Simão Ferreira Machado
Em Vila Rica, em 24 de maio de 1733, ocorreu a trasladação do Santíssimo Sacramento da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, onde estava sendo temporariamente mantido, para a Matriz de Nossa Senhora do Pilar, cujas obras de ampliação haviam sido concluídas. Acreditando ser uma oportunidade para a expressão da fé pública, as diferentes irmandades de Vila Rica organizaram uma rica procissão que objetivava se apresentar enquanto um “exemplar da Cristandade Lusitana” não apenas para os moradores das Minas Gerais, mas também aos metropolitanos portugueses, aos cristãos de todo mundo e, mesmo, aos pagãos.
Por vários dias antecedida e sucedida por apresentações de teatro, desfiles, jogos, músicas e danças, a procissão visava expressar a grandeza da fé aliando-a às riquezas da terra: ouro, diamantes, pérolas, tecidos finos, decoravam cada uma das ricas vestimentas dos participantes, dos paramentos dos cavalos, dos adornos e estátuas de santos; as ruas foram decoradas com arcos e flores enquanto músicos e cantores acompanhavam, em carro ou a pé, cada um dos andores e das imagens religiosas. Cada uma das irmandades religiosas tendo expressar a devoção de seus membros por meio da suntuosidade das vestimentas e paramentos.
O Triunfo Eucarístico, como acabou conhecida a procissão, apresenta-se neste texto de Simão Ferreira Machado enquanto tanto enquanto uma representação da sociedade mineira barroca quanto uma singular oportunidade.
Uma auto representação: tem sido bastante comum os estudos históricos sobre o Triunfo Eucarístico enquanto uma determinada expressão da estrutura e das diferenças sociais da região das minas por meio deste desfile. A particular disposição dos diferentes personagens, bem como a específica descrição de seus membros, roupas e adereços, é sem dúvida uma alegoria da própria estrutura social de Vila Rica, e uma alegoria das relações em que a notável riqueza produzida pelo ouro e diamantes se aliava aos poderes religioso e político.
Mais do que isso, porém, o Triunfo Eucarístico se apresenta enquanto uma auto representação da posição daquela sociedade no universo como um todo, de um ponto de vista tanto físico quanto religioso, e da específica lógica interna de seus elementos. A riqueza do ouro, a religiosidade do povo português e, particularmente, daquele que desfilava em Vila Rica, suas relações com os poderes político e militar e, mesmo, seus diferentes contatos com planetas, ventos, estrelas – que também são apresentados no desfile – parecem demonstrar que o Triunfo Eucarístico, ainda que seja efetivamente uma alegoria da estrutura social era, também, uma complexa representação visual de como aquela sociedade (ou, pelo menos, os membros de sua elite) se viam dentro do universo como um todo.
Mas o Triunfo Eucarístico é, também, uma oportunidade: ainda que em um momento de especial celebração, o cuidado nas descrições de cada um dos movimentos e participantes da procissão nos revela um pequeno instantâneo do cotidiano da realidade dos moradores de Vila Rica. Como dificilmente acontece com documentos históricos, temos oportunidade de entrar em contato, ainda que de maneira tênue, com sons e cheiros, músicas e vestimentas, além de expressões artísticas e diversões públicas que mais dificilmente conseguimos recuperar do passado a partir de documentos históricos. É uma oportunidade, assim, para entrarmos em contato um pouco mais íntimo com o que os habitantes de Vila Rica, em 1733, achavam belo e divertido; cheiroso e musical; engraçado e espantoso.
Por alguma razão, este notável documento, por mais estudado que seja, não era facilmente encontrado, muito menos em edições eletrônicas. Esperamos que essa edição suplante essa deficiência.
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