A prostituta terapêutica em Krafft-Ebing

Algo que é interessante de ser notado em “Psychopathia Sexualis” de Richard von Krafft-Ebing, é o duplo papel da prostituição. Por um lado, atividade considerada desonrosa para a mulher. Em segundo, uma prática necessária e, em certos casos, recomendável.

Aqui estão alguns trechos selecionados em que a prostituta tem um papel terapêutico: usada como diagnóstico ou tratamento, implícita ou explicitamente recomendada para que o paciente supere algum trauma sexual qualquer. Ou muito me engano, ou esse aspecto da obra de Krafft-Ebing jamais foi considerada.

Conselhos: Tratamento da neurastenia, energético combate aos desejos homossexuais, companhia de mulheres, eventualmente coitus condomatus. Casamento quando fosse adequado, como exigia sua posição na vida.

“Companhia de mulheres”, obviamente, para atos sexuais; além disso, e recomendado coitus condomatus, ou seja, sexo com preservativo.

No caso a seguir, a prostituição serve para tratar um fetichista por botas.

Quando era um jovem oficial, se via obrigado a acompanhar seus companheiros em bordéis. Ele era facilmente persuadido, pois esperava que, por este meio, pudesse se livrar de sua vil parcialidade de botas.

Como o fetiche era considerado a substituição da mulher enquanto ser humano, por um pedaço ou objeto seu, o objetivo do paciente era se interessar por mulheres inteiras (prostitutas, no caso) e não apenas por boas femininas. O tratamento acabou não dando certo, aliás.

Aos 23 anos procurou a cura com uma prostituta
(…)
Aos 29 anos desenvolver um amor violento por um velho que acompanhava durante anos em seus passeios diários. Entretanto, as relações íntimas não eram possíveis. Mas, muitas vezes, tinha ejaculações durante esses passeios. Para se livrar dessa situação humilhante, ele foi, mais uma vez, a uma prostituta, mas provou ser um fiasco.

Os próprios pacientes iam muito às prostitutas à busca de cura para suas angústias sexuais; e os médicos, ainda que de maneira indireta e velada, recomendavam-nas como tratamento.

Aos 22 anos, ele reconheceu a anormalidade de sua vida sexual. Ficou alarmado e começou a frequentar bordéis para curar-se de seus hábitos perversos, mas a ereção sempre falhava.

Além de tratamento, diagnóstico:

Quando tinha 19 anos, foi levado a um bordel por amigos. Ele não experimentou nenhum horror feminæ, teve ereções eficientes, e algum prazer no coito, mas não o prazer instintivo que experimentava ao abraçar os homens.

E, por fim, a ida ao bordel como sinônimo de sucesso de tratamento.

Durante as sessões, o paciente sempre repetia literalmente essas sugestões. Depois da quarta sessão era notório, que, quando levado a reuniões sociais, ele cortejava as senhoras. Pouco tempo depois, quando ouviu uma famosa prima-donna cantar, ele demonstrou grande entusiasmo por ela. Alguns dias depois, o paciente procurou o endereço de um bordel.

Há outros trechos como esse.

Considerando-se o que se pensava sobre mulheres, e especialmente sobre prostitutas, pode-se considerar uma atitude hipócrita? Sem dúvida. Mas a explicação é mais complexa que isso.

De toda forma, se lhe faltava a ideia para um artigo científico, #ficadika. O caráter terapêutico e diagnóstico da prostituição é uma de suas facetas que ainda não foi investigada.

Até porque, como já dissemos em outros posts, a obra de Krafft-Ebing é muito citada; muito ignorantemente citada, pois pouquíssimo lida.

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