“A Pederastia cultivada” de Krafft-Ebing

Trecho do capítulo 6 de Psychopathia Sexualis. Você pode adquirir a versão impressa ou ebook deste livro, clicando aqui.


 

A Pederastia cultivada

Esta é uma das páginas mais tristes da história da delinquência humana…

Os motivos que levam um homem originalmente normal e sadio à pederastia são vários. É usada temporariamente como um meio de satisfação sexual faute de mieux – como nos casos infrequentes de bestialidade – em que a abstinência da indulgência sexual normal é forçada[1]. Ocorre, portanto, a bordo de navios durante longas viagens, nas prisões, em balneários, etc. É altamente provável que, entre homens submetidos a tais condições, haja indivíduos solteiros de baixa moralidade e grande sensualidade, ou uranistas reais, que seduzem os outros. A luxúria, a imitação e o desejo buscam seus próprios objetivos.

A força do instinto sexual é mais fortemente demonstrada pelo fato de que tais circunstâncias são suficientes para superar a repugnância pelo ato antinatural.

Outra categoria de pederastas é composta de velhos libertinos que se tornaram saciados da prática sexual normal, e encontram na pederastia um meio de excitar o prazer sensual, sendo esse ato um novo método de estimulação. Assim, eles renovam temporariamente sua potência, que foi psíquica e fisicamente reduzida a níveis muito baixos. A nova situação sexual os torna, por assim dizer, relativamente potentes, tornando possível um prazer que não mais encontram nas relações sexuais normais com mulheres. Com o tempo, o poder de excitação da pederastia também se modifica. O indivíduo pode finalmente ser reduzido à pederastia passiva como estímulo para tornar possível a temporária pederastia ativa; assim como, ocasionalmente, a flagelação ou a observação de atos obscenos (casos de mutilação de animais de Maschka) servem ao mesmo propósito.

O final da atividade sexual se expressa em todos os tipos de abuso de crianças – cunilíngua, felação, e outras anormalidades.

Este tipo de pederasta é o mais perigoso, já que buscam principalmente meninos, e os arruínam de corpo e alma.

Em relação a isso, as experiências de Tarnowsky (op. cit. p. 53 e seq.) coletadas na sociedade de São Petersburgo, são terríveis. Os locais onde a pederastia é cultivada são institutos. Velhos libertinos e uranistas desempenham o papel de sedutores. A princípio, é difícil para a pessoa executar tal desagradável ato. Objetivando servir como ajuda, fantasia-se com imagens femininas. Gradualmente, com a prática, o ato natural torna-se fácil e, finalmente, o indivíduo, como alguém degradado pela masturbação, torna-se relativamente impotente para mulheres, e luxurioso o suficiente para encontrar prazer no ato perverso. Tais indivíduos, sob certas circunstâncias, dão-se por dinheiro.

Como mostram Tardieu, Hofmann, Simon e Taylor, não é muito difícil encontrar tais demônios nas grandes cidades. De numerosas declarações feitas a mim por uranistas, aprende-se que a prostituição real e as casas da prostituição para homens que amam homens existem em grandes cidades. As artes da sedução, usadas por prostitutos masculinos são notáveis ​​– ornamentos, perfumes, estilos femininos de vestir, etc., para atrair pederastas e uranistas. Essa imitação de peculiaridades femininas é espontânea e inconsciente em casos congênitos, e em alguns casos adquiridos de (anormal) instinto sexual antipático.

As linhas seguintes são de interesse para o psicólogo e podem dar aos oficiais da lei pistas importantes sobre a vida social e a prática de pederastas:

Coffignon, “La Corruption a Paris”, p. 237, divide os pederastas ativos em “amateurs”, “entreteneurs” e “souteneurs[2].

Os “amateurs” são pessoas debochadas, frequentemente de inversão sexual congênita, de alta posição social e de posses, que são forçados a se proteger de serem descobertos para a satisfação de seus desejos homossexuais. Por conta disso, visitam bordéis, alojamentos ou casas particulares de prostitutas, que, usualmente, mantêm boas relações com prostitutos. Escapam, assim, das chantagens.

Alguns desses “amateurs” (“rivettes”) são ousados ​​o suficiente para satisfazer seus desejos vis em lugares públicos. Correm, assim, o risco de prisão, mas, em uma cidade grande, sofrem pouco risco de chantagem. Diz-se que o perigo adiciona prazer a seus atos secretos.

Os “entreteneurs” são velhos pecadores que, mesmo com o perigo de cair nas mãos de chantagistas, não podem se negar o prazer de manter um “amante”.

Os “souteneurs” são pederastas que foram punidos, que mantêm alguns “jesus”, a quem enviam para seduzir seus clientes (“faire chanter les rivettes”) e que, no momento certo, e caso seja possível, surgem com a finalidade de encontrar a vítima.

Não é raro que vivam juntos em grupos, em que os membros, de acordo com cada desejo individual, vivam como maridos e esposas. E, em tais grupos, há casamentos formais, noivados, banquetes e apresentações de noivas e noivos em seus apartamentos.

Estes “souteneurs” treinam seus “jesus”.

Os pederastas passivos são “petits jesus” “jesus” ou “tias”. Os “petits jesus” são crianças perdidas e depravadas, colocadas acidentalmente nas mãos de ativos pederastas, que as seduzem e revelam a elas os horríveis meios de ganhar a vida, seja como “entreteneurs”, ou nas ruas para homens, com ou sem “souteneurs”.

Os mais astutos e procurados “petits jesus” são aqueles treinados por pessoas que instruem essas crianças na arte de se vestir e agir de maneira feminina.

Gradualmente, eles se emanciparam do professor e mestre, para se tornarem “femmes entretenues”, não raramente por meio da denúncia anônima de seus “souteneurs” à polícia. É objeto do “souteneur” e do “petit jesus” fazer com que estes últimos se pareçam mais jovens, por meio do uso das artes do toalete.

O limite da idade é de cerca de vinte e cinco anos, quando todos se tornam “jesus” e “femmes entretenues” e são, então, sustentados por diversos “souteneurs”. Os “jesus” se dividem em três categorias: “filles galantes”, ou seja, aqueles que caíram novamente nas mãos de um “souteneur” “; “pierreuses” (como suas colegas femininas, estes atuam andando nas ruas); e “domestiques”.

Os “domestiques” alugam-se a pederastas ativos, para satisfazer seus desejos ou para obter “petit jesus” para eles. Um subgrupo desses “domestiques” é formado por aqueles que entram no serviço de “petits jesus” como “femmes de chambre”. O principal objetivo destes “domestiques” é usar suas posições para obter informações comprometedoras, com os quais, mais tarde, praticarão chantagem, assegurando, assim, a facilidade em sua velhice.

A classe mais horrível de pederastas ativos é formada pelas “tias” – isto é, os “souteneurs” de prostitutos – que, embora sexualmente normais, são moralmente desprezíveis, e praticam a pederastia (passiva) apenas com vistas a ganho, ou para fins de chantagem.

Os “amateurs” ricos reúnem-se em locais específicos, onde os passivos aparecem em trajes femininos, e orgias terríveis acontecem. Os garçons, os músicos, etc., em tais reuniões são todos pederastas. As “filles galantes” não se aventuram, exceto durante o carnaval, a mostrar-se nas ruas com roupas femininas; mas sabem como dar à sua aparência algo que indica sua vocação por meio do estilo de vestir, etc. Atraem por meio de gestos, movimentos peculiares de suas mãos, etc., e levam suas vítimas a hotéis, banhos, ou bordéis.

O que o autor diz da chantagem é, no geral, já conhecido. Há casos em que os pederastas permitiram que toda a sua fortuna fosse arrancada deles.

Que essas monstruosidades das grandes cidades sob a forma de “petit jesus” não sejam apenas consequência de treinamento profissional, mas sim de uma condição mental degenerada, é evidente a partir das pesquisas feitas por Laurent (“Les bisexués”, Paris, 1894). Ele descreve na página 175 590 de seu livro, sob o título de “Hermaphroditisme artificiel”, manifestações de “efeminação” e “infantilismo”. Referem-se a meninos que, na puberdade incipiente, não apresentam mais o desenvolvimento das formas e dos órgãos genitais, cabelos e pelos não crescem, não mudam a voz e são atrasados em suas faculdades mentais. É comum acontecer, em tais casos, o desenvolvimento de características femininas secundárias, tanto físicas quanto psíquicas. O post mortem de tais “petits garroches” (Brouardel) revelam uma bexiga pequena, meros rudimentos da próstata, ausência dos músculos ischio e bulbo cavernosi, pênis infantil e uma pélvis muito estreita.

São indubitavelmente indivíduos fortemente maculados que experimentaram, no momento da puberdade, uma espécie de mudança sexual rudimentar.

Laurent (p. 181) faz a interessante observação, de que é nas fileiras destes “Infantis” e “Efeminados” que os pederastas passivos profissionais (“petits jesus”) são recrutados.

É evidente, portanto, que essas monstruosidades humanas são predestinadas e treinadas, por assim dizer, em sua abominável carreira por fatores degenerativos e antropológicos.

O seguinte aviso de um jornal de Berlim, de fevereiro de 1884, que caiu em minhas mãos por acidente, parece adequado para mostrar algo da vida e dos costumes dos pederastas e uranistas:

O Baile dos que Odeiam Mulheres – Quase todos os elementos sociais de Berlim têm suas reuniões sociais – os gordos, os carecas, os solteiros, os viúvos – e por que não os que odeiam mulheres? Essa espécie de homens, tão interessante psicologicamente, mas nada edificante, teve um grande baile há poucos dias. ‘Grande e Chique Baile Dançante de Viena’ – lia-se no convite. A venda de ingressos é muito rigorosa; eles desejam se manter bastante exclusivos. Seu encontro é em um bem conhecido salão de danças. Nós entramos no salão à meia-noite A alegre dança acompanha o ritmo de uma boa orquestra. A fumaça pesada do tabaco, que obscurece as luzes do gás, não permite que os detalhes da massa em movimento se tornem óbvios, e apenas quando ocorre uma pausa entre as danças podemos nos aproximar. As máscaras são as mais comuns; casacos pretos e vestidos de baile são vistos aqui e ali.

“Mas o que é isso? A dama de tarlatana rosa, que agora nos passou, tem um charuto aceso no canto da boca e solta baforadas como um soldado; e ela também veste uma pequena barba loira, levemente pintada. E, no entanto, ela está conversando com um anjo muito “décolleté” em tricô, que permanece lá, com os braços nus dobrados por detrás, também fumando. As duas vozes são masculinas, e a conversação também é muito masculina; trata-se da ‘… fumaça do tabaco, que não permite o ar’. Dois homens vestidos de mulher! Um palhaço comum está ali, encostado uma coluna, em uma leve conversa com uma bailarina, com seu braço em torno de sua cintura perfeita. Ela tem uma bem definida cabeça loira como Titus, e aparentemente uma forma voluptuosa. Os brincos brilhantes, o colar com um medalhão, os ombros e os braços cheios, redondos, não permitem duvidar de sua ‘autenticidade’, até que, com um movimento súbito, ela se desprende do braço abraçado e, bocejando, afasta-se, dizendo, em um baixo profundo, ‘Emile, você está muito cansativo hoje!’ A bailarina também é um homem!

“Suspeitando de tudo agora, olhamos mais adiante. Nós quase suspeitamos que, aqui, o mundo está de cabeça para baixo; pois lá vai, ou melhor, lá tropeça, um homem – não, não um homem, mesmo que use um bigode cuidadosamente tratado; o cabelo bem enrolado; o rosto em pó pintado com as sobrancelhas enegrecidas; os brincos dourados; o buquê de flores que se estende do ombro esquerdo até o peito, ornamentando o elegante vestido preto; os braceletes dourados nos pulsos; o elegante leque na mão enluvada em branco – todas essas coisas são tudo, menos masculinas. E como ele brinca com o leque! Como ele dança e se vira e tropeça e balbucia! E, no entanto, a Natureza gentil fez deste boneco um homem. Ele é vendedor em uma grande loja de doces, e o bailarino mencionado é o seu ‘colega’.

“Numa pequena mesa de canto parece haver um grande círculo social. Vários cavalheiros idosos se espremem em torno de um grupo de senhoras décolleté, que se sentam próximas a um copo de vinho e – no espírito de diversão – fazem piadas que não são tão delicadas. Quem são essas três senhoras? ‘Senhoras’, ri meu conhecido amigo. ‘Bem, a da direita, com cabelos castanhos e vestido curto e elegante, é chamada de ‘Butterrieke’, ele é um cabeleireiro; a segunda – a loira em trajes de cantora, com colar de pérolas – é conhecida aqui pelo nome de ‘Senhorita Ella da corda apertada’, e ele é um alfaiate de senhoras; e a terceira – é a muito conhecida ‘Lottie’.

“Mas pode aquela pessoa ser um homem? Aquela cintura, aquele busto, aqueles braços clássicos, todo o ar e a pessoa são marcadamente femininos!

“Dizem para mim que ‘Lottie’ já havia sido contador. Hoje ela, ou melhor, ele, é exclusivamente ‘Lottie’, e tem prazer em enganar os homens sobre seu sexo pelo maior tempo possível. ‘Lottie’ está cantando uma canção que dificilmente seria para um salão, em voz aguda, adquirida após anos de prática, que muitas sopranos poderiam invejar. ‘Lottie’ também ‘trabalhou’ como uma comediante feminina. Agora, o ex-contador já entrou tanto no papel feminino que, nas ruas, aparece quase exclusivamente com trajes femininos e, como as pessoas com quem convive, usa um vestido de noite bordado.

“Examinando mais atentamente a assembleia, para o meu assombro, descubro vários conhecidos: meu sapateiro, que eu teria tomado por qualquer coisa, mas nunca como alguém que odiasse mulheres – ele é um ‘trovador’, com espada e pluma; e sua ‘Leonora’, vestida de noiva, é quem costuma trazer minha marca de charutos preferida diante de mim, em uma certa loja de charutos. ‘Leonora’, que, durante uma pausa na música, tira as luvas, reconheço com certeza pelas suas grandes mãos. Certo! Também há meu camiseiro; ele se move em um questionável traje como Baco, e é o acompanhante de uma Diana repugnantemente enfeitada, que trabalha como garçom em um restaurante. As verdadeiras ‘senhoras’ reais do baile não podem ser descritas aqui. Eles só se aproximam apenas umas das outras, e evitam os que odeiam mulheres; e estes últimos são exclusivos e divertem-se, ignorando absolutamente os encantos das mulheres”.

Estes fatos merecem a atenção cuidadosa da polícia, que deve ser colocada em posição de lidar com a prostituição masculina, como agora fazem com a feminina.

A prostituição masculina é certamente muito mais perigosa que a feminina; é a mancha mais escura na história da humanidade.

A partir das declarações de um alto funcionário policial de Berlim, aprendi que a polícia está familiarizada com o submundo masculino da capital alemã, e faz tudo o que pode para suprimir a chantagem entre os pederastas – uma prática que muitas vezes só é interrompida pelo assassinato.

Os fatos precedentes justificam o desejo de que o legislador do futuro possa, pelo menos por razões de utilidade, abandonar a acusação de pederastia.

Com referência a este ponto, é digno de nota que o Código francês não pune a pederastia, enquanto não se tornar uma ofensa à decência pública. Provavelmente por razões político-legais, o novo Código Penal italiano silencia sobre o crime de abuso antinatural, assim como os estatutos da Holanda e, tanto quanto sei, da Bélgica e da Espanha.

Em que medida esses pederastas cultivados devem ser considerados mental e moralmente sólidos pode permanecer uma questão aberta. A maioria deles sofre com neuroses genitais. Pelo menos nesses casos, há os estágios de transição para o instinto sexual antipático patológico adquirido (ver acima). A responsabilidade desses indivíduos, certamente muito mais baixos do que as mulheres que se prostituem, não pode, em geral, ser questionada.

As várias categorias de homens amantes do sexo masculino, no que diz respeito à forma da prática sexual, podem assim ser caracterizadas em geral:

O uranista congênito torna-se apenas um pederasta e, eventualmente, recorre a este ato depois de ter praticado e esgotado todos os possíveis atos imorais com homens.

A pederastia passiva é, para ele, a forma ideal, e praticamente adequada, do ato sexual. Ele pratica a pederastia ativa apenas para agradar a outro. O ponto mais importante aqui é a perversão congênita e imutável do instinto sexual.

É diferente do que se torna pederasta pelo cultivo da prática. Ele já agiu sexualmente do ponto de vista normal, ou pelo menos teve inclinações normais, e ocasionalmente tem relações sexuais com o sexo oposto. Sua perversidade sexual não é congênita nem imutável. Ele começa com a pederastia e termina em outros atos sexuais perversos, induzidos pela fraqueza dos centros de ereção e ejaculação. No auge de sua potência, seu desejo sexual não é passivo, mas sim é pela pederastia ativa. Ele cede à pederastia passiva apenas para agradar a outro; por dinheiro, no papel de um prostituto; ou como uma maneira, quando a virilidade está em declínio, para tornar a pederastia ativa ainda ocasionalmente possível.

Um ato horrível, que deve abordado, em conclusão, é pædicatio mulierum[3], e inclusive uxorum[4]. As pessoas sensuais às vezes fazem isso com prostitutas experientes, ou mesmo com suas esposas. Tardieu dá exemplos nos quais homens, geralmente praticando coito, às vezes se entregavam à pederastia com suas esposas. Ocasionalmente o medo de uma repetição da gravidez pode induzir o homem a realizar, e a mulher a tolerar, o ato.

Caso 237. Imputação de pederastia que não foi provada. Resumo do processo judicial:

Em 30 de maio de 1888, S., químico, de H., em uma carta anônima, foi acusado por seu padrasto de ter relações imorais com G., de 19 anos, filho de um açougueiro. S. recebeu a carta e, espantado com o seu conteúdo, repassou-a a seu senhor, que prometeu proceder discretamente no assunto e averiguar das autoridades o que estava sendo tido sobre ele em público.

Na manhã seguinte, G., que morava na casa de S., foi preso. Na época ele estava sofrendo de gonorreia e orquite. S. tentou induzir as autoridades a libertar G., e aconselhou cautela, mas não foi atendido. Em sua declaração ao juiz, S. disse que conheceu G. na rua, três anos antes, e depois não mais o viu até o outono de 1887, quando o encontrou na loja de seu pai. Depois de novembro, G. fornecia carne à cozinha de S. – chegando à noite para pegar a ordem e trazendo a carne na manhã seguinte. Assim S. gradualmente familiarizou-se com G., e veio a desenvolver um sentimento de forte amizade em relação a ele. Quando S. caiu doente e ficou, por um tempo razoável, confinado a sua cama até o meio de maio, 1888, G. foi tão atencioso que S.. e sua esposa. foram atraídos por ele por conta de sua disposição feliz e infantil. S. mostrou e explicou a sua coleção de curiosidades, e eles passaram agradáveis noites juntos, com a esposa usualmente também presente; além disso, S. e G. começaram fazer salsichas, geleias, etc. Em fevereiro de 1888, G. adoeceu com gonorreia. S., sendo seu amigo, e tendo estudado medicina por algum tempo, cuidou de G., encontrou remédios para ele, etc. Em maio, G. ainda estava doente e, por várias razões, desejando sair de casa, S. e sua esposa o trouxeram para sua própria casa para cuidar dele. S. negou a verdade de todas as suspeitas que haviam sido levantadas por esta revelação, e defendeu-se destacando sua vida anterior de grande respeitabilidade, sua educação, e ao fato de que G., na época, estava sofrendo com uma doença nojenta e contagiosa, e que ele mesmo tinha uma afecção dolorosa (cálculo nefrítico, com ataques ocasionais de cólicas).

Contrariamente a estas declarações de S., devem ser mencionados os fatos apresentados em tribunal, e que levaram à condenação em primeiro julgamento.

A relação de S. com G. tinha, em razão de sua obviedade, dado margem a certas observações feitas por particulares, bem como por aqueles em casas públicas. G. passava quase todas as noites com a família de S. e, finalmente, passou a se sentir em casa lá. Eles caminhavam juntos. Certa vez, enquanto caminhava, S. disse a G. que ele era um belo sujeito, e que gostava muito dele. Na mesma ocasião, houve também conversas sobre assuntos sexuais, e também pederastia. S. disse que tocou nesses assuntos apenas para alertar G. Com referência à relação sexual em casa, ficou provado que S., ocasionalmente, enquanto estava sentado em um sofá, abraçava G. e o beijava. Isso acontecia na presença da esposa, assim como de empregadas. Quando G. estava doente com gonorreia, S. instruiu-o no método de usar a seringa e, em certa ocasião, segurou o pênis em suas mãos. G. testemunhou que S., em resposta a sua pergunta de por que ele gostava tanto dele, disse: “Eu não conheço a mim mesmo”. Quando, um dia, G. permaneceu ausente de casa, S., com lágrimas nos olhos, queixou-se dele quando este retornou. S. também lhe disse que seu casamento era infeliz, e, em lágrimas, implorou a G. para que não o deixasse; que ele deveria tomar o lugar de sua esposa.

De tudo isso resultou a justa acusação de que a relação entre os dois homens tinha uma direção sexual. O fato de que tudo era aberto e de conhecimento de todos, de acordo com a queixa, não defendia o caráter inofensivo da relação, mas sim da intensidade da paixão de S. A vida imaculada do acusado também foi considerada, assim como sua honestidade e gentileza. A probabilidade de um casamento infeliz, e que S. era de uma natureza muito sensual, foi revelada.

No decurso do julgamento, G. foi repetidamente examinado pelos peritos médicos. Ele era quase de tamanho médio, pálido e de constituição forte; pênis e testículos eram perfeitamente desenvolvidos (grandes).

Em consonância com a acusação, verificou-se que o ânus havia sido alterado patologicamente, na medida em que não havia rugas na pele e o esfíncter era relaxado; e presumiu-se que essas mudanças apontaram para a probabilidade de pederastia passiva.

A convicção baseava-se nesses fatos. O julgamento reconheceu que a relação existente entre os culpados não apontava, necessariamente, abusos não naturais, como tampouco as condições físicas encontradas na pessoa de G.

No entanto, em virtude da combinação dos dois fatos, a corte estava convencida da culpa de ambos os acusados, e concluiu: “Que a condição anormal do ânus de G. tinha sido causada pela frequentemente e repetida introdução do pênis de S., e que G. voluntariamente permitiu o desempenho desse ato imoral em si mesmo”.

Assim, as condições do §175, R. St. G. B., pareciam ser atendidas. Ao pronunciar a sentença, considerou-se a educação de S., que o fazia parecer o sedutor de G.; no caso de G., esse fato e sua juventude foram consideradas; e também a respeitabilidade anterior de ambos foi considerada. Assim, S. foi condenado a prisão por oito meses, e G. por quatro meses.

Apelaram ao Supremo Tribunal de Leipzig, e se prepararam, caso a apelação fosse negada, para recolher provas suficientes para pedir um novo julgamento.

Eles se submeteram a exames e observações por especialistas conhecidos. Estes últimos declararam que o ânus de G. não apresentava sinais de indulgência na pederastia passiva.

Uma vez que pareceu importante para os interessados ​​esclarecer o aspecto psicológico do caso, que não foi abordado no julgamento, o autor foi encarregado do exame e observação de S. e G.

Resultados de Exame Pessoal, de 11 A 13 de Dezembro de 1888, em Graz: “S., com 37 anos; casado há dois anos, sem filhos. Ex-diretor do Laboratório Municipal de H. Ele vem de um pai que se diz ter sido nervoso, devido à grande atividade; que teve um ataque apopléctico com 57 anos, e morreu aos sessenta e sete, de outro ataque de apoplexia. Sua mãe está viva, e é descrita como uma pessoa forte, que é nervosa há anos. A mãe dela chegou a uma idade avançada, e diz-se que teria morrido de um tumor cerebelar. Um irmão do pai da mãe é dito ter sido um bebedor. O avô paterno morreu cedo, de enfraquecimento do cérebro.

“S. tem dois irmãos, que estão em perfeita saúde.

“Ele afirma que ele é de temperamento nervoso, e tem constituição forte. Após o reumatismo articular, que teve com 14 anos, sofreu com grande nervosismo por alguns meses. A partir daí, passou a sofrer muitas vezes com dores reumáticas, palpitações e falta de ar. Estes sintomas desapareceram gradualmente com banho de mar. Sete anos atrás ele teve gonorreia. Esta doença tornou-se crônica, e por um longo tempo causou dificuldades na bexiga.

“Em 1887 teve seu primeiro ataque de cólica renal, e tais ataques se repetiram durante o inverno de 1887 e 1888, até 16 de maio de 1888, quando saiu um cálculo renal muito grande. Desde então, sua condição tinha sido bastante satisfatória. Enquanto sofria de pedras, durante o coito, no momento da ejaculação, sentia intensa dor na uretra e mesmo ao urinar.

“Com relação à sua vida, S. declara que frequentou o Ginásio até aos 14 anos, mas depois disso, devido aos resultados de sua doença grave, passou a estudar de forma privada. Passou então quatro anos em uma farmácia, e depois estudou medicina por seis semestres na Universidade, servindo na guerra de 1870 como assistente voluntário de um hospital. Como não tinha certificado de graduação no Ginásio, desistiu do estudo da medicina e obteve o grau de doutor em filosofia. Em seguida, trabalhou no Museu de Minerais em K. e depois como assistente no Instituto Mineralógico de H. Em seguida, fez estudos especiais em química de alimentos e, há cinco anos, tornou-se diretor do Laboratório Municipal.

“Ele faz todas estas declarações de maneira rápida e precisa, e não pensa muito em suas respostas; de modo que são indícios que levam a pensar que ele ama a verdade, e a declara – além do quê, no dia seguinte, suas declarações são idênticas. Com referência à sua vita sexualis, S., de forma modesta, delicada e aberta, declara que, aos 11 anos, começou a entender a diferença dos sexos e, até seus 14 anos ano, foi dado ao onanismo. Começou tendo coito aos 18 anos, o qual praticou, depois disso, moderadamente. Seu desejo sensual nunca fora muito grande, mas, até recentemente, o ato sexual tinha sido normal em todos os sentidos, e acompanhado de gratificante sentimento de prazer e plena virilidade. Desde seu casamento, há dois anos, ele convivia exclusivamente com a esposa. Ele casara com sua esposa por amor, e ainda a amava, tendo coito com ela pelo menos várias vezes por semana. A esposa, que também estava à disposição, confirmou estas declarações.

“Em toda investigação com relação a uma perversão do sentimento sexual dirigida aos homens S., respondeu negativamente de forma insistente, mesmo com a repetição dos exames, e isso sem entrar em contradição ou qualquer pensamento. Mesmo quando, com o objetivo de flagrá-lo, foi dito a ele que uma prova de instinto sexual perverso seria útil no julgamento, ele se apegava a suas declarações. Solidifica-se a importante impressão de que S. não tem o menor conhecimento dos fatos relacionados ao amor masculino. Assim, aprende-se que seus sonhos lascivos nunca foram sobre homens; que está interessado unicamente na nudez feminina; que gostava de dançar com damas, etc. Não há vestígios de qualquer tipo de inclinação sexual para o seu próprio sexo. Em relação às suas relações com G., S. exprime-se exatamente como o fez em seu interrogatório perante o tribunal. Em explicação a sua afeição por G., ele só pode dizer que ele é um homem nervoso, de sentimentos e grande sensibilidade, e muito sensível à amizade. Durante sua doença, sentiu-se muito solitário e deprimido; sua esposa frequentemente estava com os pais dela; e, assim, ocorreu de ter se aproximado de G., que era tão gentil e agradável. Ainda sentia-se próximo a ele, e se tornava notavelmente silencioso e reservado quando falava de sua amizade.

“Ele já tivera duas amizades íntimas: quando ainda era estudante, com um companheiro da corporação, um Dr. A., que ele também abraçava e beijava; mais tarde, com um Barão M. Quando ocorreu de não poder vê-lo por alguns dias, ficou deprimido, e até chorou.

“Ele também tinha sentimentos semelhantes de apego a animais. Assim, lamentou a perda de um poodle que havia morrido há pouco tempo, como se fosse um membro da família; muitas vezes beijara o animal (quando relatava isso, lágrimas vinham em seus olhos). Seu irmão confirmou estas declarações, com a observação, referindo-se à notável amizade de seu irmão por A. e M., que nesses casos não havia a menor suspeita de caráter sexual ou de relações sexuais. O exame mais cuidadoso e detalhado de S. não apresentou qualquer motivo para essa pressuposição.

“Ele afirma que nunca teve o menor sentimento sexual por G., e nunca teve ereção ou desejo sexual. Sobre sua preferência por G., que se aproximava do ciúme, S. explicou sendo resultado apenas de seu temperamento sentimental e sua especial amizade. Queria tanto G. como se este fosse seu filho.

“É digno de nota que S. declarou que, quando G. lhe falou sobre suas aventuras amorosas com meninas, isso o magoava apenas no sentido de que G. poderia correr perigo de se ferir e arruinar sua saúde por dissipação. Ele nunca lamentaria uma situação como essa. Se conhecesse uma menina que fosse boa para G., ficaria feliz em compartilhar com ele sua alegria, bem como fazer de tudo para promover seu casamento.

“S. declarou que foi o primeiro a perceber que, no decorrer do seu exame jurídico, viu como tinha sido descuidado em sua relação com G., permitindo fofocas. Nunca escondeu nada porque sua amizade era inocente.

“É digno de nota que a esposa de S. nunca notou nada de suspeito na relação entre seu marido e G., embora a esposa, instintivamente, perceberia algo dessa natureza. A Sra. S. também não se opôs a receber G. na própria casa. Nesse ponto, ela observou que o quarto de dormir em que G. ficava, quando doente, estava no segundo andar, enquanto eles dormiam no quarto andar; e, além disso, que S. nunca ficava sozinho com G. enquanto ele estava na casa. Ela afirma que está convencida da inocência de seu marido, e que ela o ama exatamente como antes.

“S. declarou, por iniciativa própria, que beijara G. muitas vezes, e conversava com ele sobre assuntos sexuais. G. era muito dado às mulheres, e por amizade, muitas vezes advertiu G. sobre a dissipação sexual, particularmente quando G., como muitas vezes acontecia, não parecia bem de saúde. Ele também havia dito, certa vez, que G. era um belo homem; isso dentro de uma relação perfeitamente inofensiva.

“O beijo de G. tinha sido consequência de uma profunda amizade, quando G. lhe dava alguma atenção especial, ou o agradava especialmente. No ato, nunca havia tido qualquer sentimento sexual. Quando, de vez em quando, sonhava com G., era de uma maneira perfeitamente inofensiva”.

Parecia de grande importância para o autor apresentar, ainda, uma opinião sobre a personalidade de G.. Em 12 de dezembro, a oportunidade desejada foi dada, e G. foi cuidadosamente examinado.

G. era um jovem de 20 anos, de delicada constituição, cujo desenvolvimento estava adequada à idade; parecia ser neuropático e sensual. Os órgãos genitais eram normais e bem desenvolvidos. O autor pensou que poderia ignorar a condição do ânus, pois não sentiu necessidade de analisá-lo. O prolongado contato com G. deu a impressão de ser um homem inofensivo, bondoso e ingênuo, de mente tranquila, mas não moralmente depravado. Nada em seus modos ou maneira de vestir indicava sentimento sexual perverso. Não podia haver a menor suspeita de que ele fosse um cortesão.

Quando G. foi introduzido in media res, ele afirmou que S. e ele, sabendo de sua inocência, haviam dito tudo o que realmente tinha acontecido, e foi nisso tudo em que se baseou o julgamento.

No início, a amizade de S., e especialmente os beijos, pareciam excepcionais, inclusive para ele. Mais tarde, convenceu-se de que era apenas amizade, e não pensava mais nisso.

G. considerara S. como um amigo como se fosse um pai; por ser tão altruísta, amava-o assim.

A expressão “belo homem” foi feita quando G. teve um caso de amor, e S. expressou seus temores sobre um futuro feliz para G. Naquele momento S. o havia confortado e disse que a aparência de G. era agradável, e que seria um belo partido.

Cera vez, S. se confessou a G. que sua esposa estava bebendo muito, e começou a chorar. G. foi tocado pela infelicidade de seu amigo. Nessa ocasião, S. o beijou e implorou por sua amizade, pedindo-lhe que o visitasse com frequência. S. nunca dirigira espontaneamente a conversa para assuntos sexuais.

Certa vez, G. perguntou certa vez o que era pederastia, algo que ouviu muito quando estava na Inglaterra; e S. o explicou.

G. reconheceu ser sensual. Com a idade de 12 tinha se familiarizado com assuntos sexuais por meio de colegas de escola. Ele nunca se masturbara, tivera coito com a idade de 18 anos e, desde então, frequentava bordéis frequentemente. Ele nunca sentiu qualquer inclinação para seu próprio sexo, e nunca havia experimentado qualquer excitação sexual quando S. o beijava. Ele sempre teve prazer no coito normalmente realizado. Seus sonhos lascivos sempre foram com mulheres. Com indignação e apontando para sua descendência de uma família saudável e respeitável, ele repeliu a insinuação de ter sido dado a uma pederastia passiva. Até que as fofocas sobre eles chegaram a seus ouvidos, ele tinha sido inocente, e não suspeitava de nada. As anomalias anais tentou explicar da mesma maneira que fez no julgamento. Negou a automasturbação.

Deve-se notar que o Sr. J. S. afirmou não ter sido menos surpreendido pela acusação contra seu irmão de amor masculino do que aqueles mais estreitamente ligados com ele. Ainda assim, não conseguia entender o que fazia com seu irmão se ligasse de tal forma a G.; e todas as explicações feitas por S. a respeito de sua relação com G., foram vãs.

O autor teve o trabalho de observar S. e G., agindo de maneira natural, quando jantavam, em companhia de o irmão de S. e da Sra. S., em Graz. Esta observação não revelou o menor sinal de amizade imprópria.

Minha impressão geral sobre S. foi a de um indivíduo nervoso, sanguíneo, um pouco tenso mas, ao mesmo tempo, bondoso, de coração aberto e muito emotivo.

S. era fisicamente forte, um tanto corpulento, com um crânio braquicefálico simétrico. Os órgãos genitais eram bem desenvolvidos; o pênis um pouco grande; o prepúcio ligeiramente hipertrofiado.

Opinião. A pederastia, infelizmente, não é infrequente na humanidade de hoje; mas, mesmo que ocorra entre os povos da Europa, é uma forma incomum, perversa, e mesmo monstruosa de gratificação sexual. Presume uma perversão congênita ou adquirida do instinto sexual e, ao mesmo tempo, um defeito de sentido moral que é original ou adquirido, como resultado de influências patológicas.

A ciência médico-legal está completamente familiarizada com as condições físicas e psíquicas das quais se origina essa aberração do instinto sexual; e, no concreto e duvidoso caso, parece necessário verificar se essas condições empíricas e subjetivas necessárias para a pederastia estão presentes. É essencial distinguir entre pederastia ativa e passiva.

A pederastia ativa ocorre:

I. Enquanto fenômeno não patológico:

1. Como meio de satisfação sexual, em caso de grande desejo sexual, com abstinência forçada de relações sexuais naturais.

2. Em velhos libertinos, que se tornaram saciados com relações sexuais normais e, sendo mais ou menos impotentes, são também moralmente depravados; e os que recorrem à pederastia para excitar sua luxúria com esse novo estímulo, auxiliando sua virilidade que se afundou tanto psíquica quando fisicamente.

3. Tradicionalmente, entre certas raças bárbaras desprovidas de moralidade.

II. Como um fenômeno patológico:

1. Sobre os fundamentos de uma inversão sexual congênita, com repugnância, e mesmo incapacidade absoluta, para relações sexuais com as mulheres. Mas, inclusive como Casper sabia, a pederastia, sob tais condições, é muito infrequente. O assim chamado uranista se satisfaz com um homem por meio de onanismo passivo ou mútuo, ou por meio de atos de coito (por exemplo, coitus inter femora); e recorre à pederastia apenas excepcionalmente, como resultado de um intenso desejo sexual, ou a partir de um sentido moral baixo ou reduzido, pelo desejo de agradar a outro.

2. Com base na inversão sexual patológica adquirida:

(a) Como resultado do onanismo praticado ao longo de muitos anos, que finalmente causa impotência em relação às mulheres, com a manutenção de intenso desejo sexual.

(b) Como consequência de uma doença mental grave (demência senil, enfraquecimento do cérebro nos insanos, etc.) na qual, como a experiência ensina, pode ocorrer uma inversão do instinto sexual.

A pederastia passiva ocorre:

I. Como fenômeno não-patológico:

1. Nos indivíduos da classe mais baixa que, tendo tido a infelicidade de terem sido seduzidos na infância por libertinos, suportavam a dor e desgosto por conta do dinheiro, tornando-se moralmente depravados, de modo que, quando amadureciam, caíam tão baixos que gostam de ser prostitutos.

2. Em circunstâncias análogas às de I., 1 – como prêmio a outrem por permitirem a pederastia ativa.

II. Como fenômeno patológico:

1. Em indivíduos afetados com inversão sexual, com resistência à dor e ao nojo, como uma retribuição a homens que lhes prestaram favores sexuais.

2. Em uranistas que se sentem mulheres para os homens, para além do desejo e da luxúria. Em tais homens-mulheres há horror feminæ e absoluta incapacidade para relações sexuais com mulheres. Caráter e inclinações são femininos.

Os fatos empíricos recolhidos pela medicina legal e pela psiquiatria estão todos incluídos nesta classificação. Diante do tribunal da ciência médica, seria necessário provar que um homem pertence a uma das categorias acima, a fim de formar a convicção de ser ele um pederasta.

Na vida e no caráter de S., procurou-se em vão sinais que o colocassem em uma das categorias de pederastas ativos estabelecidos pela ciência. Ele não era nem forçado à abstinência sexual, nem tornado impotente para as mulheres devido à devassidão; nem era um congênito amante de homem, nem sem interesse pelas mulheres pela masturbação, ou atraído aos homens pela perpetuação do desejo sexual; e, finalmente, não era sexualmente perverso como resultado de doença mental grave.

De fato, faltam nele as condições gerais necessárias para a ocorrência de pederastia – imbecilidade moral ou depravação moral, por um lado, e desejo sexual desordenado do outro.

Também era impossível classificar o cúmplice, em qualquer das categorias empíricas da pederastia passiva; pois ele não possuía nem as peculiaridades do prostituto, nem as marcas clínicas de efeminação; e não tinha os estigmas antropológicos e clínicos do homem-mulher. Ele era, de fato, o oposto de tudo isso.

Para estabelecer, entre ambos, uma relação de pederastia plausível do ponto de vista médico-científico, teria sido necessário que S. apresentasse os antecedentes e marcas dos pederastas ativos de I., 2, e G., as marcas dos pederastas passivos de II ., 1 ou 2.

O pressuposto que estava na base do veredicto foi, de um ponto de vista psicológico, juridicamente insustentável.

Dentro do mesmo direito, todos os homens podem ser considerados pederastas. Resta saber se as explicações dadas pelo Dr. S. e por G. de sua notável amizade são válidas psicologicamente.

Psicologicamente não é sem paralelo que um homem tão sentimental e excêntrico como S. – sem qualquer excitação sexual – deva ter uma amizade transcendental. Basta recordar a amizade entre alunas, a amizade abnegada dos jovens sentimentais em geral, e o apego com o qual esse homem sensível mostrava, às vezes, mesmo para animais domésticos – situações nas quais ninguém pensaria em sodomia. Com o caráter mental de S., sua extraordinária amizade pelo jovem G. pode ser facilmente compreendida. O caráter público dessa amizade permite concluir que era inocente, muito mais do que dependia da paixão sensual.

Os réus conseguiram obter um novo julgamento. O novo julgamento ocorreu em 7 de março de 1890. Havia muita evidência apresentada em favor do acusado.

A vida moral de S. foi reconhecida amplamente. A Irmã de Caridade, que cuidou de G. na casa de S., nunca notou nada suspeito nas relações entre S. e G. Os antigos amigos de S. testemunharam sobre sua moralidade, sua profunda amizade e seu hábito de beijá-los, fosse quando os encontrava, fosse quando os deixava. As anormalidades anais encontradas anteriormente em G. já não estavam presentes. Especialistas chamados pelo tribunal permitiram a possibilidade de que fossem devidas simplesmente a manipulações digitais; seu valor diagnóstico em qualquer caso foi contestado pelos peritos convocados pela defesa.

O tribunal reconheceu que o crime imputado não havia sido provado e inocentou os réus.

 


[1] Lombroso (“Der Verbrecher, p. 20 e seq.) demonstra que também no caso de animais, relações sexuais com o mesmo sexo ocorrem quando a prática normal é uma impossibilitada.

[2] “Amadores”, “mantenedores”, e “sustentados”. Os termos foram mantidos em francês, por fazerem parte da gíria específica dos homossexuais franceses do período (N. do T.).

[3] Cf. Tardieu, “Attentats,” p. 198; Martineau, “Deutsche Med. Zeitung,” 1882, p. 9; Virchow “Jahrb.,” 1881, i., p. 533; Coutagne, “Lyon Mèdical,” Nos. 35, 36. Eulenburg em “Zülzer’s Klin. Handb. d. Harn- u. Sexual-organe,” iv.Abtheil., p. 45, relata casos de sua própria experiência, em que as mulheres apresentaram ações de divórcio com o fundamento de que o marido, para evitar a prole, praticava somente a pædicatio.

[4] Sexo anal com mulheres, inclusive esposas (N. do T.).

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