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Orósio não apresenta, em seu livro, muitas discussões teóricas que fundamentem a narrativa que apresenta. O início do livro V, que você irá ler a seguir, talvez seja um dos momentos em que Orósio mais profundamente se dedica a discutir os princípios religiosos que norteiam sua obra. Fica evidente, aqui, como seu texto tem um fundamento moral e religioso, muito mais do que histórico. Esse modelo de pensar a história, aliás, foi característico dos trabalhos de história de toda a Idade Média.
Livro V
1. À luz dos acontecimentos diretamente posteriores aos que acabo de relatar, percebo que algumas pessoas podem ser influenciadas pelo fato de que as vitórias romanas continuaram a crescer como resultado da destruição de muitos povos e cidades. Se pesarem cuidadosamente as evidências, no entanto, descobrirão que produziram mais danos do que benefícios. Pois nenhuma dessas guerras contra escravos, aliados, cidadãos ou fugitivos deve ser simplesmente descartada, pois certamente não trouxe nenhum benefício, mas apenas grandes desastres. No entanto, vou ignorar este fato para tratar a situação à luz da qual estas pessoas a viram. Penso que diriam: já houve uma idade mais feliz do que esta com seus contínuos triunfos, famosas vitórias, ricos prêmios de guerra, imponentes procissões, e com reis e povos conquistados marchando numa longa fila diante da carruagem triunfante? Ireis lhes responder brevemente que enquanto eles mesmos reclamam de nossa época, nós, em nome dessa mesma época, nos engajamos em uma discussão sobre épocas e eventos que devem ser considerados não apenas do ponto de vista de uma cidade, mas levando o mundo inteiro em consideração. Ficará evidente então que sempre que Roma conquista e é feliz, o resto do mundo é infeliz e conquistado. Devemos, portanto, dar demasiada importância a esta pequena medida de felicidade quando foi obtida com tão grandes pesares? Admito que estes tempos trouxeram alguma felicidade a uma determinada cidade, mas será que não pesaram também o resto do mundo com a miséria e não atingiram sua ruína? Se aqueles tempos devem ser considerados felizes porque a riqueza de uma única cidade foi ampliada, por que não deveriam ser julgados como os mais infelizes, tendo em vista a miserável destruição e queda de poderosos reinos, de numerosos povos desenvolvidos?
Talvez Cartago não tenha entendido a situação de maneira diferente naquela época? Durante um período de cem anos, a cidade temeu alternadamente os desastres da guerra e os termos da paz. Em certo momento decidindo renovar a guerra, e em outro buscando humildemente pela paz, Cartago estava continuamente trocando a paz pela guerra e a guerra pela paz. Ao final, seus miseráveis cidadãos, por toda a cidade, foram levados ao desespero e se jogaram nas chamas. A cidade inteira se tornou uma pira funerária. A cidade agora é pequena em tamanho e destituída de muros, e faz parte de seu infeliz destino ouvir falar de seu passado glorioso.
Que a Hispânia apresente sua opinião. Durante duzentos anos os campos hispânicos foram encharcados com seu próprio sangue. O país era incapaz de se submeter ou de resistir a um inimigo problemático que persistentemente atacava todas as fronteiras. Cidades e distritos camponeses em todos os lugares estavam em ruínas. Os habitantes esmagados pela carnificina da batalha e exaustos pela fome que acompanhava os cercos. Os homens matavam suas esposas e filhos, e para acabar com seus próprios sofrimentos, corriam uns contra os outros, cortavam a garganta uns dos outros e sofriam mortes infelizes. O que, então, a Hispânia pensa sobre sua própria condição?
E agora deixe a Itália falar. Por que a Itália deveria ter oprimido, resistido e colocado todo tipo de obstáculos no caminho de seus próprios romanos durante um período de quatrocentos anos? Ela certamente não poderia ter agido desta maneira se a felicidade dos romanos não tivesse sido escrita em seu próprio desastre e se não tivesse sentido que estava promovendo o bem-estar de todos, impedindo que os romanos se tornassem senhores do mundo inteiro.
Não estou levantando agora a questão sobre inúmeros povos de vários países, que, depois de gozar longos períodos de liberdade, foram derrotados na guerra, tirados à força de suas terras natais, vendidos à escravidão e dispersos por toda parte. Não pergunto o que teriam preferido para si mesmos, o que pensavam dos romanos, e como julgavam os tempos. Não estou levantando uma palavra sobre reis de vasta riqueza, grande poder e renome, que, depois de gozar de longo poder, foram posteriormente capturados, acorrentados como escravos, enviados sob o jugo, conduzidos diante da carruagem triunfante e mortos na prisão. Perguntar sua opinião é tão insensato quanto difícil não ter pena de sua miséria.
Então nos questionemos, digo eu, sobre o modo de vida que escolhemos e que estamos acostumados a viver. Nossos antepassados travaram guerras, buscaram a paz e ofereceram tributos; pois o tributo é o preço da paz. Nós mesmos prestamos tributos para evitar a guerra e por este meio chegamos a ancorar e estamos permanecendo no porto em que nossos antepassados finalmente se refugiaram a fim de escapar da tempestade dos males. Portanto, gostaria de saber se nossos tempos não são felizes. Certamente nós, que continuamente possuímos o que nossos antepassados finalmente escolheram, consideramos nossos dias mais felizes do que aqueles dias antigos; pois o tumulto das guerras que os esgotaram é desconhecido para nós. Nós mesmos também nascemos e fomos criados em um estado de paz que eles desfrutaram apenas por um breve período após o governo de César e o nascimento de Cristo. O pagamento que a sujeição os obrigava a fazer, para nós é a liberdade para a defesa comum. Quão grande é a diferença entre o presente e o passado que melhor pode ser julgada pelo fato de que o que Roma uma vez extorquiu de nosso povo pela espada apenas para satisfazer sua sede de luxo, ela agora contribui conosco para a manutenção do governo. E se alguém afirma que os romanos naquela época eram inimigos muito mais toleráveis para nossos antepassados do que os godos são agora para nós, seu conhecimento e compreensão das condições estão bastante em desacordo com os fatos.
No passado, o mundo inteiro estava em chamas com guerras, e cada província era governada por seu próprio rei, leis e costumes. Faltava também um sentimento de comunhão quando diferentes poderes discordavam uns dos outros. O que então finalmente poderia atrair em um laço as tribos bárbaras que estavam espalhadas por toda parte e, além disso, separadas por diferenças de religião e rituais? Suponha que naqueles dias uma pessoa era levada pela amargura de seu infortúnio ao desespero total e que decidia abandonar seu próprio país e partir em companhia do inimigo. A qual país estranho ele, um forasteiro, se aproximaria? A quais pessoas, geralmente inimigas, ele, um inimigo, suplicaria? Em que homem, no primeiro encontro, depositaria sua confiança? Ele, que não seria chamado porque não pertencia à mesma raça, não seria convidado a permanecer porque não obedecia à mesma lei, e não se sentiria seguro porque não acreditava na mesma religião. Temos muitos exemplos para ilustrar o que aconteceu. Os de Busíris não ofereciam como sacrifícios brutais todos os estrangeiros que tiveram a infelicidade de cruzar seu caminho? As pessoas nas margens da Diana Táurica não agiam de forma cruel para com os visitantes e realizavam ritos sagrados que eram ainda mais cruéis? A Trácia e seu próprio Poliméstor não tratava os convidados, que eram ao mesmo tempo seus parentes, de forma muito criminosa? Sem me alongar muito sobre eventos da antiguidade, citarei apenas o testemunho de Roma a respeito do assassinato de Pompeu e o testemunho do Egito a respeito de Ptolomeu, seu assassino.
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