Lombroso e misoginia

“A Mulher Delinquente” é um manual misógino. Ou melhor: e uma enciclopédia da misoginia. Todo e qualquer pensamento, levemente preconceituoso sobre a mulher é citado, na obra, como sendo “exemplo” da inferioridade científica feminina.

Não é a escrita de “A Mulher Delinquente” que deve causar espanto; mas o fato que essa obra, até o século XX, era considerada “científica”, e “séria”. É o fato de Lombroso ter sido, durante tanto tempo, considerado “cientista”.

E é um alerta, muito importante, de como a neutralidade da ciência é algo construído e profundamente ideológico.

Em dito isso, justamente por ser essa enciclopédia da misoginia, que “A Mulher Delinquente” é um livro que deve ser estudado. Especialmente no Brasil em que, apesar de sua enorme influência, jamais havia sido traduzido. (Até agora, claro).

Em qualquer página que você abra, achará citações como essas.

  • A biologia como destino

Nada é mais frequente durante o período de menstruação que as mentiras associadas à malícia e à astúcia, às maledicências, às injúrias caluniosas, às tramas pérfidas, às fofocas inventadas (Icard, La femme pendant la période menstruelle, Paris, 1890). É nesse momento que a mulher se torna ainda mais mulher, com a irritação dos genitais excitando todos seus sentidos e aspirações, que unidos formam a alma da mulher; a necessidade de proteção e os ciúmes se tornam mais vívidos, acompanhados da mentira.

  • O homem como objetivo da vida da mulher

A luta sexual obrigou a mulher a ocultar seus defeitos, idade, doenças, e tudo o que poderia prejudicar sua reputação diante da opinião dos homens, além de obrigá-las a fingir riqueza e facilidade quando estas não existem.

  • – A inferioridade da mulher é biológica

A mulher, por sua vez, acabou evoluindo, e adquiriu o sentimento da luta sexual, que aparece para ela mais tarde, forçando-a a exibir suas vantagens corporais, com tanto egoísmo que sua inteligência não se desenvolveu.

  • Se mulher é viciada, é por causa de sua biologia; se não é viciada, é sinal de inferioridade, e exemplo de sua biologia.

Da mesma forma, elas não jogam; mas isso decorre, sem dúvida, mais pela impossibilidade material de ir às casas de jogo, do que por razões psicológicas específicas; ao contrário, o desejo de ganhar muito trabalhando pouco é algo também mais desenvolvido na mulher do que no homem.

  • A obra de Lombroso e Ferrero é tão “não-científica” (apesar de ser considerada exemplo de ciência do século XIX e início do XX), que muitos são os momentos em que eles tomam obras de ficção como se fossem narrativas reais; o romancista Sacher-Masoch (a famosa inspiração para o termo “masoquista”) é tido como alguém que “registrava” verdades sobre mulheres más. Quando se sabe que eram obra de ficção.

E podemos nos recordar dos terríveis atos da mulher Eslava, recolhidos por Sacher-Masoch.

  • Assim, Lombroso e Ferrero iam a outros povos já com ideias preconcebidas, e viam só que queriam ver.

“O caráter de mulheres e homens”, diz Spencer, “é descrito em alguns casos como desiguais em sua faculdade de aplicação. Afirma-se que entre os Bihl, enquanto os homens odeiam o trabalho, as mulheres são muito mais laboriosas. Entre os Koki, são elas quase todas industriosas e infatigáveis, assim como as mulheres Naga, enquanto os homens das duas tribos são negligentes. O mesmo ocorre na África. Em Loango, onde os homens são preguiçosos, as mulheres trabalham na agricultura de maneira incansável, e descobertas recentes nos mostraram um contraste semelhante na Conca d’oro” (Principii di sociologia, v. I).

  • Misoginia pouca é bobagem

Por todas estas razões, é bastante surpreendente que a mulher ainda não seja menos inteligente. Isso pode ser explicado assumindo, com Darwin, que uma parte da inteligência adquirida pelo homem também é transmitida à esposa; caso contrário, a disparidade seria ainda maior.

  • O seguinte trecho (juro procês) é de um parágrafo em que Lombroso e Ferrero vão tratar da “fúria feminina”. Veja como começa.

Em 4 de agosto de 1833, às 2 horas da tarde, uma vaca era conduzida por uma via, em Montmartre. Em determinado momento, a vaca foi tomada por um acesso de fúria, e se lançou contra quem a conduzia; feriu um grande número de pessoas, atravessou obstáculos, lançou-se à direita e esquerda, até ser morta com um tiro de espingarda (Pierrequin II, 505).

  • O que é Histeria? (Uma falsa doença, aliás, inventada pela psiquiatria francesa, e que era fundada na misoginia).

O histerismo que pode ser definido como um exagero da feminilidade.

  • A história do povo hebreu se resume a uma luta contra a prostituição.

Pode-se dizer, em suma, que toda a história do povo hebreu consiste na luta de legisladores e profetas contra a prostituição e as aberrações sexuais do povo; como hoje a questão relaciona-se ao pão e ao bem-estar, naquela época era a liberdade de satisfazer as necessidades sexuais.

E por aí vai.

O que explica a presença de um livro como esse nos anais da ciência? Taí uma resposta que não é tão simples de ser dada.

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