Sobre a Itália: trecho do Livro III de “História Natural” de Plínio, o Velho

Continuando nossa longa jornada sobre a obra “História Natural” de Plínio, o Velho, eis um trecho do Livro III (“Geografia do Mediterrâneo Ocidental”). Neste trecho de sua obra, Plínio começa a descrever nada menos do que geografia da Itália. Viaje com ele para a Roma do século I d.C.

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Da Itália

Em seguida vem a Itália, e começamos com a Ligúria[1], após a qual temos Etrúria, Úmbria, Lácio, onde a foz do Tibre está situada, e Roma, a capital do mundo, a dezesseis mil passos de distância do mar. Chegamos então às costas dos Volscos e da Campânia, e aos distritos de Picenum, Lucânia e Bruttium, onde a Itália se estende mais longe em direção ao sul e projeta-se em forma de meia lua sobre os Alpes[2]. Deixando Bruttium chegamos à costa da Grécia, depois encontramos os Salentinos, os Pedúculos, os Ápulos, os Pelignos, os Frentanos, os Marrucinos, os Vestinos, os Sabinos, os Picentes, os Galos, os Umbros, os Etruscos, os Vênetos, os Carnos, os Iápides, os Histros e os Liburnos.

Não estou de modo algum inconsciente de que posso ser acusado, e com justiça, de ingratidão e indolência, se eu descrevesse assim, de maneira breve e tão superficial, a Terra que é ao mesmo tempo a criança adotiva[3] e a mãe de todas as terras; escolhida pela providência dos deuses para tornar o próprio céu mais glorioso[4], para unir os impérios dispersos da Terra, educar as maneiras dos homens, unir os dialetos discordantes e rudes de tantas nações diferentes pelos poderosos laços de uma linguagem comum, conferir os prazeres do discurso e da civilização à humanidade, tornar-se, em suma, a pátria de todas as nações da Terra.

Mas como devo começar tal tarefa? Tão grande é o número de lugares célebres (como alguém poderia enumerar todos?), e tão grande a fama de cada nação e indivíduo, que me sinto completamente perdido. Só para a cidade de Roma, que forma uma porção dela, rosto digno de ombros tão belos, quão gigante trabalho seria necessário para uma descrição apropriada! Além disso, apenas a costa da Campânia! tão abençoada com belezas naturais e opulência, que é evidente que quando a natureza a formou, deleitou-se em acumular nela todas as suas bênçãos – como posso fazer justiça? E então o clima, com sua frescura eterna e tão repleta de saúde e vitalidade, a serenidade tão encantadora, os campos tão férteis, as colinas tão ensolaradas, os descampados tão livres de quaisquer perigos, os bosques tão frondosos, as florestas com uma vegetação tão variada e luxuriante, as brisas descendo de tantas montanhas, a fecundidade de seus grãos, suas videiras e azeitonas tão transcendentes; seus rebanhos de lã tão nobre, seus touros com pescoço tão vigoroso, seus lagos intermináveis, seus numerosos rios e nascentes que a tudo e a todos refrescam com suas águas, seus inumeráveis mares, e o seio de suas terras que se abrem em todas as partes ao comércio com todo o mundo, e como se estivesse avidamente se estendendo aos mares buscando auxiliar aos esforços dos mortais!

Por ora, deixo de falar de seu gênio, suas maneiras, seus homens e as nações que conquistou pela eloquência e pela força das armas. Os próprios gregos, raça afeiçoada aos elogios sobre si mesmos, amplamente julgaram a seu favor, quando nomearam apenas uma pequena parte dela de “Magna Grécia”. Mas devemos nos contentar em fazer, neste momento, o que fizemos em nossa descrição dos céus; apenas tocar alguns desses pontos e observar apenas algumas de suas estrelas. Só peço aos meus leitores que tenham em mente que estou me apressando com o propósito de dar uma descrição geral de tudo o que se sabe existir em toda a Terra.

Observando-se esta Terra, ela se parece muito com uma folha de carvalho, sendo muito mais comprida do que larga; em direção ao topo inclina-se para a esquerda, enquanto termina na forma de um escudo das amazonas[5], no qual o ponto na projeção central é o lugar chamado Cocintos, enquanto dois chifres ao final de sua forma baía terminam em forma crescente, Leucopetra à direita e Lacinium à esquerda. Ela se estende em 1020 mil passos de comprimento, se medirmos desde o sopé dos Alpes em Prætoria Augusta, passando pela cidade de Roma e Cápua até a cidade de Rhegium, que fica nas costas da península, bem na curva de seu pescoço, por assim dizer. A distância seria muito maior se medida em Lacinium; mas nesse caso a linha, sendo desenhada obliquamente, inclinaria demais para um lado. Sua largura é variável; sendo 410 mil passos entre os dois mares, o Baixo e o Alto[6], e os rios Varo e Arsia[7]: mais ou menos ao meio; e nas proximidades da cidade de Roma, do ponto onde o rio Aternus[8] deságua no Adriático mar, até a foz do Tibre, a distância é de 136 mil passos, e um pouco menos de Castrum-novum no mar Adriático a Alsium[9] na Toscana; mas em nenhum lugar excede 200 mil passos em largura. Todo caminho, do Varo a Arsia, é de 3059 mil passos.

Quanto à distância dos países que a cercam, Ístria e Liburnia estão, em alguns lugares[10], a 100 mil passos dali, e Epiro e Ilírico 50 mil; África está a menos de 200 mil, como nos informa M. Varro; a Sardenha a 120 mil, Sicília mil e quinhentos, Córsega menos a 80 mil e Issa 50 mil[11]. Estende-se para os dois mares em direção às partes meridionais dos céus ou, com mais precisão, entre as hora sexta[12] e primeira do solstício de inverno.

Vamos agora descrever sua extensão e suas diferentes cidades; ao fazer isso, é necessário pressupor que devemos seguir o arranjo do falecido imperador Augusto e adotar a divisão que ele fez de toda a Itália em onze distritos; tomando-os, no entanto, de acordo com sua ordem nas costas; sem um discurso sumário, não seria possível descrever de outra forma cada cidade em relação às outras em sua vizinhança. E pela mesma razão, ao descrever o interior, seguirei a ordem alfabética adotada pelo imperador, apontando as colônias que mencionou em sua ordem. Tampouco é tarefa muito fácil traçar sua situação e origem; pois, para não mencionar outros, apenas os Ingaunos lígures tiveram terras concedidas a eles trinta vezes diferentes.

 


[1] Os nomes atuais destas localidades serão apresentados mais adiante.

[2] Esta passagem é um pouco confusa e pode estar em um estado corrupto. Ele aqui fala dos Alpes Apeninos. Por “lunata juga”, quer dizer os dois cabos, que se estendem a leste e oeste, respectivamente.

[3] Esse parece ser o significado de “alumna”. Plínio provavelmente insinua, com essa antítese, que Roma foi “duas vezes abençoada” ao receber as recompensas de todas as nações do mundo e ao conceder um retorno proporcional.

[4] Adicionando seus imperadores deificados ao número de suas divindades.

[5] O escudo aqui aludido seria em forma de crescente, com a exceção de que o lado interno ou côncavo seria formado por extremidades que se uniriam na projeção central. Ele diz que Cocinto (hoje Capo di Stilo) formaria, nesse caso, a projeção central, enquanto Lacinium (atualmente Capo delle Colonne) formaria o chifre na extrema direita, e Leucopetra (atualmente Capo dell ‘Armi) o chifre na extrema esquerda.

[6] O mar da Toscana ou da Etrúria e o Adriático.

[7] O Varo, como já mencionado, estava na Gália Narbonense, enquanto o Arsia, atualmente Arsa, é um pequeno rio da Ístria, que se tornou a fronteira entre a Itália e a Ilíria, quando Ístria foi anexada por ordem de Augusto ao antigo país. Flui para o Flanaticus Sinus, atualmente Golfo di Quarnero, na costa leste de Ístria, além da cidade de Castel Nuovo, anteriormente Nesactium.

[8] Pescara.

[9] Palo, uma cidade na costa da Etrúria.

[10] Por exemplo, de Pola a Ravenna e de Iadera a Ancona.

[11] Issa, hoje Lissa, é uma ilha do Adriático, na costa de Liburnia.

[12] Ou seja, o sul, que era assim chamado pelos romanos: significa que a Itália se estende ao sentido sudeste.

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