Trecho de “Geografia”, de Estrabão

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Uma das obras mais importantes da Antiguidade, está chegando ao Brasil. Estão disponíveis os Livros I e II de Geografia, do geógrafo grego Estrabão. Uma verdadeira enciclopédia sobre o mundo como era visto e pensado na época do Império Romano.

Leia, a seguir, um trecho do Capítulo 1, do livro I de Geografia.


A Geografia, que nos propomos estudar no presente trabalho, parece-nos ser como qualquer outra ciência do domínio do filósofo; e mais de um fato nos autoriza a pensar desta forma: primeiro, os primeiros autores que ousaram lidar com a Geografia foram precisamente os filósofos: Homero, Anaximandro de Mileto e seu compatriota Hecateu, como já observou Eratóstenes; depois Demócrito, Eudoxo, Dicearco, Éforo e muitos outros com eles; e mais recentemente Eratóstenes, Políbio, Posidônio, filósofos também eles. Em segundo lugar, a multiplicidade de conhecimentos, indispensável para quem deseja realizar tal trabalho, é compartilhada apenas por aqueles que abraçam, em sua contemplação, tanto as coisas divinas como as humanas, ou seja, o próprio objeto da filosofia. Finalmente, a variedade de aplicações de que a Geografia é suscetível, que pode servir tanto às necessidades dos povos como os interesses dos governantes, e que tende a nos fazer conhecer melhor primeiro o céu, e depois todas as riquezas da terra e dos mares, assim como os animais e as plantas, os frutos e as produções próprias de cada país, essa variedade, dizemos, implica no geógrafo esse mesmo espírito filosófico, habituado a meditar sobre a grande arte de viver e ser feliz.

Mas vamos retomar, ponto por ponto, o que acabou de ser dito, para chegarmos ao fundo da análise. E antes de mais nada, mostremos que é com razão que, imitando nossos antecessores, em particular Hiparco, apresentamos Homero como o próprio fundador da ciência geográfica. Homero, de fato, não apenas superou os autores antigos e modernos em mérito poético, mas, pode-se dizer, inclusive os superou por sua experiência das condições práticas da vida dos povos; e é devido a essa mesma experiência que, não contente em se interessar pela história dos fatos e procurar coletar a maior quantidade possível deles para transmitir seu relato à posteridade, uniu a ela o estudo da Geografia, tanto o estudo parcial das localidades como o estudo geral dos mares e das terras habitadas. Não fosse assim, teria ele sido capaz de alcançar, como o fez, os limites do globo e cobrir toda a sua circunferência em seus versos?

Ele começa por representar a Terra tal como ela é, de fato, envolvida por todos os lados e banhada pelo Oceano; depois, das várias regiões que ela contém, ele designa algumas pelos seus verdadeiros nomes e nos permite reconhecer outras por certas indicações indiretas: assim, enquanto nomeia expressamente a Líbia, a Etiópia, os Sidônios e os Erembes (que seriam, aparentemente, os árabes trogloditas), ele se contenta em designar indiretamente os países do Oriente e do Ocidente pela circunstância que o Oceano as banha. Pois é do seio do Oceano, segundo ele, que nasce o Sol e no seio do Oceano que, da mesma forma, põem-se as constelações:

“Quando o Sol, que acabava de sair do seio do Oceano com as suas águas calmas e profundas, feria o campo com seus primeiros raios ;”

e em outros lugares:

“Já no seio do Oceano a tocha cintilante do Sol desapareceu, estendendo o véu escuro da noite sobre a terra”; Em outro lugar, ele nos mostra as estrelas “emergindo do Oceano, onde se banhavam” .

A partir da imagem que ele apresenta da felicidade dos povos ocidentais e da pureza incomparável do ar que respiram, é fácil ver que ouvira falar das riquezas da Península Ibérica; riquezas que, depois de sucessivamente tentarem Hércules e os fenícios, que nessa ocasião ocupavam a maior parte da região, acabaram por provocar a conquista romana. É de fato da Ibéria que o Zéfiro sopra e na Ibéria que Homero localizou o “Campo Elísio, onde os imortais, dizem-nos, devem conduzir Menelau”:

“Quanto a ti, Menelau, descendente de Zeus, os imortais te levarão ao Campo Elísio, aos limites da Terra: ali está o belo Radamanto, ali também os humanos desfrutam da vida fácil, protegidos da neve, da geada e da chuva, e do seio do Oceano, incessante, eleva-se o sopro harmonioso do Zéfiro.”

Acrescentemos que as Ilhas Afortunadas se situam no extremo ocidental da Maurúsia, perto de onde sua costa corre paralela à costa oposta da Espanha; agora, se as ditas ilhas eram consideradas afortunadas, isso só poderia ser devido à sua proximidade a uma região tão afortunada como a Ibéria.

Outras indicações de Homero nos revelam os etíopes também vivendo nos últimos confins da Terra, nas próprias margens do Oceano; eu digo “nos últimos confins da terra” devido ao verso,

“Os etíopes, que vivem cindidos em duas nações nos confins da terra […]”

no qual a própria expressão “cindidos em duas nações” é perfeitamente precisa, como mostraremos mais adiante; e se eu acrescentar “nas próprias margens do Oceano”, estará de acordo com esta outra passagem:

“Pois Júpiter foi ontem ao Oceano visitar os puros etíopes e participar em seu banquete” .
Agora, como ele implica que a extremidade norte ou ártica da terra também é margeada pelo Oceano.

Ele diz, falando da Ursa Maior:

“Também chamada pelo nome da Carruagem, que gira em torno de um único ponto, o Orion sempre a espirar; e apenas ela está privada dos banhos do Oceano” .

Agora, por “Ursa” e por “Carruagem”, ele quer indicar o Círculo Ártico; caso contrário, jamais teria dito:

“Só ela está privada dos banhos do Oceano”, quando tal infinidade de estrelas pode ser vista continuamente realizando sua revolução naquela parte do hemisfério. Portanto, é um erro acusá-lo, como já se fez, de ignorância, por ter conhecido, supostamente, apenas uma Ursa quando na verdade são duas.

Não é provável, de fato, que, em seu tempo, a segunda Ursa já estivesse classificada entre as constelações; e, sem dúvida, apenas após os Fenícios a observarem e a utilizarem para a navegação é que essa constelação alcançou os gregos.


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