“História Romana” de Apiano

Apiano, Historiador do século II d.C., tem em “História Romana” sua principal obra. Infelizmente, ela não chegou completa até nós. Nesta edição, está todo o conteúdo de “Guerras Civis”, a parte mais influente da obra da obra de Apiano.

Abaixo você irá ler a Introdução à obra “História Romana: Guerras Civis”. Caso deseje adquirir a obra completa, clique aqui, ou na capinha do livro.

Introdução

Os plebeus e o Senado de Roma frequentemente estavam em conflito entre si sobre a promulgação de leis, o cancelamento de dívidas, a divisão de terras ou a eleição de magistrados. No entanto, a discórdia interna não os levava a confrontos violentos; havia apenas dissensões e contendas dentro dos limites da lei, resolvidas a partir de concessões respeito mútuos. Certa vez, quando os plebeus estavam prestes a iniciar uma campanha, eles se envolveram em uma controvérsia, mas não usaram as armas em suas mãos; ao invés disso, retiraram-se para uma colina, que a partir desse momento passou a ser conhecida como Monte Sagrado. Mesmo então, não houve violência, mas eles criaram um magistrado para sua proteção e o chamaram de Tribuno da Plebe, para servir especialmente como um freio aos cônsules, que eram escolhidos pelo Senado, de forma que o poder político não ficasse exclusivamente em suas mãos. A partir disso, surgiu uma amargura ainda maior, e os magistrados se posicionaram em uma animosidade mais forte uns contra os outros, e o Senado e os plebeus firmaram suas posições políticas, cada um acreditando que prevaleceria sobre o outro aumentando o poder de seus próprios magistrados. Foi no centro de contendas desse tipo que Márcio Coriolano, tendo sido banido contrariamente à justiça, refugiou-se com os Volscos e levantou guerra contra seu país.

Este é o único caso de conflito armado que pode ser encontrado nas antigas sedições, e isso foi causado por um exílio. A espada nunca foi levada para a assembleia, e não houve massacre civil até Tibério Graco, enquanto servia como tribuno e apresentava novas leis, ser o primeiro a cair vítima das lutas internas; e com ele muitos outros, que estavam aglomerados no Capitólio em torno do templo, também foram mortos. A sedição não terminou com esse ato abominável. As partes frequentemente entraram em conflito aberto, muitas vezes empunhando adagas; e de tempos em tempos nos templos, ou nas assembleias, ou no fórum, algum tribuno, ou pretor, ou cônsul, ou candidato a esses cargos, ou alguma pessoa de outra forma distinta, era morto. A violência indecorosa prevaleceu quase constantemente, junto com o vergonhoso desprezo pela lei e pela justiça. Conforme o mal aumentava em grandeza, insurreições abertas contra o governo e grandes expedições bélicas contra o país eram empreendidas por exilados, ou criminosos, ou pessoas lutando entre si por algum cargo ou comando militar. Surgiam frequentemente chefes de facções, aspirando ao poder supremo, alguns se recusando a desbandar as tropas confiadas a eles pelo povo, outros até mesmo contratando forças um contra o outro por conta própria, sem autorização pública. Sempre que um dos lados primeiro tomava posse da cidade, a facção contrária fazia guerra – nominalmente contra seus próprios adversários, mas, na verdade, contra seu país. Eles a atacavam como a capital de um inimigo, e massacres impiedosos e indiscriminados de cidadãos eram perpetrados. Alguns eram proscritos, outros banidos, propriedades eram confiscadas, e prisioneiros eram até mesmo submetidos a excruciantes torturas.

Nenhuma ação indecorosa foi deixada de lado até, cerca de cinquenta anos após a morte de Graco, Cornélio Sula, um desses chefes de facções, remediando um mal com outro, tornar-se único senhor do estado por um longo tempo. Tais autoridades públicas eram antigamente chamadas de ditadores – um cargo criado nas piores emergências por apenas seis meses, e que desde então caiu em desuso. Mas Sula, embora nominalmente eleito, tornou-se ditador vitalício pela força e coação. No entanto, ele se inundou de poder e foi o primeiro homem, até onde sei, detentor do poder supremo, que teve a coragem de abdicar voluntariamente e declarar que prestaria contas da sua administração a qualquer pessoa insatisfeita com ela. E assim, por um período considerável, ele caminhou até o fórum como um cidadão comum à vista de todos e retornou para casa sem ser molestado, tão grande era o temor ainda presente em relação ao seu governo na mente dos espectadores, ou seu espanto com a sua renúncia. Talvez eles se envergonhassem de cobrá-lo, ou tivessem outros bons sentimentos em relação a ele, ou acreditassem que seu despotismo tinha sido benéfico para o estado.

Assim, houve um fim das disputas por um curto período de tempo enquanto Sula viveu, e uma compensação pelos males que ele havia causado, mas após sua morte, problemas semelhantes eclodiram e continuaram até Caio César, que havia mantido o comando na Gália por eleição por alguns anos, quando ordenado pelo Senado a renunciar ao seu comando, negou-se sob o pretexto de que este não era o desejo do Senado, mas de Pompeu, seu inimigo, que tinha o comando de um exército na Itália, e estava tramando depô-lo. Então ele enviou propostas de que ambos deveriam manter seus exércitos, para que nenhum precisasse temer a hostilidade do outro, ou que Pompeu também deveria dispensar suas forças e viver como um cidadão comum sob as leis da mesma forma que ele próprio. Ambas as sugestões sendo recusadas, ele marchou da Gália contra Pompeu no território romano, entrou em Roma e, encontrando Pompeu em fuga, o perseguiu até a Tessália, conquistou uma brilhante vitória sobre ele em uma grande batalha, e o seguiu até o Egito. Depois que Pompeu foi morto por alguns egípcios, César começou a trabalhar nos assuntos egípcios e permaneceu lá até poder resolver a dinastia daquele país. Então ele retornou a Roma. Tendo superado seu principal rival na guerra, e chamado de “o Grande” devido a seus brilhantes feitos militares, ele agora governava sem disfarce, ninguém mais se atrevendo a contestá-lo sobre qualquer coisa, e foi escolhido, logo após Sula, como ditador vitalício. Novamente todas as dissensões civis cessaram até que Bruto e Cássio, invejosos de seu grande poder e desejando restaurar o governo de seus pais, mataram no Senado aquele que se mostrara verdadeiramente popular e mais experiente na arte de governar.

O povo certamente lamentou a morte de forma profunda. Eles vasculharam a cidade em busca dos assassinos, enterraram César no centro do fórum, construíram um templo no local de sua pira funerária e ofereceram sacrifícios a ele como a um deus. E agora a discórdia civil eclodia novamente pior do que nunca e aumentava enormemente. Massacres, banimentos e proscrições tanto de senadores quanto de cavaleiros ocorreram imediatamente, incluindo grandes números de ambas as classes, os chefes de grupos políticos entregando seus inimigos um ao outro, e para esse fim não poupando nem mesmo seus amigos e irmãos; tal era a força da animosidade em relação aos rivais que se sobrepunha ao amor pelos parentes. Assim, no decorrer dos acontecimentos, o império romano foi dividido, como se fosse sua propriedade privada, por esses três homens: Antônio, Lépido, e aquele que primeiro foi chamado de Otávio, mas depois de César, por sua relação com o primeiro César e sua adoção em testamento. Pouco depois dessa divisão, eles começaram a lutar entre si, como era natural, e Otávio, que era superior em inteligência e habilidade, primeiro privou Lépido da Líbia, que lhe havia sido concedida, e depois, como resultado da batalha de Áccio, tirou de Antônio todas as províncias entre a Síria e o golfo de Áccio. Então, enquanto todo o mundo estava repleto de espanto com essas maravilhosas demonstrações de poder, ele navegou para o Egito e tomou aquele país, o mais antigo dos reinos então existentes, aquele que tinha sido o mais poderoso desde a morte de Alexandre, e o único que faltava aos romanos para elevar seu império ao ponto em que está hoje. Essas grandezas valeram-lhe o epíteto de Augusto ainda em vida, um fenômeno para o qual os romanos ainda não tinham visto exemplo. Elas elevaram-no aos olhos de Roma e de todas as nações às quais Roma ditava leis, a um grau de poder superior até mesmo ao que César havia alcançado. Ele não precisou mais de eleição, nem de voto, nem mesmo de dissimulação ou hipocrisia. A perpetuidade do poder em suas mãos, a consistência que ele soube lhe dar, sua felicidade em todas as coisas, e o peso imponente de seu nome fizeram com que ele deixasse o império para seus descendentes como um patrimônio.

Assim, a partir de múltiplas comoções civis, o estado romano passou para a harmonia e a monarquia. Para mostrar como essas coisas aconteceram, escrevi e compilei esta narrativa, que vale muito a pena ser estudada por aqueles que desejam conhecer a insondável ambição dos homens, sua terrível sede de poder, sua perseverança incansável e as inúmeras formas de mal. Dedico-me a este trabalho ainda mais voluntariamente, pois vários desses eventos, precedendo aqueles que mudaram o destino do Egito e depois se mesclaram com eles, era apropriado que fossem mencionados primeiro. Pois o Egito foi conquistado durante a disputa entre Antônio e Otávio. O apoio que Cleópatra oferecia a Antônio foi o motivo. Vou dividir os temas, devido à sua abundância. Na primeira parte, incluirei as coisas que aconteceram desde Semprônio Graco até a morte de Sula. Na segunda, abrangerei aquelas que ocorreram desde a morte de Sula até a morte de César. As três outras partes abordarão tudo o que os triúnviros fizeram uns contra os outros e contra o povo romano, até o desfecho de todas as sedições, que foi o ato mais importante, ou seja, até a Batalha de Áccio, vencida por Otávio contra Antônio e Cleópatra, e que servirá como ponto de partida para a história do Egito.

Quando os romanos conquistaram partes da Itália pela força militar, seu método tradicional era ou tomar uma porção do território conquistado para estabelecer uma nova cidade, ou fundar colônias de cidadãos romanos nas cidades já existentes. No entanto, eles começaram a considerar a substituição desse método pelo uso de guarnições. A terra conquistada, da qual eles se tornaram proprietários pelo direito de conquista, era imediatamente distribuída entre aqueles interessados em se estabelecerem lá, se estivesse cultivada; caso contrário, era vendida ou alugada. Se a terra estivesse devastada pela guerra, o que era comum, era distribuída por sorteio ou leiloada, com um tributo anual exigido em produtos agrícolas, como um décimo das terras aráveis e um quinto das terras de plantio. Para terras adequadas apenas para pastagem, era cobrado um tributo em animais grandes e animais menores. O objetivo era aumentar a população local, dispersa entre os povos da Itália, considerada capaz de suportar trabalhos árduos e fornecer auxiliares para os exércitos romanos. No entanto, o resultado foi o oposto. Os cidadãos ricos monopolizaram a maior parte das terras incultas, considerando-se proprietários incontestáveis, com o tempo. Eles adquiriram terras por persuasão ou violência, invadindo as pequenas propriedades dos vizinhos pobres. Grandes propriedades substituíram as pequenas fazendas. As terras e os rebanhos foram entregues a agricultores e pastores de condição servil para evitar o recrutamento militar entre os homens livres. Essa estratégia resultou em um aumento significativo da população escrava, que se multiplicava livremente por não ser convocada para o serviço militar. Como resultado, os ricos prosperaram, enquanto a população de escravos nas áreas rurais cresceu consideravelmente, e a população de homens livres declinou devido à escassez, impostos e serviço militar opressivo. Mesmo quando obtinham alívio no serviço militar, os homens livres muitas vezes não tinham outra opção além da inatividade, já que as terras estavam nas mãos dos ricos, que preferiam empregar escravos em vez de homens livres para cultivá-las.

Diante dessas preocupações, a população começou a temer a falta de aliados suficientes para o serviço militar, bem como a ameaça representada pelo grande número de escravos para o próprio governo. Sem encontrar uma solução fácil ou justa para o problema de privar os homens de suas propriedades, que haviam mantido por tanto tempo, incluindo terras, construções e animais, uma lei foi finalmente promulgada com grande dificuldade, atendendo ao pedido dos tribunos. Esta legislação estabelecia que ninguém poderia possuir mais de 500 jugera de terra, ou pastar mais de 100 animais grandes ou 500 animais pequenos. Para garantir o cumprimento da lei, também foi determinado que um certo número de homens livres seria empregado nas fazendas, com a responsabilidade de observar e relatar qualquer violação.

Compreendendo a gravidade da situação, os legisladores estabeleceram uma lei, incluindo juramentos e penalidades para aqueles que a violassem, com a expectativa de que a terra restante seria prontamente dividida entre os menos favorecidos em pequenas parcelas. Contudo, tanto a lei quanto os juramentos foram inteiramente ignorados. Os poucos que pareciam considerá-los transferiram fraudulentamente suas terras para parentes, enquanto a maioria simplesmente os desconsiderava. Nesse contexto, Tibério Semprônio Graco, uma figura destacada e eloquente, expressou de forma vívida suas preocupações enquanto servia como tribuno. Ele lamentou a decadência dos italianos, um povo valoroso em tempos de guerra e com laços sanguíneos com os romanos, que agora sofriam com a pobreza e a escassez populacional sem perspectiva de solução. Graco considerava a enorme população de escravos inútil para a guerra e sempre potencialmente desleal aos seus mestres. Ele destacou a recente revolta dos escravos na Sicília, motivada pelas demandas agrícolas excessivas, e relembrou a longa e perigosa guerra travada pelos romanos contra eles. Essa guerra não foi simples nem breve, mas prolongou-se com uma série de reviravoltas perigosas da sorte. Em resposta, propôs uma nova legislação, limitando a posse de terras públicas a 500 jugera por pessoa, com uma disposição que permitiria aos filhos dos proprietários possuir metade dessa quantidade, enquanto o restante seria redistribuído entre os pobres por meio de três comissários eleitos anualmente.

A introdução da nova legislação causou grande tumulto entre os ricos, pois, devido à autoridade dos triúnviros, não podiam mais ignorar a lei como antes, nem adquirir terras alheias por meio de compra, já que Graco havia proibido tais transações. Reuniram-se em grupos, expressando suas queixas e acusando os pobres de se apropriarem de suas terras, vinhas e casas. Alguns argumentavam que haviam comprado as terras dos vizinhos mediante pagamento justo – perderiam então tanto o dinheiro quanto a terra? Outros mencionavam os túmulos de seus ancestrais no solo que lhes fora atribuído na partilha das propriedades paternas. Houve também quem alegasse que suas esposas haviam investido seus dotes nas terras ou que estas haviam sido destinadas às filhas como herança. Agiotas exibiam empréstimos garantidos por essas propriedades. Uma série de lamentos e manifestações de indignação ressoavam simultaneamente. Por outro lado, os pobres também lamentavam, pois viam-se reduzidos da prosperidade à extrema pobreza, e desta à falta de descendência, incapazes de fundar uma família. Recordavam os serviços militares prestados, pelos quais haviam recebido essas terras, e indignavam-se por serem privados de sua parte na propriedade comum. Criticavam os ricos por empregarem escravos, considerados sempre desleais e mal-intencionados, em vez de homens livres, cidadãos e soldados. Enquanto essas classes se acusavam mutuamente, um grande número de colonos, moradores de cidades livres e outros interessados na questão das terras, preocupados com as mesmas apreensões, juntaram-se às suas respectivas facções, indo a Roma e dando seu apoio para um lado ou para outro. Encorajados pelo grande número e exacerbados uns contra os outros, provocaram distúrbios consideráveis e aguardaram ansiosamente a votação da nova lei, alguns buscando impedir sua promulgação a todo custo, enquanto outros desejavam que fosse aprovada. Além dos interesses pessoais, o espírito de rivalidade impulsionava ambos os lados em suas preparações para o confronto no dia marcado.

Ora, a proposta de Graco não se limitava apenas à questão financeira, mas também buscava fortalecer o a população. Profundamente inspirado pela valorização do trabalho e convencido de que nada poderia ser mais vantajoso ou louvável para a Itália, ele enfrentou as dificuldades que cercavam sua proposta. Durante a votação, apresentou uma série de extensos argumentos, questionando se não era justo permitir que o povo compartilhasse a propriedade comum, se um cidadão não merecia mais consideração do que um escravo, se um homem que servia no exército não era mais útil do que aquele que não servia, e se quem tinha uma parte na terra não era mais inclinado a se dedicar aos interesses públicos. Evitou prolongar a comparação entre homens livres e escravos, considerando-a degradante, e concentrou-se em revisar suas esperanças e temores para o país. Destacou que os romanos haviam conquistado a maior parte de seu território e aspiravam ocupar o restante do mundo habitável. No entanto, alertou que o maior risco era se eles conseguissem isso com muitos homens valentes ou se seus inimigos tirariam o que já possuíam devido à fraqueza e aos ciúmes mútuos. Ele exagerou a glória e a prosperidade associadas a uma dessas opções, e o perigo e o medo associados à outra. Advertiu os ricos a agirem com cautela, sugerindo que, para alcançarem suas esperanças, deveriam oferecer essa terra como um presente gratuito, se necessário, a homens que tivessem filhos, em vez de negligenciar questões maiores ao discutir detalhes menores.

Destacou que, para qualquer esforço que investissem, estavam recebendo uma compensação generosa na forma de 500 jugera de terra livre, altamente cultivada, sem custo, e metade disso para cada filho daqueles que tivessem descendentes. Após muitas palavras nesse sentido, instigando tanto os pobres quanto aqueles movidos pela razão além do amor às suas posses, ele ordenou ao escrivão que lesse a lei proposta.

No entanto, Marco Otávio, outro tribuno, que havia sido influenciado por aqueles que detinham as terras a interpor seu veto (pois entre os romanos, o veto negativo sempre prevalece sobre uma proposta afirmativa), ordenou ao escrivão que se calasse. Graco o repreendeu severamente e adiou a reunião da comitia para o dia seguinte. Em seguida, ele posicionou uma guarda próxima a si, como se fosse compelir Otávio contra sua vontade, e ameaçou o escrivão para que lesse a proposta de lei para a multidão. O escrivão começou a ler, mas quando Otávio novamente proibiu, ele parou. Então os tribunos começaram a brigar entre si, e um tumulto considerável se levantou entre o povo. Cidadãos proeminentes imploraram aos tribunos que submetessem sua controvérsia ao Senado para decisão. Graco aproveitou a sugestão, acreditando que a lei era aceitável para todas as pessoas bem-intencionadas, e correu para o Senado. No entanto, como tinha apenas alguns seguidores lá e foi repreendido pelos ricos, ele retornou apressadamente ao fórum e declarou que tomaria o voto na comitia do dia seguinte, tanto sobre a lei quanto sobre os direitos oficiais de Otávio, para determinar se um tribuno que agisse contra o interesse do povo poderia continuar no cargo. E assim Graco fez; pois quando Otávio, sem se intimidar, interveio novamente, Graco propôs que o voto sobre ele fosse realizado primeiro.

Quando a primeira tribo votou pela destituição do magistrado de Otávio, Graco dirigiu-se a ele e pediu-lhe que retirasse seu veto. Diante da recusa de Otávio, Graco prosseguiu com a votação nas outras tribos. Na época, havia trinta e cinco tribos. As dezessete que votaram inicialmente apoiaram fervorosamente a moção. Se a décima oitava seguisse o mesmo padrão, isso resultaria em maioria. Novamente, diante do povo, Graco instou com Otávio, destacando o perigo extremo em que ele se encontrava ao obstruir um trabalho que era mais justo e útil para toda a Itália. Ele o exortou a não frustrar os desejos sinceramente acalentados pelo povo, que ele, como tribuno, deveria compartilhar mais, nem olhar com indiferença a perda de seu cargo por condenação pública. Após essas palavras, invocou os deuses como testemunhas de sua intenção não desrespeitosa para com seu colega magistrado. Diante da inflexibilidade de Otávio, Graco continuou a tomar os votos. Otávio foi imediatamente destituído de seu posto como tribuno e saiu despercebido. Quinto Múmio foi escolhido como seu substituto, e a lei agrária foi promulgada.

Os primeiros triúnviros designados para implementar a divisão da terra foram Graco, o próprio proponente da lei, seu irmão homônimo e seu sogro, Ápio Cláudio. Isso porque o povo ainda temia que a lei pudesse não ser executada corretamente caso Graco não liderasse com toda a sua família. A popularidade de Graco cresceu enormemente devido à lei, e ele foi acompanhado em triunfo até sua casa pela multidão, como se fosse o fundador não apenas de uma única cidade ou raça, mas de todas as nações da Itália. Após isso, aqueles que tiveram êxito voltaram para seus campos de origem para cuidar de seus assuntos. Os derrotados permaneceram na cidade e debateram o assunto, sentindo-se injustiçados. Eles expressaram a crença de que, assim que Graco se tornasse um cidadão comum, lamentaria por ter desrespeitado o sagrado e inviolável cargo de tribuno, e por ter semeados tantas sementes de futuras contendas na Itália.

Era verão e as eleições para tribunos estavam se aproximando rapidamente. À medida que o período eleitoral se aproximava, os cidadãos ricos pareciam estar agindo de forma a favorecer aqueles que seriam os mais fervorosos opositores de Graco. Temendo as consequências se não fosse reeleito para o próximo ano, Graco convocou seus amigos dos campos para participarem das eleições. No entanto, como estavam ocupados com a colheita, Graco foi obrigado a recorrer aos plebeus da cidade quando o dia da votação se aproximava. Ele então percorreu a cidade, solicitando individualmente a cada um que o elegesse novamente como tribuno para o ano seguinte, explicando o perigo em que estava e buscando seu apoio. Quando a votação ocorreu, as duas primeiras tribos votaram a favor de Graco. Os ricos objetaram, argumentando que era ilegal uma mesma pessoa ocupar o cargo duas vezes seguidas. O tribuno Rúbrio, encarregado de presidir esta assembleia, ficou em dúvida sobre essa questão, e Múmio, que havia sido escolhido no lugar de Otávio, instou-o a passar a liderança para ele. Rúbrio concordou, mas os demais tribunos contestaram que a liderança deveria ser decidida por sorteio, argumentando que quando Rúbrio, selecionado dessa forma, renunciou, o sorteio deveria ser feito novamente. Diante da controvérsia, Graco, em uma posição desfavorável, adiou a votação para o dia seguinte. Desesperado, ele vestiu-se de luto, apesar de ainda estar no cargo, e levou seu filho pelo fórum, apresentando-o a cada homem e confiando-o a eles, como se sentisse que sua morte, pelas mãos de seus inimigos, estivesse próxima.

Quando tiveram um momento para refletir, os pobres foram tomados por uma profunda tristeza, tanto por si mesmos (temendo que não mais viveriam em uma condição livre sob leis igualitárias, mas seriam reduzidos à servidão pelos ricos), quanto por Graco, que estava sofrendo tanto em seu nome. Assim, todos o acompanharam com lágrimas até sua casa naquela noite e lhe pediram coragem para enfrentar o dia seguinte. Graco se fortaleceu, reuniu seus seguidores antes do amanhecer e lhes comunicou um sinal a ser mostrado caso houvesse necessidade de lutar. Então, ele ocupou o templo no Monte Capitolino, onde a votação estava programada para acontecer, e ficou no centro da assembleia. No entanto, ele foi impedido pelos outros tribunos e pelos ricos, que se recusaram a permitir que os votos fossem tomados sobre essa questão. Diante disso, ele deu o sinal. Houve um grito repentino daqueles que estavam cientes disso, e a violência irrompeu. Alguns dos apoiadores de Graco posicionaram-se ao seu redor como uma guarda, enquanto outros, munidos de feixes e cajados dos lictores, quebraram-nos em pedaços. Eles expulsaram os ricos da assembleia em meio a uma confusão tão intensa e com tantas lesões que os tribunos fugiram de seus assentos, e os sacerdotes fecharam as portas do templo. Muitos fugiram em desordem e espalharam rumores selvagens. Alguns diziam que Graco havia destituído todos os outros tribunos, e essa informação foi aceita, pois nenhum deles podia ser encontrado. Outros afirmavam que ele havia se autodeclarado tribuno para o ano seguinte sem necessidade de eleição.

Diante dessas circunstâncias, o Senado se reuniu no templo de Fides. É surpreendente para mim que eles nunca tenham cogitado nomear um ditador nessa emergência, embora muitas vezes tenham recorrido ao governo de um único líder em tempos de perigo semelhantes; no entanto, um recurso que havia sido encontrado útil em tempos anteriores sequer cruzou a mente do povo, seja naquela ocasião ou posteriormente. Após chegarem a essa decisão, marcharam até o Capitolino, liderados por Cornélio Cipião Násica, o pontífice máximo, que clamava em voz alta: “Que aqueles que desejam salvar nossa pátria me sigam.” Ele enrolou a borda de sua toga em torno da cabeça, talvez para atrair um número maior para segui-lo pela singularidade de sua aparência, ou para se apresentar como um sinal de batalha para aqueles que o vissem, ou até mesmo para se esconder dos deuses devido ao que estava prestes a acontecer. Ao chegar ao templo e avançar contra os partidários de Graco, estes cederam em consideração a um cidadão tão ilustre, e também porque viram os senadores marchando ao seu lado. Os senadores, arrancando os bastões das mãos dos próprios seguidores de Graco, ou quebrando bancos e outros móveis trazidos para uso da assembleia, começaram a atacá-los e persegui-los, expulsando-os do precipício. No tumulto, muitos dos seguidores de Graco pereceram, e o próprio Graco, vagando sem rumo ao redor do templo, foi morto à sua porta, perto das estátuas dos reis. Todos os corpos foram lançados no Tibre durante a noite.

No Capitolino, pereceu Graco, ainda exercendo o cargo de tribuno, filho daquele Graco que foi cônsul duas vezes, e de Cornélia, filha daquele Cipião que tirou Cartago de sua supremacia. Ele encontrou seu fim devido a um objetivo nobre buscado com muita intensidade; esse crime atroz, o primeiro a ocorrer na assembleia pública, raramente ficou sem paralelos em tempos posteriores. Após o assassinato de Graco, a cidade ficou dividida entre tristeza e alegria. Alguns lamentavam tanto por si mesmos quanto por ele, e lamentavam a condição atual das coisas, acreditando que a república não mais existia, mas havia sido substituída pela força e pela violência. Outros consideravam que seus desejos mais profundos haviam sido realizados.

Esses eventos ocorreram quando Aristônico lutava contra os romanos pelo controle da Ásia. Após a morte de Graco e Ápio Cláudio, Fúlvio Flaco e Papírio Carbão foram designados, junto com o jovem Graco, para realizar a distribuição de terras. Como muitos proprietários das terras negligenciaram entregar listas de suas propriedades, uma proclamação foi emitida exigindo que informantes fornecessem testemunho contra eles. Isso resultou imediatamente em uma série de processos difíceis. Em áreas onde novos campos haviam sido adquiridos ao lado de campos antigos, ou onde a terra foi dividida entre aliados, todo o distrito precisava ser minuciosamente investigado para determinar como essas transações ocorreram. Muitos proprietários não haviam mantido seus contratos ou títulos de loteamento, e mesmo quando encontrados, frequentemente eram inconclusivos. Durante a nova investigação das terras, alguns proprietários foram forçados a renunciar a terras com árvores frutíferas, estruturas agrícolas, e outras terras cultivadas em troca de terras nuas. Outros foram realocados de terras cultivadas para terras incultas, pântanos ou áreas alagadas. Originalmente, o levantamento das terras, sendo um espólio de guerra, nunca foi feito de maneira cuidadosa. A proclamação original permitia que qualquer pessoa trabalhasse nas terras distribuídas, incentivando muitos a cultivar as partes imediatamente adjacentes às suas, até que a linha entre terras públicas e privadas se tornasse indistinta. Com o passar do tempo, muitas mudanças ocorreram. Assim, a injustiça cometida pelos ricos, embora significativa, era difícil de ser determinada, resultando em uma grande confusão, com todas as partes sendo deslocadas de seus lugares originais e reassentadas nas terras de outras pessoas.

Os aliados italianos, incomodados com as perturbações e os processos movidos apressadamente contra eles, decidiram recorrer a Cornélio Cipião, conhecido como o destruidor de Cartago, para defender suas queixas. Dado o seu apoio zeloso durante a guerra, ele relutava em ignorar o pedido deles. Assim, dirigiu-se ao Senado e, embora não criticasse abertamente a lei de Graco em consideração aos plebeus, expôs suas dificuldades e argumentou que tais causas não deveriam ser decididas pelos triúnviros, pois estes não gozavam da confiança dos litigantes, sugerindo que fossem atribuídas a outros tribunais. Sua perspectiva parecia sensata, e o Senado cedeu à sua persuasão, nomeando o cônsul Tuditano para julgar esses casos.

No entanto, ao assumir a tarefa, Tuditano, percebendo as dificuldades, marchou contra os ilírios, usando isso como pretexto para evitar agir como juiz. Como nenhum caso foi apresentado aos triúnviros, eles permaneceram ociosos. Isso gerou ódio e indignação do povo contra Cipião, que antes era apoiado por eles em suas disputas com a aristocracia, e a quem eles haviam eleito cônsul duas vezes de forma inconstitucional, e agora estava do lado dos aliados italianos contra eles mesmos. Os inimigos de Cipião aproveitaram-se disso, acusando-o de estar determinado a abolir completamente a lei de Graco e de estar disposto a iniciar uma luta armada e derramamento de sangue para alcançar esse objetivo.

Quando o povo ouviu tais acusações, ficou alarmado. Cipião, naquela mesma noite, colocou uma tabuleta perto de sua cama em casa, na qual pretendia escrever o discurso que faria perante o povo. No entanto, na manhã seguinte, foi encontrado morto em sua cama, sem nenhum ferimento visível. A questão de se isso foi feito por Cornélia, mãe dos Gracos (possivelmente com a ajuda de sua filha, Semprônia, que, apesar de casada com Cipião, era desprezada e negligenciada por ser deformada e estéril), para evitar a abolição da lei de Graco, ou se Cipião cometeu suicídio ao perceber que não poderia cumprir suas promessas, permanece incerta. Alguns relatam que escravos, sob tortura, testemunharam a entrada de pessoas desconhecidas pela retaguarda da casa durante a noite, que sufocaram Cipião. Aqueles que tinham conhecimento do ocorrido hesitaram em revelar, pois o povo ainda estava ressentido com Cipião e se alegraria com sua morte.

Cipião morreu dessa forma, apesar de seus grandes serviços para o domínio de Roma no mundo, sem sequer receber as honras de um funeral público. Isso mostra como a raiva do momento presente pode pesar mais do que a gratidão pelo passado. Esse evento, que por si só seria significativo, ocorreu como um simples incidente dentro do contexto da sedição de Graco.

Mesmo após esses eventos, aqueles que detinham as terras continuaram adiando a divisão sob vários pretextos por um longo tempo. Alguns sugeriram que a todos os aliados italianos, que resistiam fortemente a isso, fossem concedidos a cidadania romana, de modo que, em gratidão por esse grande favor, não mais contestassem a terra. Os italianos estavam dispostos a aceitar essa proposta, pois preferiam a cidadania romana à posse das terras. Fúlvio Flaco, que na época era tanto cônsul quanto triúnviro, empenhou-se ao máximo para realizar esse desejo, mas os senadores ficaram irritados com a ideia de igualar seus súditos a eles próprios.

Por essa razão, a tentativa foi abandonada, deixando o povo, que há muito tempo ansiava por terras, desanimado. Em meio a esse desalento, Caio Graco, que havia conquistado a simpatia deles como tribuno, lançou-se como candidato ao tribunato. Ele era o irmão mais novo de Tibério Graco, o proponente da lei agrária, e havia permanecido em silêncio por um tempo após a morte de seu irmão. No entanto, diante do desprezo de muitos senadores, ele se apresentou como postulante ao cargo de tribuno. Ele foi eleito com grande êxito e começou a articular conspirações contra o Senado. Graco fez uma proposta sem precedentes: a distribuição mensal de trigo a cada cidadão às custas públicas. Essa medida política lhe garantiu rapidamente a liderança do povo, contando com a cooperação de Fúlvio Flaco. Logo em seguida, ele foi escolhido tribuno para o ano seguinte, pois, nos casos em que não havia um número suficiente de candidatos, a lei permitia que o povo selecionasse mais tribunos dentre o corpo total de cidadãos.

Dessa forma, Caio Graco tornou-se tribuno pela segunda vez. Após ter conquistado, por assim dizer, os plebeus, ele iniciou outra manobra política semelhante para atrair a ordem equestre, que ocupava uma posição intermediária entre o Senado e os plebeus. Graco transferiu os tribunais de justiça, que haviam sido desacreditados devido à corrupção, dos senadores para os cavaleiros. Ele censurou especialmente os senadores, citando exemplos recentes de Áurelio Cota, Salinador e Mânio Aquílio (conhecido como o dominador da Ásia), todos notórios por receberem subornos e que haviam sido absolvidos pelos juízes, mesmo com embaixadores presentes enviados para protestar contra sua conduta. O Senado, envergonhado com esses acontecimentos, cedeu à lei, que foi ratificada pelo povo. Assim, os tribunais de justiça foram transferidos do Senado para os cavaleiros. Diz-se que logo após a promulgação dessa lei, Graco comentou que havia enfraquecido o poder do Senado de uma vez por todas, e o ditado de Graco ganhou um significado ainda mais profundo ao longo dos eventos subsequentes. Isso porque o poder de julgar todos os romanos e italianos, inclusive os próprios senadores, em questões relacionadas à propriedade, direitos civis e exílio, elevava os cavaleiros a governantes sobre eles, colocando os senadores no nível de súditos. Além disso, como os cavaleiros votavam nas eleições para apoiar o poder dos tribunos e obtinham concessões em troca, tornavam-se cada vez mais poderosos em relação aos senadores. Assim, a supremacia política foi rapidamente invertida, com o poder nas mãos dos cavaleiros e a honra apenas remanescente no Senado. Os cavaleiros, de fato, foram tão longe que não apenas tinham poder sobre os senadores, mas desafiavam abertamente sua autoridade além do devido. Também se entregaram ao suborno, e ao se beneficiarem desses ganhos enormes, tornaram-se ainda mais ávidos e descontrolados do que os próprios senadores. Subornavam acusadores contra os ricos e eliminavam completamente as acusações por suborno, seja por acordo mútuo ou por meio de violência aberta, tornando obsoleta a prática desse tipo de investigação. Assim, a reforma judicial de Graco desencadeou outra luta de facções, que perdurou por muito tempo e foi tão prejudicial quanto as anteriores.

Graco empreendeu a construção de extensas estradas por toda a Itália, colocando assim uma multidão de empreiteiros e artesãos em sua dívida e tornando-os dispostos a atender aos seus desejos. Além disso, ele propôs a criação de várias colônias e convocou os aliados latinos a reivindicarem plenos direitos de cidadania romana, argumentando que o Senado não poderia, com decência, negar esse privilégio a pessoas parentes suas. Para os outros aliados, que não tinham permissão para votar nas eleições romanas, ele buscou garantir o direito de voto, visando obter seu apoio na aprovação das leis que tinha em mente.

O Senado ficou profundamente alarmado com essas propostas e instruiu os cônsules a emitirem um aviso público: “Ninguém que não possua o direito de voto deve permanecer na cidade ou se aproximar dentro de quarenta estádios dela durante a votação sobre essas leis.” Além disso, o Senado persuadiu Lívio Druso, outro tribuno, a vetar as leis propostas por Graco, embora não tenha revelado ao povo suas razões para fazê-lo, pois não era necessário que um tribuno fornecesse justificativas para seu veto. Para apaziguar o povo, concederam a Druso o privilégio de fundar doze colônias, o que deixou os plebeus tão satisfeitos que ridicularizaram as leis propostas por Graco.

Após perder o favor da plebe, Graco partiu para a África acompanhado de Fúlvio Flaco, que, após seu consulado, também fora escolhido tribuno pelos mesmos motivos que Graco. Decidiu-se enviar uma colônia para a África devido à sua reputada fertilidade, e esses homens foram selecionados especificamente como fundadores para afastá-los por um tempo, permitindo assim que o Senado tivesse um intervalo da demagogia. Eles demarcaram a cidade para a colônia no local onde Cartago anteriormente existira, ignorando o fato de que Cipião, ao destruí-la, a havia dedicado com solenes imprecações à pastagem de ovelhas para sempre. Designaram 6000 colonos para este lugar, em vez do menor número estipulado por lei, para continuar a agradar o povo com isso. Ao retornarem a Roma, convidaram os 6000 de toda a Itália. Os funcionários que ainda estavam na África, delimitando a cidade, escreveram para casa relatando que lobos haviam arrancado e espalhado os marcos de fronteira feitos por Graco e Fúlvio, o que os áugures interpretaram como um mau presságio para a colônia. Diante disso, o Senado convocou uma assembleia, na qual foi proposta a revogação da lei relativa a esta colônia. Ao perceberem sua derrota neste tema, Graco e Fúlvio ficaram furiosos e acusaram o Senado de mentir sobre os lobos. Os plebeus mais audaciosos juntaram-se a eles, armados com adagas, e dirigiram-se ao Capitólio, onde a assembleia sobre a colônia deveria ser realizada.

Nesse ponto, com a assembleia já reunida e Fúlvio iniciando a discussão sobre o assunto em questão, Graco chegou ao Capitólio acompanhado por um grupo de seus seguidores. Consciente dos planos em curso e preocupado com o que estava prestes a acontecer, ele evitou a área da assembleia, posicionando-se no pórtico para observar os eventos. Nesse momento, um plebeu chamado Antilo, que estava realizando um sacrifício no pórtico, percebeu a agitação de Graco e, talvez tendo ouvido ou suspeitado algo, ou movido por outra motivação, aproximou-se e implorou que Graco não prejudicasse sua pátria. Graco, já perturbado e agora ainda mais assustado por ser confrontado de repente, lançou-lhe um olhar penetrante. Um de seus partidários, sem que Graco desse qualquer sinal ou ordem, interpretou o olhar furioso como um sinal de que era hora de agir e decidiu fazer um favor a Graco dando o primeiro golpe. Assim, ele sacou sua adaga e assassinou Antilo. Um tumulto irrompeu, o corpo do plebeu jazia no meio da multidão, e os presentes fugiram do templo apavorados com o que poderia ocorrer em seguida. Graco tentou se explicar no fórum, mas ninguém estava disposto a ouvi-lo; todos o evitavam como se estivesse manchado de sangue. Tanto ele quanto Fúlvio, desorientados e privados da oportunidade de alcançar seus objetivos devido a esse ato impensado, retornaram apressadamente para suas casas, acompanhados por seus seguidores. O restante da população ocupou o fórum após a meia-noite, como se antecipassem uma calamidade iminente. O cônsul Opímio, presente na cidade, ordenou que uma força armada fosse reunida no Capitólio ao amanhecer e enviou arautos para convocar o Senado. Ele próprio se posicionou no templo de Castor e Pólux, no centro da cidade, aguardando os desdobramentos.

Quando esses arranjos foram feitos, o Senado convocou Graco e Flaco de suas residências para a Casa do Senado para que pudessem se defender. No entanto, eles optaram por sair armados em direção ao monte Aventino, na esperança de tomar o controle dele antes e forçar o Senado a negociar com eles em seus próprios termos. Enquanto percorriam a cidade, tentavam convencer os escravos a se juntarem a eles em vão. Apesar disso, com as forças que tinham, conseguiram ocupar e fortificar o templo de Diana. Enviaram então Quinto, filho de Flaco, ao Senado em busca de uma solução pacífica. O Senado exigiu que eles depusessem as armas, comparecessem à Casa do Senado e apresentassem suas demandas, ou então cessassem o envio de mensageiros. Na segunda tentativa de Quinto, o cônsul Opímio o prendeu por não ser mais considerado um enviado após o aviso anterior. Simultaneamente, ele enviou seus homens armados contra os Seguidores de Graco. Graco fugiu pelo rio através de uma ponte de madeira com apenas um escravo, refugiando-se em um bosque, onde, prestes a ser capturado, pediu ao escravo que o matasse. Flaco se escondeu na oficina de um conhecido. Seus perseguidores, incapazes de localizá-lo, ameaçaram incendiar toda a fileira de casas. O homem que havia dado abrigo a Flaco hesitou em entregá-lo, mas apontou outro para fazê-lo. Flaco foi capturado e executado. As cabeças de Graco e Flaco foram apresentadas a Opímio, que recompensou aqueles que as trouxeram com o peso delas em ouro, enquanto o povo saqueava suas residências. Opímio então prendeu os demais conspiradores, mandando-os para a prisão, onde foram estrangulados; no entanto, permitiu que Quinto, filho de Flaco, escolhesse seu próprio modo de morte. Após esses eventos, uma purificação da cidade foi realizada através do derramamento de sangue, e o Senado ordenou a construção de um templo para a Concórdia no fórum.

Foi desta forma o fim da revolta do jovem Graco. Pouco tempo depois, uma lei foi promulgada permitindo que os proprietários vendessem as terras sobre as quais havia disputas; algo proibido pela lei do Graco mais velho. Imediatamente, os ricos começaram a adquirir as concessões dos pobres ou buscavam pretextos para tomá-las à força. Consequentemente, a situação dos pobres se deteriorou ainda mais do que antes. Foi então que Espúrio Tório, um tribuno do povo, introduziu uma lei que encerrava o processo de redistribuição da propriedade pública. Segundo essa lei, a terra seria de quem a possuísse, pagando aluguel ao povo, e a receita assim gerada seria distribuída. Embora essa distribuição tenha sido um alívio para os pobres, não contribuiu para aumentar a população. Por meio dessas medidas, a eficaz e benéfica lei de Graco, se tivesse sido implementada, foi frustrada. Mais tarde, o próprio sistema de aluguel foi abolido por influência de outro tribuno. Com isso, os plebeus perderam tudo, o que resultou em uma queda ainda maior no número de cidadãos e soldados, na receita da terra e sua distribuição, e nas próprias concessões. Cerca de quinze anos após a promulgação da lei de Graco, devido a uma série de processos, o povo foi reduzido ao desespero do desemprego.

Por volta desse período, o cônsul Cipião Násica ordenou a demolição do teatro iniciado por Lúcio Cássio, que estava quase concluído, pois considerava-o uma possível fonte de novas sedições ou porque acreditava que os romanos não deveriam se acostumar aos prazeres gregos. Enquanto isso, o censor Quinto Cecílio Metelo tentou rebaixar Gláucia, um senador, e Apuleio Saturnino, um ex-tribuno, devido ao seu estilo de vida vergonhoso, mas não teve sucesso devido à falta de concordância de seu colega censor. Como resultado, Apuleio, mais tarde, para se vingar de Metelo, apresentou-se novamente como candidato nas eleições para tribunos, aproveitando-se do fato de que Gláucia estava atuando como pretor e presidia as eleições dos tribunos. No entanto, Nônio, um homem de nobre linhagem conhecido por sua franqueza ao criticar Apuleio e Gláucia, foi eleito para o cargo. Temendo que Nônio os punisse como tribuno, eles o atacaram com uma multidão de agressores assim que ele saiu das eleições, perseguindo-o até uma estalagem onde o esfaquearam. Esse assassinato, por sua natureza trágica e chocante, levou os seguidores de Gláucia a se reunirem cedo na manhã seguinte, antes que o povo se reunisse, e elegeram Apuleio como tribuno.

Dessa maneira, o assassinato de Nônio foi abafado, pois todos temiam responsabilizar Apuleio, já que ele era um tribuno; e Metelo foi exilado por seus inimigos com a assistência de Caio Mário, então em seu sexto consulado, e seu inimigo secreto. Todos eles colaboraram nesse esforço. Então, Apuleio propôs uma lei para distribuir as terras que os Cimbros, uma tribo celta recentemente expulsa por Mário, haviam tomado no território agora conhecido como Gália pelos romanos, que já não era considerado território gálico, mas sim romano. Além disso, na lei, foi estipulado que, se o povo a aprovasse, os senadores teriam que prestar juramento dentro de cinco dias para obedecê-la; qualquer um que se recusasse seria expulso do Senado e multado em vinte talentos, em benefício do povo. O objetivo era punir aqueles que aceitassem relutantemente a lei, especialmente Metelo, que era muito orgulhoso para se submeter ao juramento. Esse foi o teor da lei proposta. Apuleio marcou o dia para os comícios e enviou mensageiros aos distritos rurais, nos quais ele mais confiava, pois esses homens haviam servido no exército sob Mário. No entanto, como a lei favorecia principalmente os aliados italianos, o povo da cidade não a recebeu bem.

Nos comícios, uma agitação eclodiu. Os opositores das leis propostas pelos tribunos foram atacados por Apuleio e afastados da Rostra. A multidão na cidade alegou ter ouvido trovões na assembleia, o que, segundo a tradição romana, proibia a conclusão dos negócios naquele dia. No entanto, os seguidores de Apuleio persistiram, e o povo da cidade se organizou, reunindo todos os pedaços de madeira que encontraram para dispersar os camponeses. Estes, liderados por Apuleio, retaliaram, atacando os cidadãos com porretes e conseguindo aprovar a lei. Posteriormente, Mário, como cônsul, trouxe a questão do juramento ao Senado. Conhecendo a inflexibilidade de Metelo em relação a qualquer compromisso verbal, Mário, de maneira hipócrita, afirmou publicamente que nunca aceitaria voluntariamente tal juramento. Quando Metelo concordou com essa posição e os outros senadores aprovaram, Mário dissolveu o Senado. No quinto dia seguinte, temendo a fervorosa adesão do povo à lei, Mário os convocou com urgência por volta da décima hora, alegando receio do povo devido ao seu zelo pela lei. Contudo, ele concebeu um estratagema para evitá-los, propondo que jurassem obedecer à lei na medida em que ela fosse considerada uma lei, assim dispersando os camponeses de uma vez por todas por meio de uma artimanha. Em seguida, seria fácil argumentar que essa lei, promulgada com violência e supostamente acompanhada de trovões, contrariando os costumes ancestrais, não era verdadeiramente uma lei.

Após expor seu plano, Mário não esperou pelo desfecho, agindo enquanto todos estavam atônitos com a proposta e sem tempo para ponderar. Levantou-se imediatamente e dirigiu-se ao templo de Saturno, onde os questores habitualmente administravam juramentos, e prestou o juramento em primeiro lugar, acompanhado por seus aliados. Os demais seguiram seu exemplo, temerosos por sua própria segurança. Somente Metelo permaneceu firme em sua recusa de jurar, mantendo-se inabalável em sua decisão inicial.

No dia seguinte, Apuleio enviou seu oficial para tentar arrastar Metelo para fora da casa do Senado. Entretanto, os outros tribunos defenderam Metelo, e Gláucia e Apuleio correram para o povo do campo, dizendo-lhes que jamais conseguiriam a terra se Metelo não fosse banido. Propuseram então um decreto de banimento contra ele, ordenando aos cônsules que o privassem de fogo, água e abrigo, e marcaram uma data para a ratificação do decreto.

Essa medida causou grande indignação entre o povo da cidade, que acompanhou Metelo constantemente, armados com adagas. Metelo agradeceu e elogiou suas boas intenções, mas afirmou que não podia permitir que o país enfrentasse perigos por sua causa. Após suas palavras, retirou-se da cidade. Apuleio conseguiu a ratificação do decreto, e Mário anunciou seu conteúdo ao público.

Metelo, um homem admirável, foi desta maneira enviado ao exílio. Logo depois, Apuleio foi eleito tribuno pela terceira vez, tendo como colega um indivíduo que se acreditava ser um escravo fugitivo, mas que afirmava ser filho do Graco mais velho. A multidão apoiou sua eleição em lamento por Graco. Enquanto isso, nas eleições para cônsules, Marco Antônio foi escolhido como um deles por consentimento comum, enquanto Gláucia e Mêmio disputavam o outro cargo. Mêmio era o mais ilustre dos dois, e Gláucia e Apuleio estavam ansiosos pelo resultado.

Então, enviaram uma brutamontes para atacar Mêmio com porretes durante a eleição. Estes brutamontes o espancaram até a morte à vista de todos, dispersando a assembleia em terror. Não havia mais respeito pela lei, pelos tribunais ou pela vergonha. No dia seguinte, o povo, enfurecido, pretendia matar Apuleio, mas ele reuniu outra multidão do campo e, com Gláucia e Caio Saufeio, o questor, tomou o Capitólio. O Senado os declarou inimigos públicos. Embora Mário estivesse descontente, ele mobilizou algumas de suas tropas relutantemente. Enquanto ele atrasava, outros cortaram o suprimento de água do Capitólio. Saufeio quase morreu de sede e propôs incendiar o templo, mas Gláucia e Apuleio, esperando o apoio de Mário, renderam-se primeiro, seguidos por Saufeio.

No entanto, a multidão exigiu que fossem executados imediatamente. Mário os trancou na casa do Senado, aparentemente como um pretexto para lidar com eles de maneira mais legal. A multidão, no entanto, considerou isso uma desculpa e os apedrejou até a morte, incluindo um questor, um tribuno e um pretor, que ainda estavam usando suas insígnias do cargo.

Na tumultuada revolta, muitos outros perderam a vida. Entre eles estava o outro tribuno, supostamente filho de Graco, que faleceu no primeiro dia de seu mandato. Liberdade, democracia, leis, reputação e cargos oficiais perderam sua relevância, pois até mesmo o posto sagrado e inviolável de tribuno, destinado a conter os malfeitores e proteger os plebeus, estava manchado por ultrajes e indignidades.

Após a queda do partido de Apuleio, tanto o Senado quanto o povo clamaram pelo retorno de Metelo. No entanto, Públio Fúrio, um tribuno de origem liberta, resistiu bravamente às demandas. Nem mesmo o apelo emocionado de Metelo, filho de Metelo, que implorou com lágrimas nos olhos e se prostrou diante dele em público, foi capaz de comovê-lo. Esse ato dramático rendeu ao filho de Metelo o epíteto de “Pio”.

No ano seguinte, Fúrio foi responsabilizado por sua obstinação pelo novo tribuno, Caio Canuleio. O povo não esperou por suas explicações e o linchou. Assim, a cada ano, novas atrocidades manchavam o fórum. No entanto, Metelo foi autorizado a retornar, e dizem que um dia inteiro não foi longo o suficiente para as saudações daqueles que o receberam nos portões da cidade.

Essa foi a terceira contenda civil, sucedendo às dos dois Gracos, e trouxe consequências marcantes para os romanos. Enquanto estavam imersos nesse cenário, a Guerra Social eclodiu, envolvendo muitos povos italianos. Surgiu de repente, rapidamente ganhou proporções enormes e silenciou a sedição em Roma por um bom tempo, através de um novo terror. No entanto, ao término dessa guerra, surgiram novas dissensões, lideradas por figuras mais poderosas, que não se baseavam na introdução de novas leis ou em artifícios demagógicos, mas sim em confrontos entre exércitos inteiros. Optei por abordar esse evento nesta narrativa porque teve suas raízes na agitação política em Roma e resultou em uma crise ainda mais grave. Tudo começou assim.

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