divindade são assim expiados para obtenção da bênção obtida. Se, porém, esta oferta consiste em autopunição (algo que ocorre em todas as religiões, e em indivíduos de natureza religiosa muito excitável), esta servirá não apenas como um símbolo de submissão e como um equivalente na troca da dor presente pela felicidade futura; mas tudo que se acredita partir da divindade, tudo o que acontece em obediência ao mandato divino ou à honra da divindade, é sentido diretamente como prazer. Assim, o entusiasmo religioso leva ao êxtase, a uma condição em que a consciência está tão preocupada com sentimentos de prazer mental, que o conceito de sofrimento suportado só pode ser percebido sem a sua qualidade dolorosa.

A exaltação do entusiasmo religioso pode conduzir ativamente ao prazer no sacrifício ao outro, se a piedade for excessivamente compensada por sentimentos de prazer religioso.

O sadismo, e particularmente o masoquismo (v. infra), revelam que, na esfera da vida sexual, podem existir fenômenos semelhantes. Assim, as relações bem estabelecidas entre religião, luxúria e crueldade podem ser compreendidas na seguinte fórmula: os estados de excitação religiosa e sexual, no auge de seu desenvolvimento, podem estar relacionados à quantidade e qualidade da excitação e, portanto, sob circunstâncias favoráveis, um poderá ocupar o lugar do outro. Ambos, em condições patológicas, podem se transformar em crueldade.
O fator sexual não é menos influente no despertar dos sentimentos estéticos. O que seria a poesia e a arte sem base sexual? No amor (sensual) obtém-se aquele calor de fantasia sem o qual uma verdadeira criação de arte é impossível; e no fogo dos sentimentos sensuais, brilho e calor são preservados. Pode-se assim entender por que grandes poetas e artistas possuem naturezas sensuais.

Este mundo de ideais se revela com o início dos processos de desenvolvimento sexual. Aquele que, neste período da vida, não consegue se entusiasmar com tudo o que é grande, nobre e belo, permanece Filisteu por toda sua vida. Não é verdade que, nesta época, até o mais medíocre cria versos?

Nos limites da reação fisiológica, há eventos que ocorrem na época da puberdade, na qual esses sentimentos obscuros de desejo se expressam em paroxismos de desespero de si e do outro, que caminham para o tædium vitæ, e são frequentemente acompanhadas pelo desejo de fazer mal aos outros (analogias fracas de uma conexão psicológica entre a luxúria e a crueldade).

O amor do ser humano tem um caráter romântico e idealista. Ela eleva o objeto amado à apoteose. Inicialmente é platônico, e se volta para formas de poesia e romance. Com o despertar da sensualidade, há o perigo de que esse poder idealizador possa ser exercido sobre pessoas do sexo oposto que estejam posições inferiores no aspecto mental, físico e social. Assim, podem ocorrer méssalliances, seduções e erros, trazendo toda a tragédia de um amor apaixonado quando entra em conflito com as regras da posição social e das perspectivas futuras, e por vezes termina no suicídio ou no suicídio duplo.

O amor não sensual nunca pode ser duradouro e verdadeiro. Por esta razão, o primeiro amor é, em regra, muito fugaz; porque não é nada mais que o brilho de uma paixão, a chama de um fogo de palha.

Somente o amor que repousa sobre um reconhecimento das qualidades sociais da pessoa amada, apenas um amor que está disposto não só a desfrutar prazeres presentes, mas suportar sofrimento pelo objeto amado e sacrificar tudo, será amor verdadeiro. O amor de um homem fortemente constituído não se encolhe diante de dificuldades ou perigos em ganhar e manter a posse de seu objeto.

O amor se expressa em atos de heroísmo e ousadia. Tal amor está em perigo, sob certas circunstâncias, de se tornar criminoso, se os princípios morais forem fracos. O ciúme é uma mácula neste amor. O amor de um homem fracamente constituído é sentimental. Por vezes leva ao suicídio quando não é retribuído, ou quando encontra obstáculos, enquanto, em condições semelhantes, o homem fortemente constituído pode tornar-se um criminoso.

O amor sentimental corre o risco de se tornar uma caricatura, ou seja, quando o elemento sensual é fraco (Cavaleiro de Toggenburg, Dom Quixote, muitos cantores e trovadores da Idade Média).

Tal amor é suave e macio, e pode até ser tolo; mas a verdadeira expressão desse poderoso sentimento desperta a piedade, o respeito ou a tristeza no coração dos outros.

Frequentemente esse amor fraco se expressa em expressões semelhantes –na poesia, que, no entanto, sob tais circunstâncias, é efeminada; na estética que é exagerada; na religião, que se entrega a mistérios e entusiasmo religioso; ou, quando existe um fundamento sensual mais poderoso, funda seitas ou se expressa na insanidade religiosa. O amor imaturo da idade da puberdade tem algo de tudo isso nele. De todos os poemas e rimas escritos nesta época da vida, só são legíveis os que são o produto de poetas divinamente dotados.

Apesar de toda a ética que o amor exige para se desenvolver em sua forma verdadeira e pura, sua raiz mais forte ainda é sensualidade. O amor platônico é uma impossibilidade, um autoengano, uma designação falsa para sentimentos relacionados.

Na medida em que o amor repousa sobre o desejo sensual, só é concebível de uma maneira normal como a que existe entre indivíduos do sexo oposto, e capaz de relações sexuais. Se essas condições faltam ou estão destruídas, então, no lugar do amor, vem a amizade.

O papel que a repressão de funções sexuais desempenha no caso de um homem, tanto em construir e preservar o sentimento de autoestima, é notável. A importância desse fator pode ser apreciada na deterioração da masculinidade e da autoconfiança do onanista, em seu enfraquecido estado nervoso, e do homem que se tornou impotente.

Gyurkovechky (mannl. Impotenz. Viena, 1889) afirma, corretamente, que homens velhos e jovens diferem mentalmente, na essência, devido à condição de sua virilidade, e que a impotência tem um efeito prejudicial sobre o sentimento de bem-estar, as ações, a autoconfiança e o papel do desejo. Esta perda se torna mais importante quanto mais jovem for o homem que perde a sua virilidade, e quando mais sensualmente ele for constituído.

Sob tais circunstâncias uma súbita perda de virilidade pode induzir melancolia grave e, até mesmo, levar ao suicídio. Para tais naturezas, a vida sem amor é insuportável.

Mas, da mesma forma, nos casos em que a reação não seja tão profunda, o homem desprovido de sua virilidade torna-se sombrio e rancoroso, egoísta, ciumento, confrontador, indiferente, tem pouca autoestima ou senso de honra, e é covarde. Analogias são vistas nos Skopzens que, após castração, os homens mudam para pior.

A perda da virilidade é ainda mais perceptível em certos indivíduos fracamente constituídos, quando se expressa em formal efeminação (v. infra).

Em uma mulher que se tornou uma matrona, a condição possui menor impacto psicológico, embora seja perceptível. Se o antigo período de sua vida sexual foi satisfatório, se as crianças deleitam o coração da mãe envelhecida, então ela está pouco consciente da mudança de sua personalidade. A situação é diferente, no entanto, quando a esterilidade ou outras circunstâncias retiraram uma mulher do desempenho de suas funções naturais, e a felicidade lhe foi negada.

Esses fatos caracterizam fortemente as diferenças que prevalecem na psicologia da vida sexual no homem e na mulher, e a dissimilaridade do sentimento e desejo sexual em ambos. O homem tem, sem dúvida, o apetite sexual mais forte dos dois. Desde o período de pubescência, ele é instintivamente atraído para a mulher. Seu amor é sensual, e sua escolha é fortemente afetada em razão de atrações físicas. Um poderoso impulso da natureza o torna agressivo e impetuoso em seu galanteio. No entanto, a lei da natureza não domina completamente o seu ser psíquico. Tendo obtido o prêmio, seu amor é temporariamente eclipsado por outros interesses vitais e sociais.

A mulher, no entanto, se física e mentalmente normal, e devidamente educada, tem pouco desejo sensual. Se fosse de outra forma, o casamento e vida familiar seriam palavras vazias. Pois o homem que evita as mulheres, e a mulher que procura homens, são anomalias.
A mulher é cortejada para seu próprio favor. Ela permanece passiva. Sua organização sexual assim o exige, e os ditames da boa criação vêm em seu auxílio. No entanto, a consciência sexual é mais forte na mulher do que no homem. Sua necessidade de amor é maior; é contínua, e não periódica, mas seu amor é mais espiritual do que sensual. O homem ama primeiramente a mulher como sua esposa, e então como a mãe de seus filhos; o primeiro lugar no coração da mulher pertence ao pai de seu filho, o segundo a ele como marido. A mulher é influenciada em sua escolha mais pelas qualidades mentais do que pelas físicas. Como mãe, divide seu amor entre descendência e marido. A sensualidade está fundida no amor da mãe. Depois disso, a esposa aceita relações sexuais conjugais não tanto como uma gratificação sensual, e mais como uma prova do afeto a seu marido.

A mulher ama com toda a sua alma. O que a mulher ama é a vida, o homem ama a alegria da vida. A desgraça no amor fere o coração do homem; mas arruína a vida da mulher e destrói sua felicidade. É realmente uma questão psicológica digna de consideração descobrir se a mulher pode realmente amar duas vezes em sua vida. A mente da mulher inclina-se certamente mais à monogamia do que a do homem.
Nas exigências sexuais da natureza do homem serão encontrados os motivos de sua fraqueza para com a mulher. Ele é escravizado por ela, e se torna cada vez mais dependente dela enquanto ele se torna mais fraco, e mais cede à sensualidade. Isso explica o fato de que nos períodos de declínio e luxúria, a sensualidade foi o fator predominante. Daí surge o perigo social quando as cortesãs e seus dependentes governam o Estado e finalmente lançam-no em ruína.

A história mostra que os grandes (estadistas) homens têm sido frequentemente escravos das mulheres, em consequência das condições neuropáticas de sua constituição.

Ordenar o celibato a seus sacerdotes para libertá-los da sensualidade, de forma que concentrem toda sua atividade na busca de sua vocação, revela um magistral conhecimento psicológico da natureza humana da Igreja Católica Romana. No entanto, é uma pena que o estado celibatário prive o sacerdote da influência enobrecedora exercida pelo amor, e pela vida conjugal, sobre o caráter.

Considerando que, por natureza, o homem desempenha o papel agressivo na vida sexual, ele está exposto ao perigo de ultrapassar os limites estabelecidos pela lei e a moralidade.

A infidelidade da esposa, em comparação com a do marido, é moralmente de muito maior porte, e deve sempre encontrar um castigo mais severo nas mãos da lei. A esposa infiel não só desonra a si mesma, mas também seu marido e sua família, para não mencionar a possível incerteza da paternidade.

Instintos naturais e posição social são causas frequentes da tradição no homem (o marido), enquanto a esposa é cercada por muitas influências protetoras. A relação sexual é de diferente importância para a solteira, e para o solteiro. A sociedade exige dela pudor, mas também castidade. A civilização moderna concede apenas à esposa essa posição de destaque, na qual a mulher promove sexualmente os interesses morais da sociedade.

O objetivo final, o ideal, da mulher, mesmo quando é arrastada pela lama do vício é, e sempre será, o casamento. A mulher, como Mantegazza observa corretamente, busca não apenas gratificação de desejos sensuais, mas também proteção e apoio para si mesma e sua prole. Não importa o quão sensual o homem possa ser: a menos que seja profundamente depravado, ele procurará como esposa apenas aquela mulher cuja castidade não pode duvidar.

O emblema e ornamento da mulher que aspira a este estado, verdadeiramente digno de si mesma, é o pudor, tão bem definido por Mantegazza como “uma das formas de autoestima física”.

Não cabe discutir aqui a evolução desta que é a mais graciosa das virtudes, mas provavelmente é uma consequência do crescimento gradual da civilização.

Um contraste notável pode ser encontrado na exposição ocasional de encantos físicos, convencionalmente sancionada pelo mundo da moda, em que até mesmo a mais discreta donzela se entrega quando se veste para um baile, teatro ou outro evento social. Embora as razões de tal exposição sejam óbvias, a mulher modesta não os considera mais importantes, felizmente, do que os motivos que subjazem as modas periódicas, que levam certas formas do corpo a uma proeminência indevida, para não falar de espartilhos, etc.
Sempre, e entre todas as raças, as mulheres gostam de toalete e de adornos. No reino animal, a natureza dotou o macho com maior beleza. Homens denominam as mulheres como “o belo sexo”, uma galanteria que surge claramente de suas exigências sensuais. Enquanto a mulher busca apenas a autogratificação no adorno pessoal, e desde que ela permaneça inconsciente das razões psicológicas para se tornar atraente, nenhuma objeção pode ser levantada contra ela; isso só ocorrerá quando o fizer tendo como objetivo específico agradar aos homens, o que degenera em coqueteria.

Sob circunstâncias semelhantes, o homem se tornaria ridículo.

A mulher ultrapassa em muito o homem na psicologia natural do amor, em parte porque a evolução e a educação fizeram do amor seu próprio elemento, em parte porque ela é animada por sentimentos mais refinados (Mantegazza).

Mesmo os que receberam a melhor criação permitem que um homem olhe para a mulher principalmente como um meio de satisfazer os desejos de seu instinto natural, embora o confine apenas à mulher de sua escolha. Assim, a civilização estabelece um contrato social, que é chamado de casamento, e concede por lei estatutos de proteção e apoio à esposa e seus direitos.

É importante, por conta de certas manifestações patológicas (a que nos referiremos mais adiante), examinar os acontecimentos psicológicos que levam o homem e a mulher a essa estreita união que concentra a plenitude do afeto exclusivamente sobre o amado, excluindo-se todas as outras pessoas do mesmo sexo.

Se fosse possível demonstrar o objetivo dos processos da natureza – a adaptação não pode ser negada –, então o fato de se deixar fascinar por uma única pessoa do sexo oposto, com indiferença em relação a todas as outras, como ocorre entre verdadeiros e felizes amantes, descobriríamos uma maravilhosa estratégia para garantir a monogamia pela valorização de seu objeto.

O observador científico não encontra neste vínculo amoroso dos corações qualquer mistério de almas, mas pode, quase sempre, identificar certas peculiaridades físicas ou mentais pelas quais o poder atrativo é caracterizado.

Daí as palavras fetiche e fetichismo. A palavra fetiche significa um objeto, ou partes ou atributos de objetos que, em virtude da associação com o sentimento, a personalidade, ou as ideias semelhantes, exercem um encanto (o português “fetisso” ) ou, pelo menos, produzem uma impressão individual peculiar que não está de modo algum relacionada com a aparência externa do signo, símbolo ou fetiche.

A valorização individual do fetiche que se estende até ao entusiasmo irracional é chamada de fetichismo. Esse interessante fenômeno psicológico pode ser explicado por uma lei empírica de associação, isto é, a relação existente entre a própria noção e suas partes, que são essencialmente ativas na produção de emoções prazerosas. É mais comumente encontrada nas esferas religiosas e eróticas. O fetichismo religioso encontra seu motivo original na ilusão de que seu objeto, isto é, o ídolo, não é um mero símbolo, mas possui atributos divinos, e lhe atribui virtudes peculiares mágicas (relíquias) ou protetoras (amuletos).

O fetichismo erótico faz, das qualidades físicas ou mentais de uma pessoa, ou mesmo meramente dos objetos usados por ela, um ídolo, por ser capaz de despertar poderosas associações com a pessoa amada, originando assim fortes emoções de prazer sexual. É sempre possível identificar analogias com o fetichismo religioso; pois, neste último, os objetos mais insignificantes (cabelos, unhas, ossos, etc.) se tornam, por vezes, fetiches que produzem sentimentos de prazer e até mesmo de êxtase.

O germe do amor sexual é provavelmente encontrado no encanto individual (fetiche) com o qual as pessoas de sexo oposto se atraem mutuamente.

Torna-se uma situação óbvia quando a visão da pessoa do sexo oposto ocorre simultaneamente com a excitação sexual, por meio da qual essa última é intensificada.

As impressões emocionais e visuais combinam-se, e estão tão profundamente incorporadas na mente, que uma sensação recorrente desperta a memória visual e provoca uma excitação sexual renovada, e mesmo o orgasmo e a polução (muitas vezes apenas em sonhos), que ocorre quando a aparência física é um fetiche.

Essas, entre outras coisas, são meras particularidades, sejam físicas ou mentais, que podem ter o efeito do fetiche, caso sua percepção coincida com a emoção sexual.

A experiência mostra que o acaso controla, em grande medida, essa associação mental, e que a natureza do fetiche varia com a personalidade do indivíduo, despertando assim as mais estranhas simpatias ou antipatias.

Esses fatos fisiológicos do fetichismo muitas vezes explicam o afeto que surge espontaneamente entre homem e mulher, por conta da preferência por uma certa pessoa em detrimento de todas as outras do mesmo sexo. Uma vez que o fetiche assuma a forma de uma marca distintiva, fica evidente que seu efeito só poderá ser de caráter individual. Sendo acentuado pelos mais fortes sentimentos de prazer, segue-se que as falhas existentes na amada são negligenciadas (“o amor é cego”), e nasce uma paixão que parece incompreensível ou ridícula para os outros. É por isso que o amante devotado, que adora seu amor e acredita que este possua qualidades que na realidade não existem, é taxado pelos demais como sendo um simples louco. Desta forma, o amor apresenta-se ora como uma mera paixão, ora como uma pronunciada anomalia psíquica que atinge o que parecia impossível: torna a bela feia, o profano sublime e oblitera toda a consciência dos deveres existentes para com os outros.

Tarde (“Archives de l’Antrhropologi Criminelle”, vol. v. n. 30) argumenta que o tipo de fetichismo varia não apenas entre as pessoas, mas também entre as nações, mas que o ideal da beleza permanece o mesmo entre os povos civilizados de uma mesma época.
Binet analisou e estudou mais profundamente esse fetichismo do amor.

Dele brota a escolha particular de formas delgadas ou gordas, loiras ou morenas, forma particular ou cor dos olhos, tom da voz, odor do cabelo ou do corpo (mesmo o perfume artificial), forma das mãos, pés ou orelhas, etc., que constituem o encanto individual, o primeiro elo de uma complexa cadeia de processos mentais, convergindo todos nesse foco, o amor, isto é, a possessão física e mental da pessoa amada.
Esse fato estabelece a existência do fetichismo fisiológico.

Sem demonstrar uma condição patológica, o fetiche pode exercer seu poder enquanto as partes são ainda qualidades de um todo completo, e enquanto o amor produzido por ele compreender toda a personalidade mental e física da outra pessoa. “O amor normal nos aparece como uma sinfonia de tons”. Max Dessoir (pseudônimo Ludwig Brunn) em um artigo “O Fetichismo do Amor”, afirma com precisão:
“O amor normal nos aparece como uma sinfonia de tons de todos os tipos. É despertado pelas mais variadas razões. É, por assim dizer, politeísta. O fetichismo reconhece somente a cor tônica de um único instrumento; emana de um único motivo; é monoteísta”.

Mesmo o pensamento moderado chegará à conclusão de que a expressão “amor verdadeiro” (tão frequentemente mal utilizada) só pode ser aplicada quando toda a pessoa do amado se torna objeto físico e mental de veneração.

É claro que há sempre um elemento sensual no amor, isto é, o desejo de gozar a plena posse do objeto amado e, em união com ele, cumprir as leis da natureza.

Mas quando o corpo da pessoa amada é o único objeto do amor, ou se o prazer sexual é buscado sem consideração à comunhão da alma e da mente, o verdadeiro amor não existe. Nem é encontrado entre os discípulos de Platão, que amam a somente alma e desprezam o prazer sexual. Em um caso, o corpo é o fetiche, no outro a alma; e o amor é fetichismo.

Exemplos como esses representam simplesmente transições para o fetichismo patológico.

Esta hipótese é reforçada por outro critério de amor verdadeiro, a saber, a satisfação mental derivada do ato sexual.

Um impressionante fenômeno no fetichismo é que, entre os diversos objetos que podem servir como fetiches, há alguns que ganham esse significado mais comumente do que outros; por exemplo, o cabelo, a mão, o pé da mulher ou a expressão do olho. Isso é importante na patologia do fetichismo.

A mulher certamente parece estar mais ou menos consciente desses fatos. Pois ela dedica grande atenção a seu cabelo, e muitas vezes gasta uma quantidade razoável de tempo e dinheiro com seu cuidado. Quão cuidadosamente a mãe cuida do cabelo da filha! Que atividade importante desempenha o cabeleireiro! A queda do cabelo causa desespero a muitas jovens senhoras. O autor recorda o caso de uma mulher vã que caiu em melancolia por conta deste problema, e finalmente se suicidou. Um assunto favorito da conversa entre senhoras são os coiffures. Elas são invejosos das belas tranças umas das outras.

O cabelo bonito é um fetiche poderoso para muitos homens. Na lenda de Lorelei, que atraiu os homens para a destruição, o “cabelo dourado”, que ela penteia com um pente dourado, aparece como fetiche. Frequentemente a mão ou o pé possuem efeitos não menos poderosos; mas nesses casos, sentimentos masoquistas e sádicos muito frequentemente, – embora nem sempre – ajudam a determinar o tipo peculiar de fetiche.

Por uma transferência que ocorre por meio da associação de ideias, luvas ou sapatos passam a ocupar o significado de um fetiche. Max Dessoir ressalta que, entre os costumes da Idade Média, beber do sapato de uma bela mulher (hábito que ainda se encontra na Polônia) desempenhou um papel notável na galanteria e na homenagem. O sapato também desempenha um papel importante na lenda de Aschenbrödel.

A expressão do olho é particularmente importante como um meio de acender a centelha do amor. Um olho neuropático frequentemente afeta pessoas de qualquer sexo como um fetiche. “Madam, vos beaux yeux me font mourir d’amour.” (Molière).

Há muitos exemplos que mostram que os odores do corpo se tornam fetiches.

Este fato é utilizado no “Ars amandi” de maneira consciente ou inconsciente, pela mulher. Rute tentou atrair Boaz perfumando a si mesma. O demi-monde dos tempos antigos e modernos assemelham-se em seu uso pródigo de perfumes fortes. Jäger, em sua “Descoberta da Alma”, chama a atenção para muitas simpatias olfativas.

Casos são conhecidos em que os homens se casaram com mulheres feias apenas porque seus odores pessoais eram extremamente agradáveis.

Binet acredita que seja provável que a voz também possa agir como um fetiche.

Belot, em seu romance “Les baigneuses de Trouville”, faz a mesma afirmação. Binet acredita que muitos casamentos com cantores têm sua origem no fetiche de suas vozes. Ele também observa que, entre os pássaros cantores, a voz tem o mesmo significado sexual que os odores entre os quadrúpedes. Os pássaros seduzem por sua canção, e o macho que canta mais lindamente une-se à noite com a companheira encantada.

Os fatos patológicos do masoquismo e sadismo mostram que as peculiaridades mentais também podem agir como fetiches, mas em um sentido mais amplo.

Assim, o fato das idiossincrasias é explicado, e o velho provérbio “De gustibus non est disputandum” mantém sua força.
Em relação ao fetichismo na mulher, a ciência deve, pelo menos por enquanto, contentar-se com meras conjecturas. Para certo, porém, que em tendo causa fisiológica, seus efeitos devem ser análogos aos dos homens, isto é, produzindo simpatias sexuais com pessoas do mesmo sexo.

Somente descobriremos esses detalhes quando as mulheres médicas iniciarem os estudos nesses assuntos.

Podemos ao menos ter certeza que a fetiche feminina assume a forma das qualidades físicas e mentais dos homens. Na maioria dos casos, sem dúvida, os atributos físicos no macho exercem esse poder, sem levarmos em conta a existência de sensualidade consciente. Por outro lado, verifica-se que a superioridade mental do homem constitui o poder atrativo quando a beleza física está faltando. Nos “estratos” superiores da sociedade isto é mais aparente, mesmo se desconsiderarmos a enorme influência exercida pelo “sangue azul” e a alta taxa de reprodução. A possibilidade de que o desenvolvimento intelectual superior favoreça o avanço na sociedade, e abra caminho para uma carreira brilhante, não parece influenciar de forma significativa os julgamentos.

O fetichismo do corpo e da mente é importante na produção de descendentes; favorece a seleção do mais apto e a transmissão de virtudes físicas e mentais.

Em geral, as seguintes qualidades masculinas se impõem à mulher: força física, coragem, nobreza da mente, cavalheirismo, autoconfiança, até mesmo autoafirmação, insolência, bravata e uma demonstração consciente de domínio sobre o sexo mais fraco.
Um “Don Juan” impressiona muitas mulheres e suscita admiração, pois ele estabelece a prova de seus poderes viris, embora a donzela inexperiente não possa, de modo algum, suspeitar dos muitos riscos de sífilis e uretrite crônica que ela corre em uma união conjugal com este interessante personagem.

O ator bem sucedido, o músico ou o artista vocal, o cavaleiro de circo, o atleta e até mesmo o criminoso, muitas vezes fascinam a jovem, bem como a mulher madura. De qualquer modo, as mulheres deliram e os inundam com cartas de amor.
É um fato bem conhecido que o coração feminino tem uma fraqueza particular por uniformes militares, sendo que os homens da cavalaria sempre têm a preferência.

O cabelo do homem, especialmente a barba, emblema da virilidade, símbolo secundário do poder gerador – é um fetiche predominante na mulher. Na medida em que as mulheres dão especial cuidado ao cultivo de seus cabelos, os homens as procuram atrair e agradar, cultivando o crescimento elegante da barba e, especialmente, do bigode.

O olho e a voz exercem o mesmo charme. Cantores de renome facilmente tocam o coração da mulher. Eles são sobrecarregados com cartas de amor e ofertas de casamento. Os tenores têm uma especial vantagem.

Bind (op. cit.) refere-se a uma observação desse personagem feita por Dumas em seu romance “La maison du vent”. Uma mulher que se apaixona pela voz de um tenor perde sua virtude.

Até o momento, o autor não conseguiu reunir fatos em relação ao fetichismo patológico na mulher.


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